Discurso durante a 175ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Registro do recebimento de anteprojeto elaborado pelo Ministério da Educação sobre a reforma do ensino superior. Participação de S.Exa. em reunião de debate sobre o biodiesel. Considerações sobre o desempenho da Petrobrás nas áreas de gás e energia.

Autor
Ideli Salvatti (PT - Partido dos Trabalhadores/SC)
Nome completo: Ideli Salvatti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ENSINO SUPERIOR. POLITICA ENERGETICA.:
  • Registro do recebimento de anteprojeto elaborado pelo Ministério da Educação sobre a reforma do ensino superior. Participação de S.Exa. em reunião de debate sobre o biodiesel. Considerações sobre o desempenho da Petrobrás nas áreas de gás e energia.
Aparteantes
Rodolpho Tourinho.
Publicação
Publicação no DSF de 07/12/2004 - Página 40456
Assunto
Outros > ENSINO SUPERIOR. POLITICA ENERGETICA.
Indexação
  • REGISTRO, ANTEPROJETO, LEGISLAÇÃO, REFORMULAÇÃO, ENSINO SUPERIOR, DISPONIBILIDADE, INTERNET, COMENTARIO, POSSIBILIDADE, DEBATE, POPULAÇÃO, ENTIDADE, ESTUDANTE, PROFESSOR, GOVERNO FEDERAL.
  • REGISTRO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), AUTORIZAÇÃO, ADIÇÃO, PERCENTAGEM, Biodiesel, OLEO DIESEL, AUMENTO, OFERTA, EMPREGO, REDUÇÃO, IMPORTAÇÃO, PETROLEO.
  • ANUNCIO, REALIZAÇÃO, LEILÃO, ENERGIA ELETRICA, BENEFICIO, REESTRUTURAÇÃO, SETOR, RECURSOS ENERGETICOS.
  • CRITICA, CONTRATO, USINA TERMOELETRICA, EMPRESA MULTINACIONAL, ESTADO DE RONDONIA (RO), AQUISIÇÃO, ENERGIA ELETRICA, CENTRAIS ELETRICAS DO NORTE DO BRASIL S/A (ELETRONORTE), PREJUIZO, POPULAÇÃO, PAGAMENTO, FATURA, CONSUMO.
  • DEFESA, RENEGOCIAÇÃO, CONTRATO, PETROLEO BRASILEIRO S/A (PETROBRAS), SETOR PRIVADO, OBJETIVO, LUCRO, EMPRESA ESTATAL.

A SRª IDELI SALVATTI (Bloco/PT - SC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em primeiro lugar queria comunicar à Casa e aos que nos assistem neste final de tarde desta segunda-feira, dia 6 de dezembro, que, no início da tarde de hoje, o Ministério da Educação apresentou o anteprojeto de lei para a reforma da educação superior. Esse debate está aberto já há um bom tempo e vem contando com a participação da sociedade civil organizada, representantes de todas as instituições de ensino superior do nosso País, tanto da rede pública quanto da rede privada, representantes dos estudantes, do corpo docente e do corpo técnico do nosso ensino superior.

O público tomou conhecimento hoje à tarde desse anteprojeto, dessa versão preliminar, que estará recebendo a análise e as alterações propostas pela sociedade civil, instituições e representações tanto de estudantes quanto dos profissionais que atuam na área da educação até o mês de fevereiro, prazo estipulado pelo Ministério da Educação para colher esses dados.

Esse anteprojeto já está disponível no site do Ministério da Educação para que, da mesma forma como está em debate o projeto da Ancinav, toda a sociedade possa participar, dar suas sugestões e contribuir com alterações, a fim de que, quando o projeto chegar ao Congresso Nacional, a matéria já tenha sido profundamente debatida, trazendo o pensamento da sociedade sobre o assunto e sobre questões importantes relacionadas à reforma do ensino superior no Brasil, assim como ocorre com a questão da produção audiovisual no País.

Comunico, portanto, a todos que têm interesse em participar desse debate que o anteprojeto já está disponível no site; e informo, ainda, a todos que quiserem contribuir com análises e com propostas de alteração e de aprimoramento, que o Ministério da Educação já está recebendo essas contribuições.

Sr. Presidente, participei de uma outra solenidade hoje à tarde, com os Senadores Leomar Quintanilha e Luiz Otávio - aliás, lamentei não ter havido a participação de outros Senadores. Refiro-me ao lançamento de projeto extremamente importante para o nosso País, o do biodiesel. Hoje, o Presidente da República assinou mais uma medida provisória, medida provisória essa que é fundamental para complementar imediatamente o que foi votado na Câmara dos Deputados e estará chegando a esta Casa. Esse projeto permitirá, a partir de agora, no período 2004-2005, a adição de 2% de biodiesel ao diesel que locomove toda a nossa frota de caminhões, tratores e ônibus. Essa simples adição significa a criação de mais de 150 mil empregos no Brasil e uma economia da ordem de US$160 milhões por causa da diminuição das importações de petróleo.

Além disso, esse projeto do biodiesel está prioritariamente voltado para o semi-árido nordestino e para as regiões deprimidas economicamente, principalmente as do Norte e do Nordeste do nosso País, tendo uma vinculação direta com a agricultura familiar. O biodiesel será trabalhado com base nas oleaginosas, que não concorrem com a produção de alimentos. Portanto, além de ocupar mão-de-obra, gerar renda e atender regiões que têm grande demanda de alternativa econômica, ainda é ligado à agricultura familiar.

Essas informações foram lançadas hoje à tarde num evento concorrido, que contou com a presença de vários Governadores de Estado e de todos os Ministros que participaram da elaboração desse projeto. Todos sabemos que o biodiesel é uma grande alternativa para a alteração da nossa matriz energética, com a produção de energia renovável que dê alternativas para regiões que precisam de uma solução para sua histórica degradação econômica e social.

Por tudo isso, não poderia deixar de fazer este registro. Saímos da solenidade bastante gratificados. A primeira medida provisória, que foi votada pela Câmara, entrará nos próximos dias no Senado da República, ao lado da medida provisória que foi assinada, complementar, que modifica a questão tributária, concedendo isenção, redução de impostos e garantindo o financiamento desses agricultores familiares que irão se integrar à produção do biodiesel.

Uma outra questão que gostaria de ressaltar é que teremos, nesta semana, o primeiro megaleilão de energia após a reestruturação do sistema elétrico - temos cinqüenta e três empresas nele inscritas, a possibilidade de cinqüenta e cinco mil megawatts de energia instalada, com vinte e sete mil megawatts de potencial, de energia efetiva. O resultado desse megaleilão será o coroamento de um longo processo de reestruturação do setor elétrico, de correção dos rumos na questão energética do nosso País. Essa reestruturação, já no meio do ano, nos meses de junho e julho, trouxe um resultado muito positivo por ocasião do leilão de energia alternativa: foi surpreendente, porque havia a perspectiva de uma aquisição de 3.300 megawatts e foram ofertados 6.600 megawatts.

Toda a reformulação do setor elétrico está caminhando numa linha extremamente positiva e construtiva, garantidora dessa questão. Isso é ainda mais importante quando levamos em conta que não há sustentabilidade de crescimento se não houver garantia, a médio e longo prazo, de energia para o nosso País.

O lançamento do Projeto do Biodiesel e o megaleilão de energia desta semana, com a perspectiva de, em abril do ano que vem, termos um outro leilão grande de energia nova, são o resultado desse longo trabalho capitaneado pela Ministra Dilma Rousseff. Gostaria de aqui parabenizá-la por toda a iniciativa e pela competência com que vem trabalhando essa questão, sabedora de que essa é uma questão estratégica para dar sustentabilidade ao nosso desenvolvimento.

Queria falar hoje sobre a questão do gás e da energia, mas acabei misturando esse tema com a questão do biodiesel, porque, às vésperas do megaleilão, temos tido um debate a respeito de competência, de como as coisas foram encaminhadas pelos governos anteriores, pelo governo atual e sobre outras questões que foram colocadas - a nossa assessoria nos tem informado sobre o andar da carruagem no que diz respeito às correções de rumos para tentar encontrar alternativas mais viáveis e mais vantajosas para o Brasil.

Há pouco tempo, ficamos preocupados quando a imprensa publicou avaliações técnicas que apontavam um possível prejuízo nos negócios de geração termelétrica a gás da Petrobras que poderia ultrapassar a casa de R$6 bilhões até 2006. Pedimos que a Assessoria fizesse toda uma análise com relação ao fato. E a análise financeira do relatório de atividades de 2003 da Petrobras, publicada em março de 2004, apontava uma provisão de perdas da ordem de R$2,1 bilhões para cobrir restos de 2003 e também para o ano de 2004. E isso obviamente nos causa uma grande preocupação.

Mais recentemente, a Assessoria nos repassou providências adotadas principalmente pelo Professor Ildo Sauer, Diretor de Gás e Energia da Petrobras, renegociando. Quando o PT assumiu o Governo, nosso querido ex-Senador José Eduardo Dutra assumiu a Petrobras e Ildo Sauer, a Diretoria de Gás e Energia, eles se depararam com situações extremamente complexas, que precisavam ser resolvidas, pois o modelo e a forma como contratos haviam sido assinados criaram situações extremamente complexas, que mereciam uma tratativa. E havia três alternativas. A primeira era o rompimento unilateral do contrato, mas romper contrato unilateralmente causa uma grande celeuma, inclusive porque, durante a campanha eleitoral, uma das questões centrais que o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva havia colocado era o fato de honrar os contratos assumidos. Assim sendo, qualquer rompimento unilateral, mesmo em se tratando de contratos altamente perniciosos aos interesses do Brasil, estava descartado.

A segunda alternativa seria o questionamento dos contratos na Justiça, mas todos sabemos que recorrer à Justiça leva décadas e décadas e a solução efetiva do problema também não se daria.

A terceira alternativa seria renegociação. E foi por esse caminho que o Professor Ildo Sauer seguiu. Uma boa parte desses contratos foi renegociada, alguns ainda o estão sendo, e, em vez daquela previsão de prejuízo de mais de R$6 bilhões até 2006, hoje já se trabalha com projeção de resultados positivos, algo em torno de 8% dos valores investidos pela Petrobras nessa área.

Então, para nós é muito importante fazer esse registro, ainda mais depois de uma semana em que debatemos a maneira de conduzirmos os problemas, como os Governos atuam, como são resolvidas as questões. Não poderíamos deixar de trazer esse registro numa tarde em que estou expondo a importância do projeto biodiesel lançado hoje, a expectativa criada com o mega leilão para amanhã ou quarta-feira - não sei bem a data, mas será esta semana.

Vou dar o aparte ao Senador Rodolpho Tourinho, porque depois quero especificar algumas questões dos contatos, questões que acho importante debater.

Desculpe-me, Senador Tourinho, a ousadia de falar sobre um tema do qual sou uma pessoa meramente espectadora, mas interessada, porque sei da importância que toda a questão energética tem para o desenvolvimento do nosso País. Sou leiga.

O Sr. Rodolpho Tourinho (PFL - BA) - Sinto-me muito à vontade para fazer esse aparte a V. Exª até porque, antes de V. Exª, estive na tribuna elogiando a Petrobras porque iniciamos finalmente a obra Manati/Salvador, que é absolutamente fundamental para o fornecimento de gás para o Estado da Bahia. Além disso, o Presidente José Eduardo Dutra anunciou o Gasene, a ligação do gasoduto. Então, considero fundamental que se insira definitivamente essa questão do gás natural na matriz energética brasileira. E a Ministra Dilma Rousseff, com a sua competência, está absolutamente no caminho certo. Discordo apenas um pouco - mas não é um assunto para tomar tanto tempo - da questão dos prejuízos anunciados pela Petrobras na questão termoelétrica, que é tão importante para País. A Petrobras, há um tempo, comprou um gás da Bolívia que não tinha uso, e, quando lhe foi dado o uso termoelétrico, ela já teria o prejuízo de qualquer forma, visto que foi comprado um gás que não tinha uso aqui. Mas ainda assim era fundamental, até mais importante antes do que hoje, termos o gás da bacia de Santos. Meu aparte, portanto, é para colocar essas contas da forma correta e também para louvar os eventuais contratos que tenham sido renegociados. Romper contrato, nunca! E isso a Petrobras não fez. Renegociar contrato em qualquer área, sempre. Assim, só gostaria de enfatizar o que aconteceu hoje, na Bahia, em Salvador, em Mataripe, com o início das obras de Manati/Salvador. Gostaria também recolocar a questão desses contratos numa perspectiva diferente, em que louva o trabalho da Petrobras. Mas já existia uma concepção um pouco diferente em relação a qual, e contra ela, eu já havia discutido com o Professor Ildo Sauer. Só para esclarecer, Senadora Ideli Salvatti.

A SRª IDELI SALVATTI (Bloco/PT - SC) - Agradeço, Senador Rodolpho Tourinho.

Reporto-me rapidamente a alguns desses contratos que foram renegociados, para podermos ter clareza dos prejuízos, que, digamos assim, eram uma afronta aos interesses do nosso País.

A minha assessoria, inclusive, preparou algo sobre questão dos contratos das termelétricas de Macaé Merchant, Eletrobolt e TermoCeará, e colocou aqui como exemplo o Estado de Rondônia. Vale a pena citar o caso de Rondônia, onde existe uma usina termoelétrica, e foi assinado o contrato em que a Eletronorte se obriga a comprar muito mais energia do que o Estado consome. Assim, a usina ganha sem precisar gerar um único megawatt. Trata-se de um tipo de projeto onde se ganha muito dinheiro praticamente sem trabalhar. A usina tem um recebimento mesmo sem gerar.

Para se ter uma idéia do prejuízo financeiro provocado, isso custa aproximadamente R$1 milhão/dia. E falo de R$1 milhão para uma empresa norte-americana, porque o contrato foi com a El Paso. São quase R$400 milhões por ano que são pagos pelos consumidores de todo o Brasil, porque a CCC - Conta de Consumo de Combustíveis - é que paga a conta. A CCC é uma taxa cobrada na nossa fatura. Ou seja: todos os brasileiros que têm energia elétrica têm essa tarifa da CCC cobrada na sua fatura. E se não fosse essa taxa, não seria possível levar energia elétrica para a Região Norte do País.

Esses contratos, no entanto, estão provocando verdadeiros rombos nas CCCs. Trata-se de uma verdadeira transferência da riqueza brasileira para os tais investidores estrangeiros. Depois, vou pedir para que meu discurso conste na íntegra.

Os contratos tinham elementos bastante estranhos. As usinas, conhecidas como Merchants, atuariam exclusivamente no mercado de curto prazo de energia elétrica. O que aconteceria? Nas condições em que foram projetadas, construídas, só poderiam obter rendimentos significativos em um ambiente peculiar de mercado que deveria combinar, por mais de cinco anos, escassez estrutural de oferta e demanda elevada de energia elétrica. É algo meio estranho. Teríamos que torcer para dar tudo errado para que o prejuízo não fosse tão grande. Nessa parceria privada, na construção e na operação dessas usinas, bem como na contração desses financiamentos, a Petrobras assumiu a responsabilidade pelo fornecimento de gás natural e também se responsabilizou pelo aporte extra de capital, a título de contribuição de contingência, para suportar os custos da usina na hipótese de, em determinado mês, não serem geradas receitas suficientes. Ou seja, foi gerado um contrato em que os parceiros privados sempre teriam lucros. A Petrobras obrigava-se a garanti-los permanentemente.

Contratos desse tipo foram feitos à época do apagão. Sabíamos qual era a situação, o risco, todo o problema que tivemos entre 2001 e 2002. Os contratos eram altamente perniciosos, tinham e geravam problemas, e ainda geram, pois as renegociações não são perfeitas, não são as que gostaríamos de ter feito. O ideal seria que uma boa parte desses contratos não tivesse sido realizada, porque trazem prejuízo já que pagamos por energia que não é gerada e garantimos lucro para determinados empreendedores que pouco investiram.

Sr. Presidente, solicito que meu discurso seja publicado na íntegra, tendo em vista que não tive oportunidade de fazê-lo, já que registrei outras questões que não estavam previstas.

Muito obrigada.

 

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SEGUE, NA ÍNTEGRA, DISCURSO DA SRª SENADORA IDELI SALVATTI

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A SRª IDELI SALVATTI (Bloco/PT - SC. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores: minha assessoria agora tem dado títulos aos temas que aqui trago para debater. Penso que o pronunciamento de hoje pode ser denominado gás, energia e competência.

Como o tema das últimas semanas é a competência, ou mais especificamente a incompetência, decidi aproveitar a oportunidade para dar conhecimento sobre um pouco de nossa gestão na área de gás e energia da Petrobras.

Recentemente a imprensa publicou avaliações técnicas que apontavam um possível prejuízo da Petrobras, que poderia ultrapassar R$6 bilhões até 2006, nos negócios de geração termelétrica à gás.

Preocupada, mandei meus assessores analisarem e me foi informado que a Análise Financeira do Relatório de Atividades de 2003 da Petrobras, publicada em março/2004, apontava provisão para perdas da ordem de R$2,1 bilhões para cobrir restos de 2003 e para o ano de 2004. Uma seqüência crescente de perdas nos negócios de energia elétrica que vinha desde 2001.

Perdas dessa ordem são, sem a menor sombra de dúvida, um gritante atestado de incompetência, ou não? Cenário tão intrigante que nos obrigou a procurar explicações.

Sr. Presidente, quero registrar que fiquei escandalizada com o que me foi apresentado, e acredito que o Brasil inteiro também ficará muito revoltado quando tomar conhecimento de certos tipos de contrato, verdadeiras negociatas, que ocorreram no âmbito da Petrobras. Hoje vou comentar três desses contratos, todos na área de usinas termelétricas.

Estou aqui, explicitamente, falando de “herança maldita”.

Quando observo o quanto algumas pessoas se mostram irritadas quando ouvem falar em “herança maldita”, fico pensando se muito dessa irritação não seria uma espécie de cortina de fumaça na tentativa de criar uma confusão deliberada no imaginário de nossa sociedade e desviar o foco do assunto?

Deixando de lado as falsas celeumas, poderíamos aproveitar a oportunidade do debate sobre competência para analisar algumas decisões e contratos adotados no governo passado e que foram herdados pelo atual Governo. Por exemplo: a participação da Petrobras nas usinas termelétricas a gás natural: Macaé Merchant; Eletrobolt; e TermoCeará.

Senhores Senadores, é muito interessante observar que se tratam de usinas, conhecidas como Merchant, que atuariam exclusivamente no mercado de curto prazo de energia elétrica. Não tenho a intenção de generalizar minhas análises em relação a todas as Merchant, quero destacar que, nas condições em que foram projetadas e construídas, essas três usinas só poderiam obter rendimentos significativos em um ambiente peculiar de mercado que deveria combinar, por mais de cinco anos, escassez estrutural de oferta e demanda elevada de energia elétrica.

A Petrobras, no governo passado, formou parcerias na forma de consórcios ou contratos de participação com outras empresas para a construção daquelas usinas termelétricas à gás.

Em linhas gerais, caberia às parceiras privadas a construção e operação das usinas e a contratação dos financiamentos, enquanto a Petrobras assumiria a responsabilidade pelo fornecimento de gás natural e também se responsabilizaria pelo aporte extra de capital, a título de Contribuição de Contingência, para suportar os custos da usina, na hipótese de em determinado mês não ser gerada receita suficiente. Ou seja, assinaram um contrato em que os parceiros privados sempre teriam lucros - mesmo que fossem incompetentes - e a Petrobras se obrigava a garantir este lucro. Trata-se da forma mais explícita e sofisticada de nosso conhecido Capitalismo Sem Riscos”.

Temos uma questão bastante técnica, muito intrínseca e muito particular dos negócios de energia elétrica, que precisamos explicar com cuidado. De forma simplificada, ocorre o seguinte: geralmente os contratos de energia elétrica são sempre de longo prazo, acima dos dez anos. Assim, em situação de normalidade, quando a relação entre a capacidade de geração, ou oferta, e aquilo que é consumido, a demanda, está bem equacionada, os grandes consumidores de energia elétrica estão sempre com abastecimento garantido por longo prazo.

O chamado mercado spot, ou mercado de curto prazo, funciona principalmente para cobrir situações não previstas nos contratos existentes, por exemplo, quando uma grande indústria quer expandir seus negócios e precisa de mais energia que aquela contratada inicialmente. Como os prazos para ampliação da oferta de energia, ou seja, para a construção de novas usinas, são sempre longos, uma alternativa rápida é contratar energia em mercados de curto prazo, a preços quase sempre mais elevados.

Por outro lado, uma situação de crise de abastecimento generalizada, como a que vivemos em 2001, forma o ambiente ideal para o desenvolvimento desse tipo de negócio, visto que os grandes compradores de energia elétrica encontram-se em situação desesperadora com o risco de desabastecimento. Como leiga, eu diria que essas usinas merchants, são uma espécie de ave de mau agouro, que engordam com a desgraça alheia.

Pela lógica desses mercados das usinas em questão, podemos facilmente perceber que os contratos assinados pela Petrobras eram contratos contra o Brasil. Pois, para obter lucros nos negócios, a empresa teria que torcer contra o povo brasileiro, teria que torcer para que o Brasil vivesse longos períodos, acima dos cinco anos, em crise estrutural de abastecimento de energia elétrica, como se tivéssemos um apagão permanente no País. Caso contrário, a Petrobras não conseguiria ter nenhum ganho e, em função daquela cláusula de contingência, ainda teria que garantir os lucros dos parceiros.

Alguns poderiam argumentar que deveríamos nos reportar ao ambiente do setor elétrico há época da negociação e assinatura dos contratos, entre os anos de 1999 e 2002. De fato, este foi um período trágico na vida brasileira. Trágico graças ao que poderíamos educadamente chamar de “uma certa imprevidência” (ou seria incompetência?) na condução do setor elétrico.

Naquele período, acreditando que o “mercado competitivo” iria se encarregar de fazer os investimentos e a necessária expansão do sistema, o Governo desmontou o planejamento determinativo, que trabalhava com horizontes de 5, 10, 15 e 20 anos, coordenado pela Eletrobrás. Além disso, fez-se surdo aos alertas feitos por especialistas, tanto do Cepel, o Centro de Pesquisas da Eletrobrás, quanto da Coppe, a Coordenação da Pós-Graduação de Engenharia da UFRJ e do IEE - Instituto de Eletrotécnica e Energia, da Pós-graduação da USP. Em função desse desmonte e dessa ocasional surdez, aquele Governo foi incapaz de perceber que conduzia o País rumo a um desastre elétrico.

Assim, diante da barbeiragem elétrica que cometeram, o quadro apontava um mercado de oportunidades em função da crise. Vistos dessa forma, seria possível explicar dois dos três contratos a que me refiro neste pronunciamento. Entretanto, não há o que justifique a assinatura do contrato entre a Petrobras e a MPX, referente à usina TermoCeará, em março de 2002, quando o racionamento já havia sido suspenso desde 18 de fevereiro e o ONS, o Operador Nacional do Sistema Elétrico, apresentava gráficos onde a previsão de riscos de abastecimento era acentuadamente decrescente ao longo dos anos seguintes.

Como vimos acima, as usinas merchant citadas, na forma em que os contratos foram elaborados, só poderiam ter rentabilidade em situação de déficit de oferta de energia elétrica. Quando o contrato da TermoCeará foi assinado, o cenário do mercado elétrico já permitia avaliar que aquele era um negócio de elevado risco, com quase certeza de resultados negativos - ainda assim, a Petrobras assumiu um compromisso em que garantia os investimentos na usina e o lucro do parceiro privado.

Senador, parece inacreditável mas, além de tudo, ao fim dos contratos, a propriedade das usinas passaria integralmente para os parceiros privados.

Se o contrato fosse cumprido integralmente, o desembolso total destinado a cobrir o que foi denominado “Alocação de Capacidade”, que nada mais é do que a cobertura dos investimentos feitos pelos sócios privados, superaria o valor total do investimento nas usinas, ou seja, em cinco anos a Petrobras pagaria mais do que o valor das usinas mas não seria dona de nenhuma delas. Não é uma maravilha, pergunto aos Srs. Senadores?

Que tal, Senador Mão Santa, eu lhe proponho a seguinte sociedade: eu compro um carro a prazo, todos os meses a senhora me dá o dinheiro integral para pagar as prestações e, quando acabarmos de pagar, o carro é todo meu. O que o senhor pensaria de uma proposta dessas?

Em Rondônia, por exemplo, existe uma usina termelétrica com um desses contratos “estranhos”. No governo passado, assinaram um contrato em que a Eletronorte se obriga a comprar muito mais energia do que o Estado consome. Vejam bem todos: trata-se de um tipo de projeto onde se ganha muito dinheiro sem produzir.

Para se ter uma idéia do “estrago” financeiro provocado, isso custa aproximadamente um milhão de reais por dia. Senhoras e Senhores Senadores, pasmem! Falo de um milhão de reais/dia desviados para os bolsos de uma empresa norte-americana, a El Paso. São quase R$ 400 milhões por ano que são pagos pelos consumidores de todo o Brasil, porque é a CCC, a Conta de Consumo de Combustíveis, que paga a conta. A CCC é uma taxa que é cobrada da fatura de todos os consumidores brasileiros. Se não fosse essa taxa, não seria possível levar energia elétrica para a região Norte do País. Entretanto, na forma desses contratos, estão provocando verdadeiros rombos na CCC. É uma clara transferência da riqueza brasileira para os tais “investidores” estrangeiros. Nesse caso, um verdadeiro assalto.

Vejam senhores, que estes contratos, ratifico, esta “herança maldita”, foram assinados por estas mesmas pessoas que hoje têm a desfaçatez de falar em competência, melhor dizendo, falam em incompetência, pois é disso que eles entendem.

Como eu nunca fujo de um bom debate, gostei da provocação, vamos, então, mostrar a nossa competência. Como se sabe, não basta apontar o dedo e criticar os erros dos outros, é preciso mostrar o que estamos fazendo para corrigir esses erros e para colocar as coisas no caminho correto.

Senhores espectadores da TV Senado e ouvintes da Rádio Senado. O atual Diretor de Gás e Energia da Petrobras, Professor Ildo Sauer, escolhido para esta função pelo Presidente Lula, ao assumir e tomar conhecimento desses contratos quase criminosos, decidiu enfrentá-los para salvar a empresa da fatalidade dos prejuízos.

Analisou o melhor caminho a adotar:

a primeira alternativa seria o rompimento unilateral do contrato;

a segunda alternativa seria o questionamento dos contratos na Justiça; e

a terceira alternativa seria a renegociação.

O rompimento unilateral seria uma bravata irresponsável com sérias conseqüências para a Petrobras e o Brasil. Portanto, seria impensável seguir este caminho.

Por outro lado, o questionamento na Justiça poderia se arrastar por décadas com resultados imprevisíveis.

Decidiu-se, então, pelo caminho da negociação.

Vejam senhores, para desespero de quem está sempre torcendo contra, a atual gestão, até este momento, com muita habilidade e seriedade, já conseguiu renegociar a maioria daqueles desastrosos contratos e conseguiu estancar a sangria. Ao invés daquela previsão de prejuízo de mais de R$6 bilhões até 2006, hoje já se trabalha com projeção de resultados positivos, algo em torno de 8% dos valores investidos pela Petrobras.

Assim, além de administrar as graves turbulências por que têm passado o mundo do petróleo, resguardando os interesses do povo brasileiro, sem descuidar dos interesses da empresa e de seus acionistas, a atual gestão daquela empresa ainda tem que desfazer as armadilhas do governo passado. Isso sim, eu chamo de extrema competência.

Por falar em desmontar armadilhas do passado, outra iniciativa fundamental para dar tranqüilidade ao mercado energético brasileiro e construir as garantias para evitar futuras crises, foi a elaboração, em debate com toda a sociedade, de um novo modelo para o setor elétrico brasileiro, aprovado por este Congresso Nacional, onde consta a criação da Empresa de Planejamento Energético - EPE e de mecanismos de desenvolvimento energético. Este modelo tem amanhã, em São Paulo, um dia de consolidação com a realização de um dos maiores leilões de energia elétrica do mundo, para o qual já estão credenciadas 53 empresas - serão leiloados aproximadamente 55.000 Mw de capacidade instalada. Em abril passado tivemos o leilão de energias renováveis, cujo sucesso superou até as previsões mais otimistas. Outro leilão, desta vez da chamada “energia nova”, ou seja, da energia proveniente de novas usinas, deverá ocorrer em abril do próximo ano, desta forma o Brasil estará superando de forma muito concreta o fantasma do racionamento e devolvendo definitivamente a tranqüilidade para um setor vital para que este novo momento do desenvolvimento brasileiro seja sustentável e de vida longa.

Acredito que também seria muito interessante analisar e esclarecer quem vinham sendo, de fato, os principais beneficiários dos tais contratos assinados pela gestão anterior e quem serão os beneficiários dos contratos renegociados pela atual gestão.

Acredito que não existe melhor árbitro para este debate que o povo brasileiro que é quem sente no bolso e na qualidade de vida os efeitos da competência dos administradores de hoje, ou os de ontem, os verdadeiros responsáveis pela assinatura daqueles contratos.

Com a palavra, o povo brasileiro.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/12/2004 - Página 40456