Discurso durante a 155ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Questão da desclassificação dos documentos relativos ao Regime Militar.

Autor
Demóstenes Torres (PFL - Partido da Frente Liberal/GO)
Nome completo: Demóstenes Lazaro Xavier Torres
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. FORÇAS ARMADAS.:
  • Questão da desclassificação dos documentos relativos ao Regime Militar.
Aparteantes
Mão Santa.
Publicação
Publicação no DSF de 10/11/2004 - Página 35724
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. FORÇAS ARMADAS.
Indexação
  • COMENTARIO, CRISE, DEMISSÃO, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA DEFESA.
  • CRITICA, OMISSÃO, GOVERNO FEDERAL, DIVULGAÇÃO, DOCUMENTO SIGILOSO, ARQUIVO, FORÇAS ARMADAS, PERIODO, DITADURA, REGIME MILITAR, BRASIL.
  • NECESSIDADE, LIBERAÇÃO, DOCUMENTAÇÃO, ATENDIMENTO, FAMILIA, PRESO POLITICO, VITIMA, TORTURA, MORTE, DESAPARECIMENTO, OBJETIVO, COMPLEMENTAÇÃO, PROCESSO, DEMOCRACIA, BRASIL.

O SR. DEMÓSTENES TORRES (PFL - GO. Pela Liderança do PFL. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores: “O Brasil não tinha uma boa opção em 1964” , Leôncio Martins Rodrigues.

Quando ocorreu a crise política entre o ex-Ministro da Defesa, José Viegas, e o Comando do Exército, desta feita provocada pelo conteúdo redentor de nota assinada pelo General Francisco Albuquerque em resposta a publicação pelo Correio Braziliense de fotografia em que um preso político é exposto nu, não pude me manifestar nesta Tribuna, pois estava representando o Senado, na condição de observador, na qüinquagésima nona Assembléia Geral das Nações Unidas, em Nova York. Agora, a exoneração do Embaixador José Viegas devolve ao debate nacional a delicada questão da desclassificação dos documentos relativos ao Regime Militar. Antes de tratar do tema, gostaria de observar que o ex-Ministro José Viegas é um homem talhado na carreira diplomática, preparado para ocupar postos estratégicos, mas não tinha autoridade, e tornou-se natural a sua saída. Tanto que o ex-Ministro teve a decência e a grandeza de pedir para deixar o governo depois de uma tumultuada relação com as Forças Armadas.

Já a nomeação do Exmº Sr. Vice-Presidente da República, José Alencar, um político conciliador de grande capacidade empresarial, traz a vantagem aparente de que o Palácio do Planalto estará estabelecendo comando ao transferir parte do poder originário da Presidência da República para a Pasta do Ministério da Defesa. Na verdade, o Governo do PT pode estar criando um pretexto para graves inconvenientes. Não acredito, por exemplo, que seja prudente à figura do Vice-Presidente dirigir o procedimento licitatório da compra das aeronaves de combate que vão reequipar a Força Aérea Brasileira. Destaco o editorial do jornal O Estado de S. Paulo do último sábado, que recorda frase do Vice-Presidente, quando da formação do primeiro Ministério do Governo Lula. O nome do Doutor José Alencar havia sido lembrado para a Pasta do Desenvolvimento e da Defesa. Na ocasião, descartou a possibilidade sob o irrefutável argumento: “imaginem o Presidente sendo obrigado a demitir o Vice”. Parece que as coisas mudaram e como justificou uma liderança do PT em nome do Palácio do Planalto: “O Ministro José Alencar é permanente”. Se for assim, o próximo passo será a conferência de poderes regenciais para determinadas figuras da República.

A liberação dos arquivos referentes ao regime militar tem sido tratada de maneira precária, na base da “embromoterapia”. Era curial que se esperasse que o Governo do Senhor Lula fosse tratar dessa questão de Estado com sinceridade e transparência. Não é o que está ocorrendo. Até a crise da fotografia, que trouxe à tona o caso Vladimir Herzog e culminou com a saída do Embaixador José Viegas, o Governo Lula fez o que estava ao seu alcance para chantagear a sociedade com a tese de que abrir a documentação é obra de revanchismo.

O SR. PRESIDENTE (Sérgio Zambiasi. Bloco/PTB - RS) - Senador Demóstenes Torres, são 18 horas e 30 minutos no relógio do Senado. Prorrogo a sessão por mais cinco minutos, para que V. Exª possa concluir o seu pronunciamento.

V. Exª continua com a palavra.

O SR. DEMÓSTENES TORRES (PFL - GO) - Em outras ocasiões, praticou a auto-enganação, como foi o caso da teatral expedição do Secretário Nacional dos Direitos Humanos, o Sr. Nilmário Miranda, este, verdadeiro rei do expediente simulado, em busca das ossadas em Xambioá, Tocantins, onde se deu a Guerrilha do Araguaia. No episódio, o “Doutor Direitos Humanos”, que parece não ter lido a obra Ditadura Escancarada do jornalista Elio Gaspari, teve o seu dia de “Eremildo, o idiota”. É sabido que os corpos dos combatentes do Partido Comunista do Brasil foram removidos dos cemitérios clandestinos e incinerados.

Ora, Sr. Presidente, hoje quem governa o Brasil é o lado derrotado pelo Regime de 1964, como os ex-guerrilheiros José Dirceu, Dilma Rousseff e José Genoíno, respectivamente o Ministro-Chefe da Casa Civil, a Ministra das Minas e Energia e o Presidente do Partido dos Trabalhadores. No final da década de 1970, fui membro do Comitê Goiano de Anistia e, com muita freqüência, sou procurado pelas vítimas e familiares de presos políticos. Eu compreendo a decepção generalizada com a insistência do PT em manter a verdade sob custódia. Ao final, fica sempre sem resposta uma pergunta cheia de mágoa: “O que eles querem esconder?”

Definitivamente, não se pode “fulanizar” o debate e nem tornar obra do mexerico o passado das autoridades brasileiras. Não interessa acusar o Presidente José Genoíno de colaboracionista só porque ele foi preso no Araguaia sem dar um tiro; nem clarear os dez anos da clandestinidade do Ministro José Dirceu; e tampouco mencionar as regalias que o Senador Romeu Tuma proporcionou ao Presidente Lula quando ele era líder sindical e esteve preso na sede da Polícia Federal de São Paulo. O mais interessante é que todos são a favor de abrir os arquivos, mas, inexplicavelmente, há uma força inercial que contém os impulsos. Em junho do ano passado, o Governo Lula expôs o Deputado Federal do PT, Luiz Eduardo Greenhalgh, um dos advogados mais notáveis de defesa das vítimas do regime militar, a uma situação desconfortável, quando a Advocacia Geral da União recorreu da decisão da Juíza Federal Solange Salgado, que determinou a abertura da documentação referente à Guerrilha do Araguaia.

Sr. Presidente, a crise militar trouxe a figura do Presidente da República ao centro da discórdia e, como é da personalidade do primeiro-mandatário, a conversa adquiriu contornos coloquiais, como revelou a colunista Tereza Cruvinel, no dia 28 de outubro, no jornal O Globo. De acordo com a jornalista, assim se manifestou o conspícuo Presidente Lula: “Isso não se resolve com um grito de lá ou um grito de cá”. O Ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, hermeneuta que é, decidiu estender o alcance da profunda definição presidencial e declarou, conforme reportagem publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo: “Estamos trabalhando neste assunto com determinação, mas com cautela, sem fazer marola, gritaria”. Assim sendo, o Dr. Márcio Thomaz Bastos pode acabar sendo confundido com o personagem de Lima Barreto, o “Genelício”, o “gênio do papelório”.

Srªs e Srs. Senadores, uma das cruciais funções de qualquer governo é gerenciar as crises, mas a administração do PT é especialista em alimentá-las. As atitudes omissas do Palácio do Planalto no que se refere à liberação dos arquivos do regime militar são a causa das condutas exasperadas. O Governo, ao manter o estado de dúvida, ganha tempo, mas ajuda a ressuscitar o maniqueísmo que deflagrou o golpe de 1964, levou o Brasil à ditadura e que a sociedade não aceita até por uma questão de coerência. Não são contemporâneas as ideologias que antagonizaram, após o fim do Estado Novo, “os lacaios do imperialismo ianque e os títeres de Moscou”. Uma gente que, como se viu, não tinha compromisso com a Nação. Em 1964, o Brasil possuía duas alternativas políticas que necessariamente iriam instaurar um governo autoritário. A esquerda e a direita tinham em comum um profundo desprezo pela democracia. Uma amava a Rússia, Cuba, China entre outros e detestava os EUA, a outra só tinha olhos para a América e não podia ouvir a Balalaica; ambas, esquerda e direita, se esqueceram do Brasil.

Gostaria de fazer uma breve digressão para comentar o livro do Ministro da Educação, Tarso Genro, intitulado Esquerda em Processo. Pelo que a imprensa brasileira antecipou, a obra promete ser um novo manual de enquadramento da sociedade aos antigos dogmas do materialismo histórico. Em entrevista domingo no Estadão, o Ministro negou que tenha sido da sua lavra a idéia do Conselho Federal de Jornalismo, mas ficou confuso ao tentar explicar o que pretendia quando escreveu sobre a necessidade de um conselho. Já me desculpando pelo estilo literário do Ministro, cito suas palavras: para “regrar e vigiar as regras que permitam a liberdade de informação, o livre trânsito das opiniões, a obstrução de qualquer monopólio na área, bem como a elevação dos padrões éticos e culturais dos meios de comunicação”. “Regrar e vigiar as regras” é o próprio “bienquadramento”. Assim sendo, parece que o que há mais atualizado na obra é o pensamento do proscrito ditador albanês Enver Hoxha.

Sr. Presidente, da mesma maneira que foi um despropósito o arroubo anticomunista da nota do Ministério do Exército, vai ficar falando rigorosamente sozinho quem pretender fazer da abertura dos arquivos a desmoralização das Forças Armadas. O vexame de ter praticado tortura por razões políticas faz parte do passado, e o acerto de contas foi feito quando o Presidente Figueiredo sancionou a Lei de Anistia, há exatamente 25 anos. O que se produziu de mais horrendo no seio das instituições militares e dos departamentos policiais não pode ser esquecido para que não se repita, mas é inaceitável qualquer tentativa de perseguir punições dentro do ordenamento penal. Os efeitos da Anistia são irretratáveis dentro da melhor tradição do Direito brasileiro.

As Forças Armadas, desde que deixaram o poder, têm prestado, apesar das migalhas de recursos, um trabalho exemplar de proteção do País. São inequívocas e substanciais as iniciativas do Exército, da Marinha e da Aeronáutica no sentido de garantir a estabilidade democrática. As três Forças estão encarregadas de ocupar a vanguarda do desenvolvimento do Brasil; prova é a competência da Marinha, por exemplo, no domínio da energia nuclear. Aliás, no momento em que o Brasil discute a inserção das Forças Armadas na política de segurança pública, não há o menor cabimento fomentar o retrocesso. Acredito que não existe e não haverá ambiente para que seja promovida espécie de gincana de execração das Forças Armadas, mesmo porque as instituições militares gozam da simpatia da imensa maioria da população brasileira.

A desclassificação dos documentos que tratam do período militar precisa ser feita com critério e deve atender a interesses determinados. As limitações devem passar pela classificação do conteúdo da documentação. Nos Estados Unidos, por exemplo, os documentos produzidos na gestão de um presidente são reunidos em um instituto, que leva o seu nome, e passam a ser liberados à consulta, condicionados ao cumprimento de determinado prazo, variando de acordo com o grau de reserva da informação. A legislação brasileira sobre a matéria é composta da Lei nº 8.159, de 8 de janeiro de 1991, e a grande polêmica que há diz respeito ao Decreto nº 4.553, de 27 de dezembro de 2002, que estabelece dispositivo inaceitável. Consoante o texto, o prazo de cinqüenta anos para a desclassificação do conteúdo ultra-secreto pode ser renovado indefinidamente, de acordo com o interesse da segurança da sociedade e do Estado.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - V. Exª me concede um aparte, Senador Demóstenes Torres?

O SR. DEMÓSTENES TORRES (PFL - GO) - Concedo um aparte ao ilustre Senador Mão Santa.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Demóstenes Torres, ouço atentamente V. Exª, bem como todo o País. A grande lição que o País já encontrou, que já lhe foi dada, é a de que ditadura nenhuma é boa. Está aí a literatura que pode atestar. Getúlio Vargas era um homem bom, mas o regime ditatorial não. Ficou, na minha geração, o terror à ditadura Vargas por meio de Memórias do Cárcere, de Graciliano Ramos. Agora, há uma ditadura militar que está querendo, por meio de documentos, infernizar a paz, a ordem e o progresso que um País deve ter. E isso também já foi dissecado tão bem por outro escritor, Elio Gaspari, em um conjunto de obras sérias, que documentam o terror que a Nação deve sentir, qualquer que seja a ditadura.

O SR. DEMÓSTENES TORRES (PFL - GO) - Quatro volumes maravilhosos.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Sim, o trabalho de Elio Gaspari sobre a Ditadura. Quero crer que o País tem que se preocupar hoje é com o grande problema do desemprego e da violência. Na semana passada, estive na Argentina que está dando à América do Sul ensinamentos de civilização; o Chile também. Fernando Henrique, em sua última entrevista, advertiu o Lula. Cada Presidente tem uma missão: a dele foi combater a inflação, que era terrível; e a do Presidente Lula seria o desemprego, que é a causa maior da violência. 

O SR. DEMÓSTENES TORRES (PFL - GO) - Senador Mão Santa, V. Exª faz um aparte belíssimo, falando justamente do tema que vou tratar no próximo parágrafo.

Srªs e Srs. Senadores, a liberação da documentação, principalmente em relação às vítimas e familiares da tortura, das mortes e desaparecimentos precisa ser feita não para promover reencontro com a história. Isso não existe. A sua função é de completar a instauração democrática e encerrar o assunto no âmbito das relações institucionais do Estado brasileiro. Realizado com critérios, o conhecimento da documentação do ciclo militar será sadio ao interesse nacional à medida que encerra as pendências guardadas pela confidencialidade das informações. O Brasil não precisa mais se expor a crises recorrentes causadas pelo passado. Eu tenho a plena certeza de que a providência vai fazer bem a todo mundo.

Interessa ao Governo Lula em razão do cumprimento de uma espécie de obrigação natural. O PT sempre perseguiu a abertura dos arquivos e não há melhor oportunidade. Interessa às Forças Armadas, posto que joga uma pá de cal em sentimentos de culpa ou revanchistas. Interessa à sociedade uma vez que poderá remover mitos e sofismas. Interessa às vítimas da tortura, que certamente se sentirão justiçadas. Aos pesquisadores, a documentação poderá oferecer subsídios necessários à correta compreensão do período, que sinceramente é envolto em muita inverdade bilateral.

Eu considero que não há nada mais ignominioso do que o aparelho estatal se prestar à prática da tortura. Agora, não considero correto quem se decidiu pelo enfrentamento armado e pela prática do terrorismo. Em qualquer circunstância, a conduta é tipicamente bandida. Eu acredito que a sabedoria desta Casa vai ser fundamental para que se encontre uma saída legislativa que contemple a complexidade da questão com maturidade, paciência e respeito às instituições.

Sr. Presidente, para encerrar, gostaria de comentar que foi de uma falta completa de propósito o Excelentíssimo Senhor Presidente da República fazer uso do bordão criado pela Assessoria Especial de Relações Públicas do Governo do General Emílio Garrastazu Médici, em festa na quadra da Portela. Tão logo havia sido encerrada a Cúpula do Rio, o Presidente Lula, provavelmente enfadado do protocolo, “rumou” para Madureira, tirou a gravata, pôs um chapéu da Velha Guarda e sambou na cadência da passista Valéria Valenssa. No embalo do samba, e tendo à mesa Zeca Pagodinho, imaginou-se o dono da República do Rebolado e declarou: “Ninguém segura este País!” No calor da crise militar, o Presidente Lula afirmou que iria tratar as Forças Armadas com muito carinho. Nada mais prudente! Mas não precisava fazer apologia de um tempo em que se produziram os horrores, cuja documentação o seu Governo hesita em apresentar ao Brasil.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/11/2004 - Página 35724