Discurso durante a 128ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Satisfação com o retorno do jornalista Millôr Fernandes às páginas da revista Veja. Considerações sobre a reforma política. (como Líder)

Autor
Demóstenes Torres (PFL - Partido da Frente Liberal/GO)
Nome completo: Demóstenes Lazaro Xavier Torres
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. REFORMA POLITICA.:
  • Satisfação com o retorno do jornalista Millôr Fernandes às páginas da revista Veja. Considerações sobre a reforma política. (como Líder)
Publicação
Publicação no DSF de 16/09/2004 - Página 29513
Assunto
Outros > HOMENAGEM. REFORMA POLITICA.
Indexação
  • HOMENAGEM, ESCRITOR, TRADUTOR, JORNALISTA, ELOGIO, EXERCICIO PROFISSIONAL, CONGRATULAÇÕES, RETORNO, PARTICIPAÇÃO, PERIODICO, VEJA, ESTADO DE SÃO PAULO (SP).
  • ANALISE, HISTORIA, TENTATIVA, REFORMA POLITICA, RESULTADO, ALTERAÇÃO, TEMPO, MANDATO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, AMPLIAÇÃO, HIPOTESE, INELEGIBILIDADE, SUSPENSÃO, EFEITO, RENUNCIA, PROCESSO, CASSAÇÃO, CONGRESSISTA, CRITICA, OBRIGATORIEDADE, VOTO, COMENTARIO, LEGISLAÇÃO, REELEIÇÃO.
  • COMENTARIO, CONTRADIÇÃO, PLANO DE GOVERNO, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), REALIZAÇÃO, REFORMA POLITICA, ATUAÇÃO, GOVERNO FEDERAL.
  • APOIO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, RONALDO CAIADO, DEPUTADO FEDERAL, REFORMA POLITICA, APROVAÇÃO, COMISSÃO ESPECIAL, CAMARA DOS DEPUTADOS.
  • REPUDIO, UTILIZAÇÃO, PROGRAMA, ASSISTENCIA SOCIAL, FAVORECIMENTO, ELEIÇÃO, CANDIDATO.
  • APRESENTAÇÃO, DADOS, INSTITUIÇÃO DE PESQUISA, SOLICITAÇÃO, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), ESTUDO, COMERCIALIZAÇÃO, VOTO, BRASIL.
  • ACUSAÇÃO, UTILIZAÇÃO, DINHEIRO, CRIME ORGANIZADO, CAMPANHA ELEITORAL, APRESENTAÇÃO, DADOS, TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL (TRE), ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), VINCULAÇÃO, CANDIDATO, CRIME.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. DEMÓSTENES TORRES (PFL - GO. Pela Liderança da Minoria.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores: “Precisamos fazer com que os candidatos dependam dos partidos e não estes daqueles”. (Nelson Jobim).

Antes de tratar da Reforma Política, tema do meu pronunciamento, gostaria de registrar a volta do jornalista Millôr Fernandes às páginas da Veja. O escritor, dramaturgo, tradutor e chargista foi uma das minhas referências culturais no Pasquim e na própria revista. O retorno do Millôr é de uma imensa oportunidade neste momento em que, no âmbito da Presidência do Brasil, prolifera o domínio do lugar-comum enquanto mecanismos de controle estatal da opinião pública são agendados sem o menor pudor, a exemplo do Manual da Covardia do tal Conselho Nacional dos Jornalistas. Não saúdo o Millôr, a quem acompanho quase que diariamente em seu site no Universo On Line, como um antídoto da Era Lula ou de qualquer outra coisa, mas como um pensador que estuda, escreve e desenha com muita propriedade este País repleto de estultices, rapinagens e dissimulações autoritárias.

Desde a Nova República não há um político brasileiro de relevo, seja no comando do Poder Executivo seja na atuação parlamentar, que tenha levantado a voz contra a reforma política. As alterações legislativas do sistema eleitoral são, principalmente, investidas de capacidades tão purgadoras como salvacionistas. Trata-se de proposições com o condão da unanimidade, mas também de um fenomenal princípio ativo de procrastinação. Formalmente, da Nova República até o Governo do Excelentíssimo Senhor Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, passando pela Constituinte de 1988, todos concordaram que era preciso fazer e encontraram uma maneira justificável de não fazer de verdade a reforma política.

Srªs e Srs. Senadores, seria uma impostura a afirmação de que nada foi realizado desde o fim do regime militar para reformar o sistema político brasileiro, mas é necessário ressaltar que as intervenções foram episódicas, cuidaram mais de aspectos formais e, como não alteraram o essencial, deixaram a sensação de desperdício de esforço legislativo. É o caso da Lei nº 9.096, de 19 de setembro de 1995, que dispõe sobre os Partidos Políticos. O diploma legal era necessário para regulamentar a Constituição da República, mas, como não cuidou de instituir princípios rígidos de fidelidade partidária, acabou tendo eficácia aparente.

Na verdade, a história da reforma política é composta por marcos de adiamento. O Constituinte tinha competência originária e não a fez. Como ficou no meio do caminho entre a adoção do presidencialismo e do parlamentarismo, relegou uma situação de incerteza que só seria sanada com o plebiscito de 1993.

Decidido pelo primeiro sistema de governo, era a hora de realizá-la durante a revisão constitucional. Era perfeitamente possível desenvolver o processo legislativo da reforma política, inclusive, por conta do quorum especial para o Congresso Nacional alterar as disposições constitucionais, mas não foi o que ocorreu. Perdeu-se a ocasião, já que o resultado legislativo do Congresso revisor, em matéria eleitoral, resumiu-se na ampliação do conceito de inelegibilidade, na redução do mandato do Presidente da República e na suspensão dos efeitos da renúncia de parlamentar sob processo de cassação.

Para trás ficou o fundamental ao aperfeiçoamento do sistema político brasileiro: o fim do voto obrigatório, a adoção de sistema distrital misto e a própria fidelidade partidária. Tenho particular convicção de que a democracia vai-se aprimorar com a adoção de um sistema semelhante ao alemão, em que se conjuga para a escola do parlamentar o voto unipessoal no distrito e as listas fechadas.

Talvez para dar satisfação à perda de oportunidade, em 1993, foi promulgada a Emenda Constitucional nº 4, de acordo com a qual “a lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência”. O princípio é sadio e veio em resposta ao vezo casuístico herdado do regime de exceção de alterar as regras eleitorais para satisfazer a imediata conveniência do poder. Por outro lado, só em 1997 o Brasil instituiu normas gerais e deixou de editar uma lei para cada pleito.

Sr. Presidente, a matéria da reforma política só foi retomada quando se acenderam as pressões para instituir a reeleição no Brasil. Eu me recordo bem dos compromissos do candidato Fernando Henrique Cardoso, durante o pleito de 1998, de apoiar a sua realização. No Senado foi constituída uma Comissão temporária para tratar da matéria, cujo relatório do Senador Sérgio Machado encerrou prolongadas discussões, que evidenciaram propostas executáveis, mas tudo ficou exposto na galeria da boa vontade. Vieram as eleições de 2000, que retiraram a oportunidade do tema, que se perdeu no ocaso dos anos FHC, embora à época a matéria tenha despertado expansões físicas arrebatadoras do atual Presidente do PT, o então Deputado Federal José Genoíno.

Embora a reforma política para o Partido dos Trabalhadores hoje repouse no capítulo das concepções renegadas, vale a pena lembrar o alcance civilizatório garantido à matéria no Plano de Governo do PT apresentado em 2002. Observem como foi sincero o amor do Partido dos Trabalhadores: “A reforma do sistema político brasileiro é urgente e necessária para promover uma efetiva democratização da sociedade e do Estado, permitindo que as disputas eleitorais sejam transparentes, equânimes e capazes de abrir espaço para o surgimento de novas lideranças”. Mais à frente, o documento que selou o compromisso do PT com o povo brasileiro propugnou pelo “financiamento público de campanhas eleitorais, como forma de minimizar o peso do poder econômico e da corrupção. Para fortalecer os partidos, dar-lhes mais nitidez programática e consistência, será proposta a instituição das listas partidárias nas eleições proporcionais, bem como a adoção da fidelidade partidária”. Ao final foi até proposta a alteração dos critérios de proporcionalidade de representação dos Estados na Câmara dos Deputados, assunto, até então, do domínio parlamentarista.

No ano passado, o governo Lula, quando se viu pela primeira vez em queda de popularidade, também ensaiou administrar o santo remédio da reforma política. Para não desdizer a história, o ânimo palaciano mais uma vez mostrou-se enganador, embora a Câmara dos Deputados tenha produzido um documento de reforma maduro e de muita qualidade. O projeto, relatado pelo Deputado Ronaldo Caiado, apresentou boa técnica jurídica, excelente conteúdo e a inteligência de cuidar de matéria exclusivamente infraconstitucional para que o processo legislativo tivesse a celeridade que o Governo pretendia. Basicamente, o Projeto Caiado, que foi aprovado por uma Comissão Especial da Câmara dos Deputados, contemplou três pontos fundamentais: o fim das coligações para cargos proporcionais, o voto em listas partidárias fechadas e o financiamento público de campanha. Houve até outro espasmo reformador quando vieram à tona pecados tropicais no Ministério da Casa Civil. Passado o calor do escândalo o fato é que a reforma política encontra-se estacionada na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados por falta de impulso oficial enquanto o processo político-eleitoral continua reproduzindo o vício e a ignomínia.

Srªs e Srs. Senadores, eu estou visceralmente enojado do que tenho assistido na corrida sucessória deste ano em Goiás e no resto do País. Não há exceção de um único Município, onde o emprego do poder econômico e a extensão eleitoral das finalidades do Estado não estejam literalmente adquirindo a vontade do cidadão. Trocou-se o cabresto e a chibata do coronelismo pelo tilintar da moeda sonante. O poder de convencimento de incomensuráveis quantias arrebata as manifestações de vontade, cala o descontentamento, esmigalha a reação dissonante e faz legítimo o exercício da traição.

A banalização dos vícios eleitorais dão azo à deturpação da finalidade das ações assistenciais dos governos, como a utilização de programas de distribuição de renda, de cesta básica, de bolsa de estudo e de medicamentos, entre outros, para obtenção do favoritismo eleitoral das candidaturas detentoras do carimbo oficial. São programas que deveriam estar a serviço da elevação da qualidade de vida, da erradicação do analfabetismo e da diminuição da subnutrição, mas que acabam como instrumento do clientelismo político. Ao mesmo tempo, a força do poder econômico dos governos sufoca a liberdade de imprensa, impede o direito à opinião e de manifestação das vontades como se houvesse apenas a razão unilateral do poder estabelecido. Neste momento em que se discute a instituição de um Conselho para controlar a atividade jornalística, nos grotões simplesmente é proibido discordar.

Nas eleições de 2002, o Ibope realizou, a pedido da ONG TransparênciaBrasil, uma pesquisa nacional sobre a prática da compra de votos. Entre as indulgências ofertadas, a distribuição de dinheiro ocupou a primeira posição, com uma taxa de 56%. Em seguida, vieram a entrega de bens materiais e os favores administrativos. Os resultados são minimalistas, pois envolvem a confissão de um crime eleitoral. Nem por isso deixam de expressar a extensão da atividade ilegal. Na região Centro-Oeste, por exemplo, 12% dos eleitores admitiram ter recebido oferta de candidatos.

Sr. Presidente, é impossível dissociar do sistema produtivo da corrupção no Brasil a paternidade do sistema eleitoral brasileiro. No País, o dinheiro sujo proveniente do crime organizado é hoje o maior agente financeiro das campanhas eleitorais. Eu estou falando, por exemplo, que os recursos desviados do Ensino Fundamental ou das ações básicas de saúde e os lucros do narconegócio se imiscuem para formar um fundo de campanha sem origem nem nome, o que autoriza o senso comum a avaliar os políticos malandros.

Não é de se estranhar o levantamento efetuado pelo Tribunal Regional do Rio de Janeiro, que apontou um resultado de que 20% dos candidatos nas eleições de 2004 figuram como réus na esfera criminal. Nem causa espanto o escambo partidário que movimentou 146 parlamentares nesta Legislatura no Congresso Nacional. Isso sem se contabilizar o troca-troca partidário de prefeitos, deputados estaduais e vereadores. A usurpação do instituto partidário chegou a tal ponto que se tornou comezinho aos olhos do homem e da mulher de bem. Em vez de a representação política estar sendo disputada pela vocação ao interesse público e à prática da decência, o bolo do poder é alcançado por quem dá mais no grande leilão eleitoral do caixa dois.

No grande mercado do voto, não se conta o poder de convencimento da razão ou da palavra, mas as carreatas, os cabos eleitorais de aluguel, os “showmícios” com dupla caipira, os brindes de toda espécie, o combustível, as tais “visitadoras” em São Paulo e as bruxarias do marketing político no rádio e na TV. O espetáculo vence as idéias, tendo como suporte o irresistível poder do dinheiro, o que naturalmente depois é decisivo para a aferição da qualidade da política. Se a atividade pública se confunde, na generalidade, com o desvio administrativo e o vantagismo parlamentar é porque os critérios de ascensão ao mandato são preponderantemente monetários.

Sr. Presidente, é verdade que as facilidades da aquisição do voto e do apelo ao poder político encontram trânsito nas fissuras da legislação que se quer reformar. Mas a lei em si seria incapaz de permitir tamanho volume de distribuição de dádivas e cooptações, caso não houvesse, na maquinação política, o concurso de forças previamente preparadas para decretar nessas eleições, em Goiás e no Brasil, a “República do Estipêndio”.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/09/2004 - Página 29513