Discurso durante a 172ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comentários à entrevista do ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso com críticas ao atual governo. Críticas ao discurso do Presidente Luis Inácio Lula da Silva, proferido ontem no primeiro Encontro de Prefeitos Eleitos do PT.

Autor
Alvaro Dias (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/PR)
Nome completo: Alvaro Fernandes Dias
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • Comentários à entrevista do ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso com críticas ao atual governo. Críticas ao discurso do Presidente Luis Inácio Lula da Silva, proferido ontem no primeiro Encontro de Prefeitos Eleitos do PT.
Publicação
Publicação no DSF de 01/12/2004 - Página 39380
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • IMPORTANCIA, DECLARAÇÃO, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, AVALIAÇÃO, POLITICA NACIONAL, SOLIDARIEDADE, CRITICA, INCOMPETENCIA, GOVERNO FEDERAL, NECESSIDADE, CLASSE POLITICA, OPOSIÇÃO, RESPONSABILIDADE, COBRANÇA, MELHORIA.
  • COMENTARIO, PRONUNCIAMENTO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, ENCONTRO, PREFEITO, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), INEXATIDÃO, AVALIAÇÃO, GESTÃO, TENTATIVA, IMPUTAÇÃO, RESPONSABILIDADE, OPOSIÇÃO.
  • QUESTIONAMENTO, FALTA, IMPLEMENTAÇÃO, PROGRAMA DE GOVERNO, PRIORIDADE, PLANO, MANUTENÇÃO, PODER, DENUNCIA, MANIPULAÇÃO, DADOS, FRUSTRAÇÃO, EMPRESARIO, TRABALHADOR, SUJEIÇÃO, EXIGENCIA, FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL (FMI), INFERIORIDADE, INVESTIMENTO PUBLICO, EXECUÇÃO ORÇAMENTARIA.

O SR. ALVARO DIAS (PSDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, eu sei que hoje, provavelmente, o Líder do Governo fará referência a declarações do Presidente Fernando Henrique Cardoso proferidas no dia de ontem.

Obviamente não posso antecipar nenhuma apreciação sobre o que dirá o Líder do Governo, mas, de qualquer maneira, gostaria de fazer referência às afirmativas do ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso do dia de ontem.

Em primeiro lugar, quero considerar que é importante que um ex-Presidente, que tem essa energia e essa disposição, possa se pronunciar a respeito dos rumos que o País persegue por intermédio do Governo que elegeu. Não se trata apenas de um direito, trata-se, acima de tudo, de um dever do ex-Presidente manifestar-se a respeito dos rumos da política nacional.

O ex-Presidente foi duro na crítica e o fez bem ao dizer que o Governo é incompetente e que o rei está nu. O ex-Presidente disse que o Governo Lula é incompetente e que é preciso que mostremos que o rei está nu. Repetindo o ex-Presidente Fernando Henrique: “Este Governo é incompetente. Incompetência não é ofensa. E competência é a análise de um conjunto de ações e de seus resultados”. E disse também o Presidente: “Vejam o que está acontecendo, comparem e mostrem. Quem sabe o Presidente melhore a sua competência”. Essas foram afirmativas do ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso, que pediu à Oposição a retirada das luvas de pelica das mãos. O ex-Presidente entende que não devemos usar luvas de pelica.

Até entendo que, em determinados momentos, devemos usar luvas de Mike Tyson, nos bons momentos de sua carreira. A Oposição deve ser dura, sim, na crítica, deve ser contundente, deve ser competente, responsável e construtiva, e é isso o que procuramos, é isso que o PSDB procura fazer, no Senado Federal, em benefício do País, fazendo oposição não ao Brasil, mas, sobretudo, aos erros do Governo.

Prefiro realmente não usar luvas de pelica. E não posso, neste momento, deixar de fazer referência ao pronunciamento do Presidente Lula, ontem, na abertura do 1º Encontro Nacional de Prefeitos Eleitos do PT, onde declarou que a equipe de Governo está afinada com os compromissos do País. Diz Sua Excelência: somos como a Quinta Sinfonia de Beethoven.

Primeiramente, desconhecíamos essa inclinação do Presidente da República pela música erudita. Mas creio que o Presidente não foi bem assessorado. A Quinta Sinfonia, melhor conhecida como Sinfonia da Vitória, é reconhecida pelo vigor e seus acordes de comando. Contudo, foi justamente no concerto de estréia de sua Quinta Sinfonia que a surdez de Beethoven, agravada, fez com que o fiasco fosse total.

Certamente, quem assessorou o Presidente Lula não se lembrou desse fato. Foi justamente no concerto de estréia da Quinta Sinfonia.

O músico, sem distinguir uma só nota, insistiu em reger a orquestra que, desorientada, não conseguiu tocar bem a partitura.

Portanto, escolheram de forma errada a sinfonia ou a escolheram com muita sinceridade e procuraram retratar esse estágio do Governo de perturbação absoluta, de complexidade incomum. A incompetência administrativa, aliada à relação política de promiscuidade, faz com que a ação governamental decepcione todo o povo brasileiro.

A imagem sinfônica magistral de Beethoven não corresponde ao “tom desafinado” da sua orquestra. Não há registro de que o Presidente tenha algum problema auditivo que justifique confundir sons tão díspares.

Na mesma noite, o Presidente Lula procurou transmitir aos Prefeitos eleitos a confiança de que o Governo conduz o Brasil no rumo certo e advertiu sobre a investida da Oposição em tentar desestabilizar o Governo.

Creio, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que nem o Governo conduz o Brasil no rumo certo com competência e muito menos a Oposição tenta a desestabilização. A Oposição que exercemos nesta Casa é propositiva e responsável e tem contribuído, de forma eficaz, para que o Governo possa aprovar os projetos de interesse nacional. E não são poucas as concessões feitas pelas Lideranças do Governo nesta Casa, com o objetivo de permitir a aprovação de propostas que interessam ao País. E poderíamos citar a Reforma da Previdência, que contou com a boa vontade política da Oposição; a Reforma Tributária, apesar dos acordos não terem sido cumpridos na Câmara dos Deputados e estarmos aguardando a conclusão desse processo; a Reforma do Judiciário, que será promulgada parcialmente no próximo dia 8, como resultado da responsabilidade política que assume a Oposição no combate crítico que faz, cumprindo o seu dever, mas, sobretudo, oferecendo os instrumentos necessários para a governabilidade, oferecendo os instrumentos indispensáveis para que o Governo possa agir.

Se o Governo tem agido mal, sem eficiência e competência, não cabe à Oposição responsabilidade porque ela tem sido participativa, tem sido colaboracionista, não tem negado o seu voto e o seu apoio nos momentos cruciais exigidos pelo Poder Executivo. Até mesmo sendo paciente em excesso no que diz respeito às suas prerrogativas usurpadas, aceitando até passivamente as imposições próprias dos autoritários, especialmente no que diz respeito às medidas provisórias que desfilam pelos escaninhos do Congresso Nacional de forma interminável.

O que não é possível, no entanto, é o País continuar sem um plano de Governo, sem uma agenda concreta, uma administração agindo por “espasmos”. Isso não é possível e não podemos admitir, e é a razão, sem dúvida, da crítica contundente proferida pelo ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso, que, como brasileiro, tem o direito de cobrar do Governo o cumprimento dos compromissos assumidos durante a campanha eleitoral.

O Presidente da República adiantou ontem o seguinte:

Vai começar o segundo tempo do jogo. Os adversários devem estar discutindo como se comportar no segundo tempo. Nós não temos que ficar nervosos por nada. As coisas têm que acontecer e vão acontecer. O Brasil está preparado para isso. - afirmou o Presidente Lula aos Prefeitos eleitos do PT.

Mas sem um planejamento estratégico, sem diretrizes definidas, sem uma agenda concreta, nada vai acontecer, a não ser a implementação de um projeto de poder.

Quanto à tentativa de se arquitetar um projeto de poder de longo prazo com viés autoritário, não há dúvida de que os esforços governamentais têm sido visíveis. Mas assistimos a lideranças empresariais, como o Presidente da Fiesp, Paulo Skaf, clamar pela agilização dos investimentos em infra-estrutura para “acabar com os gargalos”.

O Governo manipula muito bem os números, as informações. Se o Governo não ouve empresários como o Presidente da Fiesp ou trabalhadores, principalmente das três centrais sindicais que não estão alinhadas à política do atual Governo, se não ouve, portanto, lideranças empresariais, lideranças de trabalhadores, o Governo ouve, sim, os responsáveis pelo marketing oficial, sempre. E, por isso, há manipulação de dados e de informações.

O ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso, certamente, terá resposta desta tribuna hoje. Tal resposta virá pela manipulação de dados, sobretudo aqueles que dizem respeito ao atual desenvolvimento econômico do País.

Os governistas têm facilidade para a utilização desse artifício. A escamoteação de fatos e números e a manipulação de informações e dados estatísticos são uma estratégia que se adota para, no mínimo, confundir a opinião pública do Brasil.

No entanto, deve prevalecer sempre o resultado final e concreto da ação de qualquer governo e a informação que se busca junto à opinião pública. A vida melhorou ou piorou? O País está melhor ou pior? A qualidade de vida da população é melhor ou é inferior?

Se buscarmos dados concretos da realidade social brasileira, verificaremos que não houve avanço; que houve a maior queda de renda dos últimos seis anos na gestão do Presidente Lula; que tivemos um crescimento avassalador da violência e da criminalidade, da ordem de 18% no ano de 2003 em relação a 2002; que houve uma queda de investimentos que, não pode, de forma alguma, ser ignorada, e os investimentos públicos se constituem num dos principais instrumentos de alavancagem do crescimento econômico do País.

O Presidente da Fiesp adverte: “Não podemos continuar com o aumento de juros. (O aumento de juros) vai frear a demanda, o crescimento, e isso inibe o investimento”.

A Associação Brasileira da Infra-Estrutura (Abidib) é detentora de propostas concretas para romper os gargalos. Por isso, sugeri desta tribuna, há pouco tempo, que a entidade fosse ouvida pelos Ministros da área econômica e do planejamento do Governo.

Mas, repito, infelizmente, o Governo não quer ouvir ninguém, a não ser os marqueteiros de plantão.

A idéia de que o PT era detentor de quadros qualificados foi desmontada nesses quase dois anos de gestão. Não há massa crítica no Governo. A notícia de que o Governo cogita manter o superávit primário de 4,5% em 2005 é prova cabal de que a massa crítica é inexistente.

Que estratégia de desenvolvimento é essa? O setor público registrou um superávit primário de R$77,971 bilhões entre janeiro e outubro. A economia de recursos feita para o pagamento de juros é equivalente a 5,59% do Produto Interno Bruto. A economia do setor público, nos primeiros dez meses do ano, já superou em R$6,471 bilhões a meta acertada com o Fundo Monetário Internacional para 2004. Portanto, o PT e o Governo Lula são mais fiéis do que o Fundo Monetário Internacional a essa proposta monetarista que acaba comprimindo a economia e impedindo o desenvolvimento econômico sustentado do País.

No final de setembro, o Governo anunciou um aumento da meta do superávit em 0,25 ponto percentual para 4,5% do PIB. A adoção dessa política hiper-restritiva de controle de gastos federais vitimiza o crescimento econômico de longo prazo.

E dirão que o País está crescendo. O País está realmente crescendo, mas cresce aquém das suas potencialidades, aquém das suas possibilidades. E não me canso de repetir que a fotografia mais evidente de que estamos desperdiçando oportunidades é aquela que mostra todos os países da América Latina, com exceção do Paraguai e da Guiana, crescendo mais do que o Brasil. E é evidente que nós não podemos entender como países mais pobres do que o nosso possam apresentar crescimento econômico superior, aproveitando o bom momento da economia mundial.

O Poder Executivo, até a primeira quinzena de novembro, utilizou apenas 19,4% do já reduzido volume de investimentos autorizados pelo orçamento deste ano - R$2,4 bilhões - de um total de R$12,5 bilhões.

E lembro-me, como se fosse hoje, o Presidente da República, na televisão, ao final do ano passado, anunciando que a economia não cresceu, que o País não investiu em 2003, mas que a retomada dos investimentos ocorreria no ano de 2004. Lembro-me como se fosse hoje. E o Presidente anunciou que seriam investidos R$12,5 bilhões. Já estamos chegando ao mês de dezembro, o último mês do ano, e apenas R$2,4 bilhões foram investidos.

Senador Jefferson Péres, esse é mais um compromisso não honrado do Presidente Lula. Gerou expectativa, enorme expectativa o compromisso de investimento da ordem de R$12,5 bilhões, que, aliás, seriam escassos diante da necessidade de investimento maior do País, sobretudo em infra-estrutura, pois o País necessita de cerca de US$20 bilhões por ano. E um Governo, que oferece pelo orçamento público a possibilidade de investimento, de forma geral, em todas as áreas, em todos os setores, não exclusivamente no setor de infra-estrutura, da ordem de US$12,5 bilhões, e fica longe de alcançar essa meta, é evidente que não pode ser denominado de Governo competente. Nem mesmo sincero. Nem mesmo cumpridor dos seus mais elementares compromissos.

Compromissos de campanha não são honrados, mas o pior é que compromissos depois da posse também não são honrados. É possível até que, durante a campanha eleitoral, por equívoco de assessores, um candidato possa apresentar propostas e programas que acabam sendo inalcançáveis, em função da realidade que se verifica posteriormente. Mas, depois da posse, um Presidente da República não pode gerar expectativa para frustrar; não pode prometer sem a possibilidade de cumprir; não pode assumir compromissos que não honra. E o Presidente Lula não apenas deixa de cumprir os compromissos da campanha eleitoral mas também continua como expert na geração de expectativas e sobretudo, lamentavelmente, o campeão de frustrações, em função de não poder cumprir os compromissos assumidos.

A nossa crítica à escassez de recursos e o conseqüente comprometimento do nosso crescimento econômico está baseado na visão de que a retomada dos investimentos é urgente e que a meta de 4,5% de superávit do PIB, pactuada com o Fundo Monetário Internacional, é incompatível com a retomada desses investimentos. Se o Governo teima em afirmar que manterá a meta de 4,5% de superávit primário, não pode anunciar metas expressivas de investimentos, porque não conseguirá honrá-las. Foi o que ocorreu. O Presidente anunciou metas de investimentos que foram comprometidas pela meta maior, em respeito ao Fundo Monetário Internacional: a obtenção do superávit primário.

Recebo advertência do Sr. Presidente de que o meu tempo se esgotou. Portanto, vou concluir, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, advertindo que as palavras do Presidente Fernando Henrique Cardoso devem merecer a atenção do Presidente Lula. E, da nossa parte, não usaremos luvas de pelica, como deseja o ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso. Continuaremos a cumprir o nosso dever, exercitando a oposição responsável e construtiva, mas com a dureza que se exige da Oposição brasileira.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/12/2004 - Página 39380