Discurso durante a 178ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Crise da infra-estrutura do país, conforme análise de dados do setor publicados no "Anuário Exame 2004/2005", da Editora Abril. (como Líder)

Autor
Demóstenes Torres (PFL - Partido da Frente Liberal/GO)
Nome completo: Demóstenes Lazaro Xavier Torres
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO. POLITICA DE DESENVOLVIMENTO.:
  • Crise da infra-estrutura do país, conforme análise de dados do setor publicados no "Anuário Exame 2004/2005", da Editora Abril. (como Líder)
Publicação
Publicação no DSF de 10/12/2004 - Página 41888
Assunto
Outros > PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO. POLITICA DE DESENVOLVIMENTO.
Indexação
  • CRITICA, AUTORITARISMO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, UTILIZAÇÃO, PROJETO DE LEI, PARCERIA, SETOR PUBLICO, SETOR PRIVADO, CAMPANHA, REELEIÇÃO.
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, PERIODICO, EXAME, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), INFORMAÇÃO, PRECARIEDADE, SETOR, INFRAESTRUTURA, APRESENTAÇÃO, DADOS, ESPECIFICAÇÃO, RECURSOS ENERGETICOS, SANEAMENTO BASICO, SISTEMA DE TRANSPORTES, EXCEÇÃO, TELEFONIA, ELOGIO, PRIVATIZAÇÃO.

O SR. DEMÓSTENES TORRES (PFL - GO. Pela liderança. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores: “A autocracia autoritária pode operar sem que o povo perceba o seu caráter ditatorial”. (Raimundo Faoro)

O Governo do Excelentíssimo Senhor Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, possui obsessão pelo Brasil grande. Talvez por isso ora tem surtos estadonovistas ora tateia os bordões de 1964. Sem falar de quando se deixa envaidecer por aspirações amazônicas e passa a liderar a libertação da América Latina e d’África. Mesmo que não consiga tanto, o Ministro-Chefe da Casa Civil, José Dirceu, se dará por satisfeito se convencer o Brasil a aceitar as suas ambições no setor de infra-estrutura.

O Ministro só está esperando esta Casa aprovar o projeto de lei da Parceria Público Privada - PPP, para lançar as bases do neogigantismo brasileiro. Munido de profundas intenções patrióticas, o plano do Governo Lula é fazer do programa de infra-estrutura do Brasil uma ponte para mais quatro anos do PT no poder. A idéia é passar um mata-borrão nos dois primeiros anos que foram, positivamente, uma negação da atividade administrativa do Estado e pensar em obras.

O jeito petista de governar, que tem conversão fingida pelo social e professa política econômica que os próprios economistas do Partido chamam de “agiotagem”, vai usar a PPP para fazer as vezes de empreendedor e ver o que Duda Mendonça pode fazer na tevê para convencer que é preciso um segundo mandato para o Presidente Lula conclua o conjunto dadivoso de edificações.

Acredito que o instrumento legal da PPP pode ser sadio no momento em que o Brasil está à beira de um colapso de infra-estrutura e apresenta o menor índice de investimentos desde o Milagre Econômico da década de 1970. Tenho por outro lado razões sobejas para não confiar na capacidade gerencial deste Governo para envergar iniciativa desta monta. Ainda que haja o concurso formidável do Fundo Monetário Internacional, que em sua máxima benevolência, prometeu, segundo o Ministério do Planejamento, desonerar do cálculo do superávit primário as inversões em infra-estrutura.

A editora Abril lançou há um mês o Anuário Exame 2004-2005, cujo primeiro exemplar foi doado ao Presidente Lula, onde são reunidas as mais completas informações sobre a infra-estrutura no Brasil. Ao todo, o documento apresenta mais de 1.500 dados com a abrangência dos setores de energia; petróleo e gás; saneamento básico, telefonia e transporte. Além de fazer uma radiografia e avaliar as condições de cada setor, o Anuário Exame lista as principais obras necessárias para sustentar o desenvolvimento do País.

O trabalho relaciona os impactos dos investimentos em infra-estrutura e trata dos gargalos que impedem o crescimento, como a falta de estabilidade jurídica e a excessiva carga tributária. Neste raio-X do Brasil, elaborado a partir das mais importantes fontes de instituições públicas e privadas, nacionais e internacionais, com a colaboração dos maiores especialistas, vê-se que superar o desafio da infra-estrutura é responsabilidade demais para um governo cuja maior característica é o “paradão”.

Srªs e Srs. Senadores, o Anuário Exame, em primeiro lugar, faz uma avaliação geral da infra-estrutura. O resultado mostra um País de bases comprometidas. Dos 16 segmentos pesquisados, nenhum vai bem, nove estão mal, como geração de energia, portos e rodovias, e sete requerem cuidados, ou seja, estão em condições razoáveis como a telefonia, os aeroportos e a transmissão de energia. Para avaliar a infra-estrutura brasileira, o Anuário Exame valeu-se de cinco critérios: características do marco regulatório; questões legais; questões tributárias, questões institucionais e investimentos.

O primeiro segmento pesquisado foi o de geração de energia. Conforme os dados apresentados, o Brasil ocupa a décima posição entre os principais produtores de energia no mundo, 97% das residências dispõem do serviço, sendo que 84% da matriz energética estão centrados no modelo hidrelétrico. O País começou a adquirir autonomia energética na década de 1950, teve o auge dos investimentos 30 anos depois, quando foram aplicados mais de US$12 bilhões. Há três anos, no entanto, por conta da falta de um marco regulatório, o setor está praticamente parado.

Se for verdade que o País não tem a curtíssimo prazo, risco de racionamento, o “apagão” ronda por aí, uma vez que o sistema trabalha praticamente no limite. Tanto é uma temeridade que a Ministra Dilma Rousseff declarou que o País podia ficar tranqüilo que não há risco de abastecimento até 2010.

Observem que esse tímido crescimento da economia já é desafiador para a capacidade de produção de energia. Para se entender a equação, de acordo com Exame, em 2003, foram realizados investimentos de R$3,5 bilhões pelo setor público e R$1,5 bilhão pela iniciativa privada. Estima-se ser necessário um aporte de R$15 bilhões anuais para garantir a oferta adequada de energia.

Na verdade, a privatização do setor ficou pela metade e, agora, novas regras estão sendo testadas, quando se poderá avaliar melhor o interesse do capital privado.

Outros grandes entraves ao desenvolvimento energético são a excessiva carga tributária e as questões institucionais ligadas ao ambiente. Conforme informações do próprio Ministério das Minas e Energia, 45 hidrelétricas contratadas estão com as obras paralisadas por falta de licenciamento ambiental.

Se fôssemos escolher o setor que mais espelha a crise de infra-estrutura do Brasil, certamente o saneamento seria o escolhido. O Anuário Exame indica números que situam o Brasil em condições muito abaixo do que é mediano para o Terceiro Mundo, a exemplo da Região Norte, que possui uma cobertura de água tratada de 66% e 4,5% de esgoto, contra uma média nacional de 80% e 48% respectivamente. Falta água de qualidade para 35 milhões de brasileiros. Este é um investimento público por natureza, mas o Governo Federal vem convertendo R$1,7 bilhão anual em redes de água e esgoto, quando seria preciso seis vezes mais, durante 20 anos, para zerar o passivo. Na avaliação geral, o setor vai mal em todos os quesitos. “Falta um marco regulatório desde 1986, quando foi extinto o Plano Nacional de Saneamento Básico”. Há conflitos de interesses entre Estados e Municípios sobre a competência de concessão do serviço. A carga fiscal das empresas é elevada e gira em torno dos 20%.

A gerência de resíduos sólidos é outra divisão do saneamento básico que joga as estatísticas brasileiras de infra-estrutura no lixo. Mais de 20% dos rejeitos coletados no País são depositados a céu aberto e apenas 37,2% são acondicionados corretamente em aterros controlados. “Fortaleza, Belo Horizonte e Rio de Janeiro já estão com a capacidade dos seus aterros praticamente esgotada”. O segmento também possui má avaliação em todos os parâmetros, sendo que uma das principais críticas que se faz diz respeito à inércia legislativa do Projeto de Lei Nacional de Resíduos Sólidos.

Sr. Presidente, conforme afirma o texto do Anuário Exame, ao lado do saneamento básico, o setor de transportes está praticamente abandonado e a pé quanto às iniciativas governamentais. Para que se tenha noção do derrocamento, trabalho do Centro de Estudos de Logística da Universidade do Rio de Janeiro confirma que os investimentos recuaram, no período de 1975 a 2002, quase 2% do PIB para 0,2% do Produto Interno Bruto.

Quando afirmo a minha desconfiança da capacidade motora do Governo Lula de tocar as PPPs, baseio-me no comportamento do Ministério dos Transportes, no gerenciamento dos investimentos, na conservação e ampliação da malha. Hoje são investidos em média R$1,4 bilhão; R$8 bilhões a menos do que demanda o setor. Segundo levantamento realizado pela CNT - Confederação Nacional dos Transportes, “75% das rodovias estão em condições precárias”. O documento menciona que além de estar em frangalhos, o sistema rodoviário tem extensão muito limitada. “O Brasil tem dezessete quilômetros de estradas para cada mil quilômetros quadrados de área, um décimo da concentração existente nos Estados Unidos”. Do 1,7 milhão de quilômetros de estradas do País, apenas 160 mil são pavimentadas. Na avaliação geral do setor, Exame resume que não há o que se fazer além de o Governo Federal investir na recuperação e na expansão da malha rodoviária. Ainda não houve providência minimamente satisfatória neste sentido.

Dentro dos transportes, a situação é também bastante grave no complexo portuário do Brasil, que trabalha no limite e foi bastante mal avaliado nas questões institucionais, com a apresentação de problemas como alta carga de impostos, custo operacional até cinco vezes maior do que a média mundial e excesso burocrático. “A operação portuária responde a 11 órgãos ministeriais que não trabalham em conjunto”, informa o documento. Nos portos privatizados, há equipamentos modernos e elevado emprego de tecnologia, mas falta mão-de-obra qualificada. Como não podia deixar de ser, os investimentos aplicados são insuficientes, e o setor caminha para a exaustão. De acordo com Exame, em 2003 a iniciativa privada investiu R$250 milhões; e o Governo Federal, outros R$50 milhões, enquanto é demandado R$1,6 bilhão “para dotar os portos brasileiros de condições mínimas de operação”.

O setor ferroviário está em expansão no Brasil e oferece grande potencial para o Projeto das PPPs. Há interesse da iniciativa privada em investir, tanto que as empresas concessionárias aplicaram volumes expressivos “na recuperação da malha e na aquisição de vagões e locomotivas”. De acordo com o Anuário Exame, enquanto o setor privado investiu R$1 bilhão no ano passado, devendo dobrar o aporte em 2004, o Governo Federal entrou com modestos R$50 milhões.

Para se entender a indisposição do Governo Lula para gerenciar a manutenção do País, o documento da Editora Abril destaca que, em todos os segmentos analisados, os recursos da Cide “não estão sendo aplicados pelo Governo em infra-estrutura de transporte, sua destinação original”. A Ferrovia Norte-Sul é um exemplo. Para terminar a obra são necessários US$1,6 bilhão. Em julho, a Valec anunciou para este ano um investimento de R$20 milhões no trecho goiano em construção; 40,7 quilômetros entre Anápolis e Ouro Verde; e outros R$30 milhões no trecho tocantinense. Conforme dados do Siafi, dos R$30.050.000,00 autorizados para a ferrovia Norte-Sul, foram executados R$17.539.794, ou seja, 58,36%.

Srªs e Srs. Senadores, o Anuário Exame destaca a telefonia como uma exceção. Com o indicador de investimentos considerado adequado, foram R$5,5 bilhões no ano passado. O setor tem sérios problemas de desenvolvimento provocados pela intervenção do Estado. O primeiro é de natureza fiscal. Enquanto nos Estados Unidos e na Europa a carga tributária do segmento varia de 7% a 21%, Exame observa que só o ICMS incidente sobre o serviço em algumas unidades da Federação pode chegar a 60% da conta.

O documento da Editora Abril ressalta as qualidades do processo de privatização da telefonia no Brasil e apresenta números positivos. Como é de recente lembrança, até a década de 1980, sob o monopólio estatal, uma linha telefônica demandava anos para ser instalada e custava até US$5 mil. Hoje, segundo a publicação de Exame, o Brasil possui uma relação de 25 telefones fixos para cada 100 habitantes, estando em situação “melhor que a Rússia e a Índia, seus competidores diretos por investimentos estrangeiros”. O anuário assevera que o pendão do Governo Lula de alteração da autonomia das agências reguladoras é um problema institucional sério, assim como pegou muito mal, no ano passado, a discussão travada pelo próprio Ministério das Comunicações de quebra das regras contratuais referentes ao índice de reajuste das tarifas de telefonia.

O documento da Editora Abril traz dados do estudo “Impactos Produzidos da Infra-estrutura no Brasil: 1950-1995”, realizado pelo Professor Pedro Cavalcanti Ferreira e pelo economista Thomas Georges Miliagros, que atestam a vantagem de se investir no setor. “O aumento de 1% na capacidade de geração de energia elétrica significa uma expansão de 0,68% do PIB, enquanto o mesmo 1% de acréscimo ao estoque de telecomunicações e transportes resulta em ampliações de 0,57% e 0,42% no produto, respectivamente”. O Anuário informa que “um terço da diferença de desempenho econômico entre a América Latina e os Tigres Asiáticos se deve ao grau de investimento em infra-estrutura. Enquanto o Brasil, na última década, converteu, em média, 0,5 ponto percentual do PIB ao ano em infra-estrutura, os países asiáticos chegaram ao investimento médio de 7%, ou seja, 14 vezes mais”. O trabalho traz a boa lembrança de que o Brasil já esteve no caminho certo, quando, na década de 80, o País “estava no mesmo patamar da Coréia do Sul em termos de PIB per capita. Hoje, os coreanos têm renda três vezes maior”.

Sr. Presidente, fala-se muito dos anos 80 como a década perdida, mas é preciso ir longe para se encontrarem os descaminhos. No ano passado, os investimentos do Governo Federal em relação ao PIB foram “um sexto do observação em 1988”. O trabalho da Editora Abril contou com a colaboração dos maiores especialista brasileiros em Economia e Direito, que consideraram algumas condições para que o País consiga superar o déficit de infra-estrutura e sustentar o seu desenvolvimento com taxas de crescimento diferenciadas. A primeira condição é constituir um marco regulatório que traga certeza jurídica aos contratos. De acordo com o Anuário, “vários estudos comprovam a ligação entra a instabilidade jurídica e o baixo desempenho econômico dos países. No nosso País, a Justiça é fator de risco. Entra no chamado custo Brasil”. A segunda condição é fazer a Reforma Tributária que não houve. O País possui uma carga tributária elevada e tributos de péssima qualidade. As últimas condições mais importantes, para resumir, são a adoção dos princípios rígidos do conceito de responsabilidade fiscal e a remoção do entulho burocrático.

Sr. Presidente, para finalizar, gostaria de me valer das palavras do Presidente Lula para fazer uma breve demonstração de que, para o PT, governar é um delírio comovente de enganosas façanhas. Na última segunda-feira, durante o lançamento do Programa Nacional de Biodiesel, o Presidente teve um honroso momento de Policarpo Quaresma. Em um ímpeto de presunção patriótica semelhante ao do personagem de Lima Barreto, sonhou o Semi-árido produzindo biodiesel suficiente para abastecer o mercado interno e a Petrobras ocupando a vanguarda da exportação de petróleo na Bolsa de Nova Iorque. Com palavras assim, há dois anos, a pimponice vem sendo mais um agregado do Custo Brasil.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/12/2004 - Página 41888