Discurso durante a Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comemoração do sexagégimo aniversário do fim do holocausto.

Autor
Arthur Virgílio (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AM)
Nome completo: Arthur Virgílio do Carmo Ribeiro Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. DIREITOS HUMANOS.:
  • Comemoração do sexagégimo aniversário do fim do holocausto.
Publicação
Publicação no DSF de 25/02/2005 - Página 3186
Assunto
Outros > HOMENAGEM. DIREITOS HUMANOS.
Indexação
  • COMEMORAÇÃO, ANIVERSARIO, EXTINÇÃO, CAMPO, NAZISMO, GENOCIDIO, SEGUNDA GUERRA MUNDIAL, SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, ESTADO DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), DEBATE, VALORIZAÇÃO, LIBERDADE, DIREITOS HUMANOS, QUESTIONAMENTO, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, MUNDO.

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no final do mês de janeiro, o mundo comemorou o 60º aniversário do fim do holocausto, o tenebroso episódio marcado pelos horrores do campo de extermínio de Auschwitz, na Polônia, com a morte de l,5 milhão de pessoas durante a segunda grande guerra mundial.

A data foi lembrada, no dia 27 passado, por chefes de Estado e de governo de 44 países, para celebrar o fim do campo que simboliza a barbárie nazista. Incorporo-me, nesta oportunidade, a tantos quantos colocam as liberdades e a dignidade humana como fundamentais para o mundo.

A propósito, estou anexando a este pronunciamento a íntegra a matéria de primeira página do caderno Aliás, do jornal O Estado de S. Paulo, e desenvolvida em duas outras páginas, sob o título “A infâmia acabou. E ficou para sempre.” Assim, a reportagem passará a constar dos Anais do Senado da República, como testemunho de uma época que o mundo repudia.

Na matéria, é entrevistado o jornalista Raymond Frajmund, um dos sobreviventes de Auschwitz e hoje residente em Brasília. Nessa entrevista, Raymond presta importante depoimento sobre a barbárie dos nazistas, com base no que o jornal lembra: Há 60 anos, no dia 25 de janeiro de 1945, fazia um frio de 20 graus abaixo de zero e Raymond Frajmund, com 17 anos e prisioneiro em Auschwitz desde os 15, recebeu ordens dos alemães para pegar um cobertor e caminhar. Ao todo, eram 4 mil. No fim de uma marcha insana sobraram 700. Quando alguém tropeçava - diz Raymond - era morto. No dia 27 de janeiro de 1945, os russos libertaram o campo. Frajmundo veio para o Brasil.

Em Brasília, trabalhando como repórter-fotográfico para o Estadão, Raymond Frajmund iniciou vida nova, refez-se das agruras do tempo em que, com familiares e numerosos compatriotas, sofreu na pela as conseqüências de um regime opressor, agora um registro histórico.

Na trajetória de Raymond Frajmund, como jornalista, foi o único a fotografar o trágico episódio que teve como palco este Plenário e de que resultou a morte do então Senador José Kairala, que aqui representava o Acre e no final de mandato que cumpria como suplente. Ele foi atingido por um disparo de revólver, desfechado pelo também então Senador Arnon de Mello (AL), que atirara contra seu desafeto, o Senador Sylvestre Péricles, também de Alagoas. Arnon estava convencido de que Sylvestre estava disposto a matá-lo e por isso fora armado à sessão do Senado para proferir seu primeiro discurso, um ano após sua eleição, quando, pela primeira vez, compareceu ao Plenário. Foram dois disparos contra Péricles, um foi parar no teto e o outro atingiu mortalmente José Kairala. A cena foi fotografada por Raymond e sua coragem lhe valeu o Prêmio Esso de Fotografia Jornalística, além do Prêmio Mergenthaler, da Sociedade Interamericana de Imprensa.

O episódio de Auschwitz mereceu editorial de O Estado de S. Paulo, em que o jornal indaga: Mas quem saberá dizer por que o povo que deu ao mundo Kant, Goethe e Beethoven deu também o mal absoluto de Auschwitz; por que os Estados Unidos e a Grã-Bretanha não atenderam aos apelos desesperados da Agência Judaica para bombardear o campo; e por que, apesar da retórica do "nunca mais", foram possíveis os pogroms na Bósnia e em Ruanda nos anos 1990, e o ressurgimento do racismo na Europa?

E completa o editorial: Acima de tudo, fica a pergunta amargurada do escritor Elie Weisel, Prêmio Nobel da Paz e ele próprio um sobrevivente dos campos, dias atrás na ONU: "Será que o mundo alguma vez aprenderá?"

 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR ARTHUR VIRGÍLIO EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inserido nos termos do art. 210, § 1º e 2º, do Regimento Interno.)

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Matéria referida:

            É proibido esquecer

Sessenta anos atrás, nesta data, depois de cinco horas de combate, três divisões soviéticas tomaram o lugarejo de Oswiecim, a pouca distância da célebre cidade histórica de Cracóvia, na Polônia. "Nem sabíamos que havia um campo de concentração ali", conta o ucraniano Yakov Vinnichenko, um dos cinco remanescentes da tropa, aos 79 anos. Havia, como logo se viria a saber, muito mais do que aquilo. Auschwitz-Birkenau, como os alemães rebatizaram o lugar, tinha sido o maior e mais eficiente centro de matança sistemática que o ser humano foi capaz de conceber.

Os soldados encontraram ali cerca de 8 mil cadavéricos sobreviventes de uma operação industrial de extermínio cuja escala e meticulosidade jamais cessarão de desafiar a imaginação. De setembro de 1941, quando os nazistas testaram em Auschwitz o gás Zyklon B em 600 prisioneiros de guerra soviéticos e 250 poloneses, aos meses finais de 1944, entre 1,1 milhão e 1,5 milhão de pessoas pereceram envenenadas, ou por inanição e doença, nas câmaras e barracas dessa grande instalação, em cuja entrada se lia Arbeit macht frei - o trabalho liberta.

Quase todos os mortos eram judeus trazidos dos quatro cantos da Europa ocupada, mas entre eles havia também ciganos - 500 mil deles foram eliminados em todo o Leste -, civis poloneses, russos e de outras nacionalidades, militantes políticos e homossexuais. Os inaptos para o trabalho eram tangidos para as câmaras de gás tão logo desciam dos abarrotados vagões de gado em que tinham sido transportados. Outros serviriam de cobaias para os experimentos pseudocientíficos dos doutores Josef Mengele, o "anjo da morte", e o menos famoso Eduard Wirths.

Um dos primeiros relatos minuciosos do monstruoso processo data de outubro de 1945. O médico Charles Bendel, um dos poucos entre os 76 mil judeus deportados da França que conseguiu sobreviver a Auschwitz, descreveu passo a passo, perante um tribunal militar britânico na Alemanha, a rotina do horror - a chegada dos trens, a seleção dos prisioneiros, a entrada, tangidos a golpes, dos condenados nas câmaras (cujas portas só a muito custo fechavam, por causa da superlotação), a remoção para os cinco crematórios anexos das pilhas de mais de 1 metro de mortos entrelaçados, a escavação de trincheiras onde seriam incinerados em piras de lenha os corpos que já não cabiam nos fornos.

Foi possível conhecer nos mais medonhos pormenores o que se passava no "inferno à solta" de Auschwitz, como resumiu Bendel, não apenas por testemunhos de viva voz, mas sobretudo pelas abundantes evidências materiais disponíveis. Em Treblinka, Belzec, Sobibor, Chelmo e outras filiais do Holocausto, os nazistas conseguiram destruir quase todas as instalações (além de pessoas) no crepúsculo de sua hedionda empreitada. O campo de Auschwitz ficou intacto. "Os alemães não esperavam que fôssemos tão rápidos", acredita o soldado Vinnichenko. "Eles não tiveram tempo de explodir tudo ou de encher o lugar de minas."

Tampouco conseguiram destruir a vasta documentação em que eles próprios registravam a maioria dos seus atos, com obsessão burocrática, precisão germânica - e incontido sadismo. Por exemplo, um Serviço de Identificação, o Erkennungsdienst, fotografava regularmente o cotidiano do campo, incluindo as experiências de Mengele. Alguns dos fotógrafos, prisioneiros poloneses que falavam alemão, também captavam imagens às escondidas, fazendo-as chegar à resistência em Cracóvia. Nada menos de 40 mil fotos fazem parte do acervo de Auschwitz e de outros museus do Holocausto, e ainda do centro Yad Vashem, em Jerusalém.

Líderes e representantes de governos de muitas partes do mundo chegam hoje a Oswiecim para lembrar as vítimas desse genocídio sem paralelo que se desloca inexoravelmente da memória viva para a história. É decerto "um dever moral", como disse o chanceler alemão Gerhard Schroder, não esquecer a era nazista e os seus crimes. Mas quem saberß dizer por que o povo que deu ao mundo Kant, Goethe e Beethoven deu também o mal absoluto de Auschwitz; por que os Estados Unidos e a Grã-Bretanha não atenderam aos apelos desesperados da Agência Judaica para bombardear o campo; e por que, apesar da retórica do "nunca mais", foram possíveis os pogroms na Bósnia e em Ruanda nos anos 1990, e o ressurgimento do racismo na Europa.

Acima de tudo, fica a pergunta amargurada do escritor Elie Weisel, Prêmio Nobel da Paz e ele próprio um sobrevivente dos campos, dias atrás na ONU: "Será que o mundo alguma vez aprenderá?"


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/02/2005 - Página 3186