Discurso durante a 119ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre a publicação do articulista da revista Veja, jornalista Diogo Mainardi, que recomenda a abertura de CPI para investigar a morte do ex-Prefeito de Santo André/SP, Celso Daniel. Abordagem sobre o posicionamento autoritário do governo Lula.

Autor
Alvaro Dias (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/PR)
Nome completo: Alvaro Fernandes Dias
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • Considerações sobre a publicação do articulista da revista Veja, jornalista Diogo Mainardi, que recomenda a abertura de CPI para investigar a morte do ex-Prefeito de Santo André/SP, Celso Daniel. Abordagem sobre o posicionamento autoritário do governo Lula.
Aparteantes
Heráclito Fortes, Mão Santa.
Publicação
Publicação no DSF de 27/08/2004 - Página 27893
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • LEITURA, TRECHO, ARTIGO DE IMPRENSA, PERIODICO, VEJA, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), SUGESTÃO, MANIFESTAÇÃO COLETIVA, CRIAÇÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), INVESTIGAÇÃO, HOMICIDIO, PREFEITO, MUNICIPIO, SANTO ANDRE (SP).
  • CRITICA, GOVERNO FEDERAL, IMPEDIMENTO, INVESTIGAÇÃO, DENUNCIA, CORRUPÇÃO, INICIATIVA, LEGISLAÇÃO, RESTRIÇÃO, INFORMAÇÃO, SERVIDOR, PROCURADOR DA REPUBLICA, LIMITAÇÃO, LIBERDADE DE IMPRENSA, PROPOSTA, CONSELHO FEDERAL, JORNALISMO, RETROCESSÃO, CENSURA, AUTORITARISMO, PROJETO, CRIAÇÃO, AGENCIA NACIONAL, CINEMA, AUDIOVISUAL, TENTATIVA, AMPLIAÇÃO, ACESSO, AGENCIA BRASILEIRA DE INTELIGENCIA (ABIN), POLICIA FEDERAL, SIGILO BANCARIO, REDUÇÃO, JUSTIÇA DO TRABALHO, DIREITOS, SINDICATO.
  • CRITICA, PROCESSO JUDICIAL, REU, TASSO JEREISSATI, SENADOR, ALEGAÇÕES, OFENSA, TESOUREIRO, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), AUTORITARISMO, PREJUIZO, DEMOCRACIA.
  • PROTESTO, EXCESSO, EDIÇÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), REPUDIO, POLITICA EXTERNA, DECLARAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, CRITICA, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, CONTRADIÇÃO, MANUTENÇÃO, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.

O SR. ALVARO DIAS (PSDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Sr. Presidente, Sras e Srs. Senadores, o articulista Diogo Mainardi, da revista Veja, é inteligente, perspicaz, mordaz, irreverente e absolutamente necessário neste momento em que, embriagados pelo fascínio do poder, algumas autoridades governamentais são levadas a arroubos ditatoriais. Reproduzo desta tribuna uma recomendação do articulista Diogo Mainardi no seu último artigo da Veja:

“Os intelectuais e artistas brasileiros não perdem ocasião para assinar manifestos. O decano da categoria é Oscar Niemeyer. Assinou praticamente todos os manifestos que surgiram nos últimos anos. Do que condena a guerra no Iraque ao que repudia a autonomia do Banco Central. Do que defende o MST ao que pede a reabertura das investigações sobre o assassinato de Toninho do PT, Prefeito de Campinas. Pena que os intelectuais e artistas brasileiros não tenham pensado em assinar um manifesto pedindo uma CPI sobre o assassinato de Celso Daniel, Prefeito de Santo André.”

            Faço esse registro, Sr. Presidente, porque há um surpreendente véu do silêncio cobrindo infindáveis mistérios que envolvem o escândalo de Santo André. O Governo articulou a blindagem necessária para impedir a CPI - aquela e outras.

Estamos vivendo um tempo no Brasil, Srs. Senadores, em que certamente os intelectuais terão de assinar muitos manifestos. Poderíamos enumerar pelo menos seis ou sete razões para isso. Vamos a elas.

O Governo quer instituir a Lei da Mordaça para os Procuradores da República por meio de projeto de lei. Na seqüência, o Governo encaminha ao Congresso projeto que pretende amordaçar os jornalistas, um lixo ditatorial. Essa tentativa de manipular a imprensa, de amordaçar jornalistas é, sem sombra de dúvidas, um retrocesso deplorável que tem que ser combatido. Há, ainda, a mordaça para a produção cultural por meio do projeto da Ancinav, que se encontra em estudo no âmbito do Poder Executivo. Depois, o Governo pensou em um decreto para impedir que servidores públicos falem com a imprensa. Pensou-se num decreto que permite à Abin e à Polícia Federal acessar os sigilos bancário e fiscal dos investigados. Agora, o Partido dos Trabalhadores quer cassar o direito de se expressar dos Senadores, com esse processo ridículo que pretende atingir o Senador Tasso Jereissati por ter ofendido o Tesoureiro do PT, o Sr. Delúbio Soares.

Se não há ainda manifesto assinado relativamente a essa escalada autoritária no País, há manifestações isoladas que merecem consideração do Senado Federal e do País. Por exemplo, agora, em lúcido, corajoso e oportuno artigo, o jurista Ives Gandra Martins alerta o País analisando todas as vertentes sobre a existência, no Governo Lula, de um projeto para reduzir o Estado democrático de direito no Brasil a sua mínima expressão, especialmente no caso da criação desse Conselho Federal de Jornalismo.

Ives Gandra aborda também o controle da produção artística e diz que, como na Rússia e na Alemanha nazista, pretende o Governo Lula controlar a produção artística, cinematográfica e audiovisual.

Fala das agências reguladoras. Diz que o Governo pretende suprimir a autonomia que a legislação lhes outorgou e submetê-las ao controle do Chefe do Executivo.

Quanto ao setor energético, diz que o projeto é nitidamente reestatizante.

Refere-se à reforma trabalhista - acrescento a reforma trabalhista e a reforma sindical - , afirmando que se pretende retirar o poder normativo da Justiça do Trabalho, reduzindo a força de um poder neutro. E a reforma sindical, Senador Heráclito Fortes, pretende aniquilar o sindicalismo brasileiro. Três centrais sindicais já debatem, se reúnem e chamam a atenção para a tentativa de reduzir o poder de reivindicar, o poder de criticar que o sindicalismo brasileiro conquistou ao longo de tantas décadas de combate no País, especialmente no período autoritário. É bom lembrar que Lula emergiu para este cenário de liderança nacional a partir desse combate no sindicalismo, no ABC paulista.

            Prossegue a análise de Ives Gandra Martins. Sobre o sigilo bancário, embora haja cláusula ...

            O Sr. Heráclito Fortes (PFL - PI) - V. Exª me permite um aparte?

            O SR. ALVARO DIAS (PSDB - PR) - Em seguida, Senador Heráclito Fortes.

            Embora haja cláusula imodificável na Constituição, assegurando que o sigilo bancário só pode ser quebrado mediante autorização judicial, há projeto para permitir à Polícia Federal a sua quebra.

            Adverte Ives Gandra que, se ato desse teor for editado, terá o Governo, até as próximas eleições, acesso aos dados financeiros da vida de todos os cidadãos brasileiros, o que lhe permitirá um poder de fogo e de pressão jamais visto, nem mesmo durante o período do regime militar.

            Nos bastidores, estudam, ainda, Senador Heráclito, retirar dos segmentos empresariais as contribuições para o sistema “S”, que possibilitam que Senai, Sesc funcionem magnificamente bem na preparação de mão-de-obra qualificada. 

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não há como ignorar essa tentativa de se iniciar uma escalada autoritária no País, na esteira desse desejo de se edificar um projeto de poder de longa duração no Brasil, comprometendo as mais legítimas tradições democráticas da sociedade brasileira.

Concedo o aparte ao Senador Heráclito Fortes, antes de prosseguir com a análise que pretendo fazer.

O Sr. Heráclito Fortes (PFL - PI) - Sr. Senador Alvaro Dias, V. Exª aborda um tema que vem preocupando e incomodando a Nação: esse monstro chamado “conselho fiscalizador”, digamos assim, do pensamento cultural de quem faz cinema, audiovisual e derivados. Faço apenas uma pergunta: digamos que o jornalista Dusek resolva ser cineasta e faça um filme sobre o verdadeiro caso Santo André. Esse conselho aprovará essa película? O Conselho liberará verbas para isso? Ficaria só nesse exemplo, porque temos um bem recente de um conselho do atual Governo que modificou uma decisão aprovada, por unanimidade, dois meses antes e, depois, com a interferência do Governo, foi derrotada por unanimidade. Faço apenas essa pergunta para reflexão dos que fazem cultura no Brasil. Vamos a um caso concreto, o de Santo André: alguém resolve fazer um filme sobre essa história contando tudo o que não se sabe ainda. O Governo iria permitir esse financiamento? Muito obrigado a V. Exª.

            O SR. ALVARO DIAS (PSDB - PR) - Senador Heráclito Fortes, esse filme sobre Santo André certamente bateria recordes de bilheteria. Seria um filme policial certamente do maior interesse nacional. Já se somam oito assassinatos e há um silêncio ensurdecedor em relação a esse episódio de Santo André, que, parece, arrepia as autoridades do Governo Federal.

            É preciso que o Presidente Lula escolha melhor os seus amigos. Ives Gandra, por exemplo, afirma ser amigo de muitos integrantes do atual Governo, e faz jus a esta amizade, calcada exatamente na lealdade, ao alertar seus amigos para o tremendo equívoco que comete o Governo ao caminhar por esses caminhos do autoritarismo. Não há dúvida de que o Presidente da República e seus principais Ministros poderiam selecionar melhor os seus amigos.

Vejam bem, o Ministro José Dirceu conviveu 13 anos com um amigo, o Waldomiro Diniz, que o assessorou, inclusive, na CPI dos anões do orçamento, levando a imprensa ao equívoco de denunciar o Deputado Ibsen Pinheiro, que foi levado à cassação. Foi o Sr. Waldomiro Diniz que forjou documentação para que esse equívoco histórico fosse cometido pela Câmara dos Deputados.

Portanto, o Ministro José Dirceu conviveu 13 anos com Waldomiro Diniz e nunca observou nenhum desvio de caráter nele.

O Ministro Humberto Costa trabalhou com Luiz Cláudio Gomes da Silva, seu Secretário de Finanças em Pernambuco; depois em Brasília, no Ministério da Saúde; mas jamais notou que seu auxiliar era um verdadeiro vampiro à luz do dia. Esse apetite por sangue o Ministro Humberto Costa não identificou em seu assessor.

O Presidente Lula conviveu, durante quatro campanhas presidenciais, com Francisco Baltazar, chefe da sua segurança, depois nomeado Superintendente da Polícia Federal em São Paulo, cargo que acaba de deixar por causa de uma série de suspeitas que recaem sobre o policial. O Presidente Lula, pela proximidade, já que o responsável pela segurança pessoal fica muito próximo, obviamente teve, durante quatro campanhas eleitorais, oportunidade de identificar desvios de caráter e não teve competência para tal.

Um amigo como Ives Gandra certamente deveria ser ouvido, Senador Mão Santa, a quem concedo um aparte com satisfação.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Alvaro Dias, é muito oportuno o seu pronunciamento. Em Medicina, nós chamamos isso de profilaxia, de prevenção. É grave o momento, Sr. Presidente Geraldo Mesquita Júnior. A história nos conta que não nos serve a ambição de poder ditatorial. Não poderíamos e não precisaríamos, Senador Osmar Dias, buscar exemplos mais gritantes em outros países. O núcleo duro, de pouco estudo, limitou o seu saber a Cuba. O seu general, o comandante José Dirceu, limitado a Cuba, quer trazer esse modelo para o Brasil. Mas há exemplos no nosso próprio País: a experiência do período ditatorial de Vargas, denunciado por Graciliano Ramos em Memórias do Cárcere, livro que fala das atrocidades, do mal dos regimes de excesso de poder e escassa liberdade. Recentemente, Elio Gaspari escreveu sobre o período militar, em seus livros A Ditadura Envergonhada e A Ditadura Escancarada. Eu citaria, ainda, um conto da Polônia, que também viveu um regime ditatorial, que começou devagar. A história conta que havia um padre - e o próprio Papa é polonês -, um grande líder religioso, que atraía milhares de pessoas a suas missas; um dia, chegou a polícia, prendeu o sacristão e ele se calou; depois, em outra missa, a polícia veio e prendeu as freiras e ele se calou. O padre, que era um líder, foi se acomodando. Depois veio a vez dos fiéis serem presos; depois, o próprio líder religioso. É o que está ocorrendo aqui. O PT está se ‘cubanizando’ em todas as repartições, em todas as instituições. E também aqui, neste exato momento em que vamos aprovar medida provisória sem que haja quorum. Ele está desmoralizando o Senado. Todo o Brasil está vendo. Não há quorum e vamos aprovar duas medidas provisórias. Apenas por serem medidas provisórias, elas já estão atropelando o Poder Legislativo. Então, deixamos esta advertência: não vamos fazer como o padre polonês, vamos começar a reação pela liberdade aqui e agora, e enterrar a inspiração cubana de José Dirceu.

O SR. ALVARO DIAS (PSDB - PR) - Senador Mão Santa, a medida provisória é, sem sombra de dúvidas, o sintoma mais evidente da vocação autoritária do Governo. Jamais, em tempo algum, se editaram tantas medidas provisórias, em tão curto espaço de tempo, para afrontar a Constituição do País. Rasgar a Carta Magna, a cada edição de medida provisória, é um desserviço que se presta à democracia. E, obviamente, sinalização para a vocação autoritária latente que, a cada momento, se torna mais visível e contundente nas hostes do atual Governo.

V. Exª falou de Getúlio Vargas e me faz lembrar uma afirmativa daquele líder recentemente homenageado nesta Casa. Getúlio Vargas sempre afirmava que ‘os políticos olham muito o passado e se esquecem do presente e principalmente do futuro; mas é perigoso, pois quem muito olha para trás acaba torcendo o pescoço.’

Pois bem, o Presidente Lula, nessa sua passagem pelo Chile, com ares de Simon Bolívar, oferecendo lições de política internacional e diplomacia, não se esqueceu de atacar o seu antecessor. Aliás, sob o ponto de vista ético, é condenável, porque o exterior não é o local adequado para se estabelecer um confronto com adversários aqui do País. Mas o Presidente Lula afirmou que faltou coragem ao seu antecessor para mudar os rumos da economia, temendo prejudicar os planos de reeleição.

É uma temeridade o Presidente Lula denunciar que o Presidente Fernando Henrique Cardoso não mudou a política econômica temendo prejudicar os planos de reeleição, porque o Presidente Lula também não mudou a política econômica. O Presidente Lula mantém a mesma política econômica do seu antecessor. É, portanto, uma temeridade fazer esse tipo de crítica, porque ela é devolvida exatamente para os condutores da atual política econômica do Governo Lula.

Se o Presidente Lula considera grave o fato de o Presidente Fernando Henrique Cardoso não ter mudado, ao final da sua gestão, a política econômica, certamente consideramos ainda mais grave o fato de o Presidente Lula, que sempre defendeu outro modelo de economia para o País, preservar o sistema econômico adotado, ipsis litteris, pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso.

Não houve mudança alguma, Senador Ramez Tebet! Estamos sob a égide do mesmo modelo econômico, ainda com mais radicalidade, com dureza fiscal superior, com a inibição de todos os agentes econômicos que proporcionam o crescimento do país. Estamos, portanto, praticando a mesma política econômica com maior perversidade. O Presidente Lula não pode criticar o seu antecessor, já que herdou dele o modelo econômico; sustenta-o agora e, sobretudo, o aprimora naquilo que ele tinha de mais rigoroso em matéria de ajuste fiscal.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, lamentavelmente, era nosso desejo incursionar ainda por uma abordagem relativa ao Projeto das Parcerias Público-Privadas, que, nos últimos dias, provocou um grande debate nesta Casa, mas, certamente, em respeito ao Regimento Interno, cumprindo-o em relação ao tempo, vou deixar para falar sobre isso em outra oportunidade.

Antes de concluir, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, repito que o Senado Federal tem grande responsabilidade, devendo colocar-se na trincheira democrática em defesa dos postulados que sempre foram sustentados pelos programas e discursos do PT, mas que acabam sendo sepultados por atitudes eminentemente autoritárias do atual Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/08/2004 - Página 27893