Discurso durante a 119ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Elogios às matérias jornalísticas publicadas em veículos da imprensa nacional, sobre os 50 anos da morte do ex-Presidente Getúlio Vargas. (como Líder)

Autor
Demóstenes Torres (PFL - Partido da Frente Liberal/GO)
Nome completo: Demóstenes Lazaro Xavier Torres
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • Elogios às matérias jornalísticas publicadas em veículos da imprensa nacional, sobre os 50 anos da morte do ex-Presidente Getúlio Vargas. (como Líder)
Aparteantes
Alberto Silva, Heráclito Fortes, Mão Santa.
Publicação
Publicação no DSF de 27/08/2004 - Página 27888
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, O ESTADO DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), ANALISE, MUSICA, TEATRO, RADIO, PERIODO, ESTADO NOVO, COMPARAÇÃO, LIVRO, PUBLICAÇÃO, FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS (FGV).
  • CRITICA, ATUAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, ACUSAÇÃO, AUTORITARISMO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, COMPARAÇÃO, GETULIO VARGAS, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, ESPECIFICAÇÃO, CONTROLE, IMPRENSA.

O SR. DEMÓSTENES TORRES (PFL - GO. Pela Liderança do PFL. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores,

Eu desejo o futuro cheio de glória

Minha morte é bandeira da vitória

Deixo a vida para entrar para a história

E ao ódio eu respondo com perdão”

(Edgard Ferreira)

No último domingo, enquanto o Governo do Excelentíssimo Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, abria espaço nos maiores periódicos do País para justificar os dez mandamentos da liberdade de imprensa contida e bem-comportada, os jornais Folha de S.Paulo, O Estado de S. Paulo e O Globo deram uma aula de jornalismo sobre os 50 anos da morte do ex-Presidente Getúlio Vargas. São cadernos de alto valor bibliográfico e que registram a maturidade, a competência e o senso criativo com que as publicações observaram e analisaram a história do maior político da República. A mim, que sou um apreciador da cultura brasileira, me impressionou bastante a reportagem do jornalista Sérgio Augusto no Estadão. Um dos profissionais mais brilhantes da imprensa brasileira, Sérgio Augusto percorreu a Era Vargas olhando a música, o teatro e o rádio. Com muita acuidade, detalhou as relações de comprometimento do produto cultural durante o primeiro Governo Vargas com a difusão das razões e vontades da Revolução de 1930, especialmente do Estado Novo.

A reportagem de Sérgio Augusto me endereçou para uma publicação que eu conheci nos anos 1980, quando eu era Promotor de Justiça no interior de Goiás e que há anos se perdeu, mas que consegui encontrá-la na Biblioteca do Senado, uma das mais preciosas fontes de conhecimento do Brasil. Trata-se de uma brochura intitulada “Getúlio Vargas e a Música Popular”, da Editora da Fundação Getúlio Vargas, lançada em 1983 em comemoração ao centenário do ex-Presidente, promovida pelo Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação Getúlio Vargas. Assinado por Jairo Severiano, o trabalho projeta a Era Vargas com breves comentários historiográficos em apoio às 42 letras de hinos, marchas, valsas e sambas que fizeram apologia ao mais cantado dos presidentes brasileiros. A publicação resgata o que havia de melhor da charge entre os anos 1930 a 1950 e faz uma abrangente compilação da Música Popular Brasileira no período. O trabalho tem início na sucessão de Washington Luiz, com um Vargas diminuído pelo peso das artimanhas oligárquicas da campanha eleitoral, e se encerra com o lamento do Pai da Nação acabado com um tiro no peito. Apesar da edição modesta, é um bom complemento à vertente que o ex-jornalista de O Pasquim seguiu para explicar Getúlio.

Sérgio Augusto percorre momentos memoráveis da reverência artística a Vargas até o fim do Estado Novo, enquanto na brochura Severiano consagra também o segundo governo e vai além do suicídio, quando o ex-Presidente virou um mito idolatrado por artistas como João de Barro, compositor da marcha “Hino a Getúlio Vargas”. Das ondas do rádio, Jairo Severiano traz na publicação o conhecimento de que muita gente bamba participou do beija-mão musical a Vargas, a exemplo de Haroldo Barbosa e Mariano Pinto, em “Retrato do Velho”; e Silas de Oliveira e Mano Décio da Viola, que compuseram “Sessenta e Um Anos de República”. Geraldo Pereira também teceu loas ao ex-Presidente em “Ministério da Economia”, onde declama com adulação: “Sua Excelência mostrou que é de fato. Agora tudo vai ficar barato...

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Demóstenes Torres, gostaria de participar.

O SR. DEMÓSTENES TORRES (PFL - GO) - Concedo o aparte a V. Exª.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Sobre Getúlio, todo mundo sabe, mas um fato muito me impressionou, e quis Deus estarmos ao lado do Senador Alberto Silva. O último livro que saiu, de um jornalista do Rio Grande do Sul, O Dia em que Getúlio Matou Allende, não tem nada a ver com isso. Esse jornalista estava na China, encontrou ocasionalmente com Allende e contou o fato. Então, ele acha que aquilo inspirou Allende a resistir e não sair do governo. Mas o que me impressionou, atentai bem, é um exemplo de Getúlio ao PT, à austeridade, Senadores Heráclito Fortes e Alberto Silva. V. Exª é muito novo, Senador Demóstenes Torres, mas, antigamente, não havia eletricidade e existiam aquelas geladeiras a querosene. Getúlio Vargas, depois de 15 anos como Presidente, comandante, ditador, foi para São Borja e não tinha uma geladeira daquelas, Eletrolux.

O Sr. Heráclito Fortes (PFL - PI) - Westinghouse.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Não, Westinghouse foi depois. É porque V. Exª é novo, Senador Heráclito. Senador Demóstenes Torres, meu avô, que não foi presidente, tinha duas: uma em sua casa, no sobrado, e outra na casa de praia. E o Presidente Getúlio Vargas não tinha, depois de 15 anos - atentai bem aqueles que estão fazendo farra com o dinheiro público no poder -, uma geladeira. Ele recebeu uma de presente de um empresário paulista. No começo, constrangido, não quis receber a geladeira. Depois, acabou aceitando-a, por delicadeza. Um dos seus prazeres era tomar sorvete à noite. Assim, Getúlio Vargas, depois de 15 anos, como não tinha eletricidade na sua fazenda em São Borja, ganhou de presente uma geladeira a querosene. Nessa mesma época, meu avô já tinha duas geladeiras dessas. Esse é o exemplo maior de austeridade que o PT deve aprender.

O SR. DEMÓSTENES TORRES (PFL - GO) - Concordo com V. Exª. Por isso é que eu o chamo de a maior figura da República.

Concedo a palavra ao ilustre Senador Alberto Silva.

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

O Sr. Alberto Silva (PMDB - PI) - Sr. Presidente, serei breve. Associo-me às palavras do Senador Mão Santa sobre Getúlio. Realmente, nós fomos dessa era. Eu era Prefeito de Parnaíba e, em seguida, fui nomeado diretor de uma estrada de ferro federal que existia no Piauí, exatamente por ele, no Palácio Rio Negro, em Petrópolis. Ouvi alguns conselhos sábios de um político que, como disse o Senador Mão Santa, era não só austero mas uma pessoa que provou, depois de morto, que não tinha nada. A sua própria fazenda não tinha energia. Todos sabíamos disso. Fomos mais ou menos da época política em que ele foi governador e Presidente do Brasil. Quero dizer que o Brasil ganhou com ele muita coisa. Presenciei uma delas, porque eu era engenheiro da Central do Brasil onde se fez a primeira siderúrgica nacional, a Companhia Siderúrgica Nacional, em Volta Redonda. Foi feita por Getúlio, e ganhou o Brasil um excelente instrumento de desenvolvimento. E foi o propulsor da Chesf, hidrelétrica do São Francisco. Bastavam esses dois fatos para mostrar que o Brasil deve a Getúlio muita coisa e, por isso mesmo, ele deve ser relembrado como um dos maiores Presidentes que o Brasil já teve.

O SR. DEMÓSTENES TORRES (PFL - GO) - Se não o maior. Concordo com V. Exª.

Só para concluir, Sr. Presidente. Eu dizia que Geraldo Pereira - estou fazendo uma comparação com o período musical para chegar até esta infeliz coincidência de o PT querer utilizar-se da figura de Vargas para se sustentar, o que não acredito ser possível - também teceu loas ao ex-Presidente em “Ministério da Economia”, onde declama com adulação: “Sua Excelência mostrou que é, de fato. Agora tudo vai ficar barato. Agora o pobre já pode comer”. Que o Comissário Gushiken não me ouça, senão o samba acaba virando hino do famélico Fome Zero.

A matéria de Sérgio Augusto é de uma imensa oportunidade no momento em que o Governo Lula pretende um conúbio infiel com o estadonovismo. Desnorteado para entrar para a história, quer deixar registrado que foi a Administração do PT quem extirpou da vida nacional as últimas nódoas do varguismo. Para cumprir o mister, o Projeto Gabão, muito bem conceituado pelo eminente Senador José Agripino Maia, pretende sepultar o modelo trabalhista-sindical dos anos 40. Por outro lado, descobre virtudes no ex-ditador, como o controle da imprensa, das artes e da propaganda.

Srªs e Srs. Senadores, observem que flagrante contradição: o Governo do PT deve enviar à Câmara dos Deputados, ainda neste ano, o Projeto de Reforma Sindical com a proposta de remover os traços de intervencionismo estatal nas organizações dos trabalhadores. Ao mesmo tempo, anuncia a criação do Conselho Nacional de Jornalistas, que se configura na transferência de poderes autárquicos a uma entidade sindical. Olha ele aí de novo, o conselho, o mais varguista de todos os instrumentos que mantiveram o Estado Novo.

Sr. Presidente, o Governo Lula não quer desmontar a herança de Vargas coisa nenhuma. Em diversos momentos desses 21 meses de governança do Brasil, o Governo Lula se olhou no espelho e visualizou a caricatura de Getúlio Vargas. O ex-presidente revolucionário preparou o Brasil para o capitalismo centrado em um conceito de modernização sem sumo ideológico, sob os auspícios da iniciativa estatal e tendo em vista a sedimentação de um poder unitário e totalizante. Já o Presidente Lula, sem nenhuma galhardia, pretende honrarias e prerrogativas ditatoriais para promover o tal “desenvolvimento econômico sustentável”. Ao mostrar que existem vantagens no cativeiro, o argumento presidencial quer convencer os nacionais de que os meios justificam os fins porque o Presidente Lula “vai abrir a porta da esperança”, quando o País terá encontrado a passagem para a pós-modernidade. Desenvolvido, rico e gracioso, o Brasil, naturalmente que com o apoio do Gabão e do Haiti, encontrará assento no Conselho de Segurança da ONU e estará pronto para purgar todas as máculas do Pacto Colonial. Eu entendo que é defeso a qualquer presidente brasileiro a abdicação da solidariedade, mas me parece um ato de impostura e demagogia o perdão da dívida de países mais pobres do que o Brasil no instante em que o Governo não tem competência para resolver o problema social interno.

Srªs e Srs. Senadores, estamos encerrando agosto, logo vão faltar quatro meses para terminar o ano, e o Superministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome executou apenas 21,3% do que lhe é devido. Já na tela da TV, o mundo encantado da cidadela petista já descarregou, conforme matéria publicada ontem na Folha Ilustrada, um volume diário de sete horas e quinze minutos de publicidade oficial durante as Olimpíadas.

O ex-presidente Getúlio Vargas fez-se mito porque foi um mestre também do marketing político e operou, desde os primeiros dias dos 15 anos da Revolução de 1930, a montagem simultânea da máquina estatal, da base de desenvolvimento industrial e do controle das relações sociais, via meios de comunicação de massa. O sempre citado, pelo terror que produziu, DIP, Departamento de Imprensa e Propaganda, foi criado a partir do aperfeiçoamento de uma máquina de repressão e controle preparada por um órgão, o DOP, Departamento Oficial de Publicidade, que iniciou as suas atividades em 1931. Já em 1934, o organismo se aperfeiçoou e deu lugar ao DPDC, Departamento de Propaganda e Difusão Cultural, que passou a administrar com profissionalismo e êxito a infusão da propaganda do governo na indústria cultural.

Para se ter noção do status político e do peso burocrático do CPDC, consumado o Estado Novo, o órgão de controle da informação passou a ocupar as instalações do Palácio Tiradentes no Rio de Janeiro, até então sede do Congresso Nacional, fechado pela Ditadura Vargas. O raio do bote do DPDC foi bastante ampliado com a incorporação de tarefas como o controle absoluto dos meios de comunicação, o que acabou dando ensejo à criação do DNP, Departamento Nacional de Propaganda,  que acabou se tornando o pai natural do DIP. O órgão, criado em 1939, tinha um alcance bem mais abrangente. Ligado diretamente à Presidência da República, o DIP, de acordo com o decreto que o instituiu, e conforme documento da Fundação Getúlio Vargas, tinha como competência “centralizar e coordenar a propaganda nacional, interna e externa, e servir como auxiliar de informação dos Ministérios e entidades públicas e privadas; organizar os setores de turismo, fazer a censura do teatro, do cinema, das funções recreativas e esportivas, da radiodifusão, da literatura social e política e da imprensa”.

Além da gama de atribuições que, caso hoje vigorassem, encheriam de satisfação e brio o Ministro-Chefe da Casa Civil, Doutor José Dirceu, o DIP ainda promovia convescotes cívicos e patrióticos. Composto de cinco divisões, o Departamento de Imprensa e Propaganda expressava o poder de intervenção de Getúlio Vargas tendo por ponto de partida a disseminação da matriz doutrinária do regime. O DIP, além de não permitir qualquer ensaio de contestação ao Estado Novo, não deixava que a figura pessoal do chamado “Pai dos Pobres” fosse indiferente a qualquer acontecimento nacional. De um lado, cabia à Divisão de Divulgação manter atualizada a propaganda massiva e altamente persuasória do regime. De outro, as divisões de Rádio, Teatro e Cinema e Imprensa forçavam o torniquete da censura e forjavam o produto cultural laudatório, como ocorreu com o samba “O Bonde de São Januário” de Wilson Batista e Ataulfo Alves. Wilson, que era um notório “malandro”, escreveu:

Quem trabalha é que tem razão

Eu digo e não tenho medo de errar

O bonde de São Januário

Leva mais um otário

Sou eu que vou trabalhar.

O DIP achou a ironia uma afronta ao sistema e só liberou o samba depois que a palavra “otário” foi trocada por “operário”. A maior ingerência repressora do DIP, que se apoiava em um regime que não tinha qualquer pudor de torturar e banir foi, sem dúvida, o confisco do jornal O Estado de S. Paulo, que se recusou a se submeter à ordem do Estado Novo e ficou sob intervenção entre março de 1940 e dezembro de 1945.

Srªs e Srs. Senadores, eu reconheço a grande obra do Presidente Getúlio Vargas e tenho em conta o seu legado político, principalmente a sua capacidade de administrar as ambigüidades da complexa sociedade brasileira durante o transcurso do maior conflito armado do século XX, a Segunda Grande Guerra. A exemplo do Presidente Lula, e apesar da formação acadêmica, Vargas não era um homem culto nem refinado, mas estava longe de se expor como um patusco. Infelizmente, neste arremedo de estadismo, Lula busca Vargas não nas qualidades do brasileiro mais reverenciado de todos os tempos, mas nos instrumentos que fizeram a ignomínia quando Getúlio dispôs de poder absoluto.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/08/2004 - Página 27888