Discurso durante a 175ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

A violência no país. Reflexões do cientista político italiano, Noberto Bobbio, sobre o importante papel do Poder Legislativo.

Autor
Mão Santa (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PI)
Nome completo: Francisco de Assis de Moraes Souza
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. SEGURANÇA PUBLICA.:
  • A violência no país. Reflexões do cientista político italiano, Noberto Bobbio, sobre o importante papel do Poder Legislativo.
Publicação
Publicação no DSF de 07/12/2004 - Página 40432
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • ANALISE, CONDUTA, LUIZ INACIO LULA DA SILVA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, JOSE SARNEY, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO, POLITICA, BRASIL.
  • DEFESA, VITALICIEDADE, CARGO PUBLICO, SENADOR, SEMELHANÇA, PAIS ESTRANGEIRO, ITALIA.
  • LEITURA, TRECHO, OBRA CIENTIFICA, AUTORIA, NOBERTO BOBBIO, INTELECTUAL, PAIS ESTRANGEIRO, ITALIA, ANALISE, POLITICA.
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, O GLOBO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), DIVULGAÇÃO, IMPRENSA, PAIS ESTRANGEIRO, ARGENTINA, VIOLENCIA, TURISTA, MUNICIPIO, RIO DE JANEIRO (RJ).

O SR. MÃO SANTA (PMDB - PI. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador) - Senador Eduardo Siqueira Campos, que preside esta sessão de segunda-feira, Srªs e Srs. Senadores presentes na Casa, brasileiras e brasileiros que assistem a esta sessão pelo sistema de comunicação do Senado, Senador Marco Maciel, talvez V. Exª seja o mais pacífico político brasileiro.

Venho a esta tribuna advertir o nosso Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, de cuja vitória nós participamos.

O Brasil assiste a uma peleia muito interessante entre o ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso e o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Confesso que nunca votei em Fernando Henrique Cardoso. Em 1994, o meu Partido, o PMDB, tinha candidato próprio, Orestes Quércia, em quem votei. Perdemos a eleição. Como Shakespeare diz, não há bem nem mal; o que vale é a interpretação, é o pensamento.

Perdeu o PMDB, mas ganhou ensinamento. Naquele instante, o PMDB elegeu nove Governadores. Um quadro vale por dez mil palavras. Esse é o quadro que apresento ao meu Partido, que vai realizar convenção.

Quero lhe dizer, Senador Papaléo Paes, que se não tivesse havido a candidatura de Quércia, eu não teria sido eleito Governador do Estado do Piauí. Fui para o segundo turno; o Quércia me proporcionou sua estrutura de comunicação, de televisão e chegamos até aqui.

Em 1998, fui reeleito pela vontade do povo do Piauí. Também não votei em Fernando Henrique Cardoso, nem votei de novo em Lula. Votei em Ciro Gomes, que era do nordeste, companheiro vizinho - “Mateus, primeiro os teus”! Não ganhamos.

Ao terminar a última eleição, o Presidente Fernando Henrique Cardoso, cuja cultura ninguém pode esconder, principalmente política - em função da sua formação de sociólogo e de professor universitário do mundo - na sua saída, fez o mais importante pronunciamento da sua existência, Senador Marco Maciel. Assisti à sua entrevista e acredito que, naquele momento, ele tinha a satisfação do cumprimento da sua missão.

O Presidente analisava que cada governante tem de ter a sua meta. Foi assim com D. Pedro I, que proclamou a independência; com D. Pedro II, que garantiu a unidade deste Brasil grandão; foi assim com os militares, que trouxeram a República e que combateram, dizem, o comunismo; foi assim com Getúlio Vargas, que trouxe as leis trabalhistas e o nacionalismo; foi assim com Juscelino Kubitscheck, que trouxe auto-estima e desenvolvimento; foi assim com o Presidente Collor, que abriu a comercialização para o mundo; e foi assim com os Presidentes Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso, que acabaram com o monstro da inflação.

Quis Deus que entrasse neste plenário, neste instante, aquele a quem, sem dúvida nenhuma - Deus escreve certo por linhas tortas -, coube a página mais importante da nossa história política, que foi a redemocratização deste País, sem um tiro, sem uma bala, sem morte, apenas com a sua paciência e persistência: o Presidente Sarney.

Cada um tem a sua missão. Entendo e faço meu aquele raciocínio do Presidente Fernando Henrique Cardoso: o Presidente Lula teria a sua meta, que não era dele, era do povo, era desta Nação; como a meta do Presidente Sarney não foi dele, mas a imposição do destino.

O governante não faz. É como diz, Presidente José Sarney, Ortega Y Gasset: “O homem é o homem e suas circunstâncias”.

Vamos fazer justiça, Presidente Lula!

O Presidente Fernando Henrique Cardoso lhe aconselhou: “É a violência o que tem que enfrentar”. O Presidente Lula ainda está em tempo. Está encerrando a metade do jogo.

Não adianta, o homem não impõe; a história é que impõe as suas necessidades.

A violência está aí - sei que é velha! Senador Marco Maciel, lemos a Bíblia. Sabemos que esse negócio de violência é coisa velha: Caim, Abel, veio por aí e atingiu o mundo todo. Pares cum paribus facillime congregantur, ou seja, Violência atrai violência. Vejam o Presidente José Sarney com a sua cultura! Mas que a violência tem aumentado, tem.

Quero dar a contribuição do PMDB para a governabilidade.

Tenho muita admiração pelo currículo do Presidente Sarney, que, na sua humildade, relembra: “A grandeza democrática permitiu um operário chegar à Presidência da República”.

É o que os italianos no Renascimento diziam: Tem que haver virtù et fortuna, virtudes e sorte. Lula chegou à Presidência. Existem as virtudes, mas estamos vivendo nesse mar de violência.

Permita-me o PT, que está no Governo com o apoio do PMDB, que represento, falar sobre a sua luta, a sua história e o combate que travou com a ditadura.

A mensagem última de Ulysses: “Ouça a voz rouca das ruas”. Entendo, Senador Marco Maciel, que a grandeza do PMDB é estar sintonizado com as ruas. Quem vive nas ruas é o povo.

Quero apresentar o mais importante para a governabilidade. Sei que o nosso Presidente da República é pleno de virtudes e tem uma inteligência extraordinária. Não se chega à Presidência da República sem essas virtudes. Porém Sua Excelência não é muito afeito a estudar. Quero dar a minha contribuição, já que o Presidente está peleando com Fernando Henrique, Presidente José Sarney.

Uma vez, fui ao Palácio, e o Presidente, Senador Papaléo Paes, levou-me à biblioteca. Há uma biblioteca geral, grande e bonita, que o Presidente José Sarney conhece muito bem, e uma biblioteca privativa no quarto do Presidente, onde havia, inclusive, um livro com o qual eu o presenteei: Mistificação das Massas. Constatei que o livro de cabeceira dele era de Norberto Bobbio, que é uma inspiração para o Brasil. Intelectual, professor de Direito, Senador vitalício da Itália. A Itália do Renascimento; a Itália da bússola, que trouxe a globalização; da imprensa, da pólvora, dos grandes homens.

Senador Sarney, é tempo de pensarmos na questão do Senador vitalício para enriquecer esta Casa. A Itália, de tanta história e grandeza, já adota esse sistema. Quanta contribuição podem dar esses homens! Deus, que é bom, permitiu estarem entre nós o Presidente José Sarney e o Senador Marco Maciel. Mas e se eles não quisessem ter retornado? Pela sua experiência, poderiam ter sido convertidos em vitalícios. Está na época de estudarmos, nesta Casa, o assunto do Senador vitalício, como ocorre na Itália.

Norberto Bobbio foi reconhecido e morreu há pouco tempo. Foi Senador vitalício e viveu as dificuldades. São vários os seus livros. Este sintetiza tudo a seu respeito. Como Platão, que escreveu para Sócrates, o assistente de Norberto Bobbio, Michelangelo Bovero, publicou toda a sua obra nesta: “Teoria Geral da Política”. A título de contribuição,quero oferecer esse livro, depois de o ter lido e estudado na íntegra, ao Presidente da República.

Ler é chato e demora. Bom é cinema ou novela, pois é rápido e resumido. Mas esse livro diz tudo, Senador Papaléo Paes. As 716 páginas - 716 páginas.

Quero oferecer ao Presidente Lula, candidato no qual votei, a minha contribuição de eleitor, de Senador, e a contribuição do PMDB para a governabilidade.

Atentai bem, Presidente da República, para o que diz Bobbio:

(...) ’a estreita conexão entre esses três problemas parece evidente:

a) o objetivo do corpo político é garantir aos indivíduos a asseguração da vida, da liberdade e dos bens;

b) quando o governo já não é capaz de garantir a segurança, o dever de obediência política, ou seja, o dever de obediência perde o sentido;

c) o melhor modo de se conseguir essa garantia é um legislativo fundado no consenso e um executivo dependente do legislativo’.

No entanto, o que está havendo é a inversão disso. No Brasil, estamos atrapalhados, por isso esta Casa precisa muito do Presidente Sarney.

Atentai, Presidente Sarney, para o lema positivo “Ordem e Progresso”. O Executivo legisla e, de 65, ele fez 62 medidas provisórias. Não temos tempo para fazer leis boas e justas, mas atropeladas. No Judiciário, vejam a interpretação daquele fato da eleição, da verticalização desde os Vereadores. Tenho analisado, porque esta Casa é para isso. O certo é que o mais qualificado de todos eles é o Ministro Marco Aurélio, à imagem do Rei Salomão.

Sou médico, Papaléo, como V. Exª, e sei que apenas podemos tirar a vida em dois casos: quando cardiopatia grave acomete a mãe ou esta foi submetida a estupro. No entanto, estamos lentos, pois os fatos fazem a lei. Não havia essa parafernália que nos possibilita o diagnóstico de anencefalia, assim o Judiciário está fazendo, por retardamento, uma lei que vem de um fato.

Precisamos colocar ordem nas coisas que estão acontecendo com a harmonia dos três Poderes: o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. E este País estaria mais atrapalhado se não fosse a sabedoria do Presidente Sarney, quando, há pouco tempo, Judiciário e Executivo se estranharam.

São esses os reflexos. Miterrand, no seu último livro, já com câncer, pediu a colaboração de um companheiro que ganhou o Prêmio Nobel de Literatura, dizendo que queria deixar ao mundo essa mensagem. Ele, que governou por quatro anos a França da liberdade, igualdade e fraternidade, disse que o mais importante é se fortalecerem os contra-poderes. Esta é a verdade: o Executivo fortalece o Legislativo, o qual fortalece o Judiciário, que, por sua vez, fortalece o Executivo.

Resumindo, Norberto Bobbio disse que o mininum minimorum que se tem que exigir do Governo é que dê segurança à vida, à liberdade e à propriedade, porque sem isso ele não existe.

Atentai bem: quem tem segurança à vida neste País? Quem tem segurança à liberdade e à propriedade?

A edição de hoje do jornal O Globo traz a seguinte manchete: “Jornal argentino alerta para a violência do Rio”. Poderiam dizer os que fazem o Governo que o Senador Mão Santa está trazendo história da velha Itália de Norberto Bobbio, que morreu. Mas eu trago Almir Pazzianotto, jovem, novo, clarividente, advogado defensor dos trabalhistas, das sindicais, Ministro do Trabalho do Governo paciente de Sarney, que disse, em seu artigo “Indefesos”: “a violência é função da falta de emprego, da perda dos valores”. Esse é o seu diagnóstico.

O linguajar de Pazzianotto coincide com a inspiração de Norberto Bobbio:

A violência é condômina do desemprego, das deficiências do sistema educacional, da certeza na impunidade, da ausência de formação profissional, da desagregação familiar, do abandono da infância e da adolescência, do intenso fluxo migratório que retira o homem do seu meio ambiente. (...)

O combate à violência, porém, somente trará resultados efetivos quando o mercado de trabalho se expandir e satisfizer as necessidades da população desempregada. Como declarou o desembargador Marco Antonio Nahun, do Tribunal de Justiça de São Paulo, ‘não basta legislação severa e polícia violenta e forte. O que diminui (a criminalidade) é uma política social em que o pai tenha emprego’.

O Presidente da República tem boa intenção, mas só isso não resolve. É necessário, como disse Fernando Henrique, competência.

Ninguém admira mais o Presidente da República do que o José Alencar, mas a sabedoria popular diz: “cada macaco em seu galho”. O Ministério da Defesa não é o galho do grande líder e extraordinário homem que é José Alencar. Seria o mesmo que me mandarem ou ao Papaléo para Alcântara, para fazer um estudo dos foguetes brasileiros. Saberíamos os princípios administrativos, mas seria melhor ver o Papaléo no Ministério da Saúde ao invés de soltando foguete. José Alencar não está no seu galho.

Talvez o Presidente da República não tenha tido a minha sorte e a minha experiência. Sou Oficial da Reserva não remunerada, pois fiz CPOR.

A violência está aí e é tão grande que cito o jornal da Argentina. É deboche. Não vou lê-lo, mas ele diz que se o turista chega com muitas malas é porque tem dinheiro, então é fotografado e o assalto é planejando pelo celular, já no aeroporto.

Como um quadro vale por dez mil palavras, atentai bem, em 2003, Presidente Lula, foram assassinados 7.998 pessoas no Rio de Janeiro. A televisão nos mostra que, na guerra de Bush contra o Iraque, morreram muito menos pessoas, ou seja, houve um quarto das mortes ocorridas no Rio de Janeiro, onde há uma guerra constante. Isso é uma violência.

Presidente Lula, Vossa Excelência, só tem um rumo. A sua meta é essa. Aliás, não é a meta de Vossa Excelência, é necessidade. Atentai bem! O jornal O Globo diz: “Sete mil e novecentas e noventa e oito pessoas, no Rio, foram assassinadas em 2003.” O número de pessoas que morreu na guerra do Iraque foi de um quarto desse.

No Brasil, 110 pessoas são vítimas de homicídio a cada dia. No Rio são assassinadas 18 pessoas por dia.

Sr. Presidente da República, Sr. Ministro da Defesa, o RDE e o RISG nos dizem: a Polícia é uma força acessória. Lá, sem dúvida nenhuma, Senador Rodolpho Tourinho, a Polícia, pelo Regimento, pelo RDE, pelo RISG, é uma força acessória do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, que são as grandes. Então, ela tem que estar vinculada, tem que ter o sentido da unidade de comando, da unidade de direção e da hierarquia.

Penso então que estamos precisando do nosso Vice-Presidente, da sua inteligência, da sua capacidade de criar emprego, trabalho e riqueza. Vamos buscar a pessoa certa das Forças Armadas - que têm tradição -, porque vivemos em guerra interna, esta é a verdade.

Senador Papaléo Paes, vou citar um fato: no fim de semana, o meu assessor, o Mourão, um jovem bonito, simpático, que só faz o bem, pacífico, foi assaltado por uma gangue. Deram 18 facadas nele. O País está em guerra! Esse é o quadro aqui, funcionários, jornalistas. Essa é a realidade, Presidente Lula! Não tem Duda que esconda isso. Aliás, Deus castiga - já castigou.

Veja o que o povo diz, Presidente. É mais fácil tapar o sol com uma peneira do que esconder a verdade. E esta é a verdade: no Rio de Janeiro está morrendo mais gente, em um ano, do que no Iraque, na guerra do Bush. Isso não existe, Senhor Presidente. Acorde!

Essa é a aliança do PMDB, que nasceu com o compromisso de defender o povo, de levar a mensagem do povo, que nasceu com um projeto brasileiro.

Nas minhas andanças, Senador Papaléo Paes - em homenagem a V. Exª -, lembro-me de Afrânio Peixoto que, em seu primeiro livro de higiene, dizia: “No Brasil, quem faz saúde pública é o sol, a chuva e os urubus”. Era o tempo da febre amarela. E agora digo eu, Senador Rodolpho Tourinho. A única coisa séria que ouvi foi um jornalista que disse. Ele disse que por onde andava, podia ser em uma favela, na Rocinha, no Nordeste, no Amazonas, onde havia uma igreja, a violência era menor. Portanto, o que ainda combate a violência e faz a paz é a formação cristã do povo brasileiro. Amai-vos uns aos outros! Meu patrono andava com uma bandeira que dizia: “Paz e bem”.

Então, a segurança ainda existente no Brasil, o Governo do Fome Zero, e a violência que ainda não existe temos de agradecer à formação cristã do nosso povo.

Era o eu que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/12/2004 - Página 40432