Discurso durante a Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Repúdio às declarações do Ministro Chefe da Casa Civil da Presidência da República, José Dirceu, sobre denúncia de corrupção no governo FHC.

Autor
Arthur Virgílio (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AM)
Nome completo: Arthur Virgílio do Carmo Ribeiro Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • Repúdio às declarações do Ministro Chefe da Casa Civil da Presidência da República, José Dirceu, sobre denúncia de corrupção no governo FHC.
Publicação
Publicação no DSF de 26/02/2005 - Página 3254
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • COMENTARIO, FALTA, ETICA, DECLARAÇÃO, MINISTRO DE ESTADO, CHEFE, CASA CIVIL, REFERENCIA, AMEAÇA, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DA SOCIAL DEMOCRACIA BRASILEIRA (PSDB), ABERTURA, PROCESSO JUDICIAL, CRIME DE RESPONSABILIDADE, PRESIDENTE DA REPUBLICA, AUSENCIA, PROVIDENCIA, CONHECIMENTO, CORRUPÇÃO, PRIVATIZAÇÃO, GOVERNO, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA.

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM. Como Líder. Com revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, desta vez, o Presidente da República ultrapassou todos os limites aceitáveis pela ética, pelo comportamento, pela sobriedade, pela seriedade pública. Sua Excelência, pura e simplesmente, no afã de fazer campanha, no hábito lamentável de não governar, de não se sentar à cadeira presidencial para estudar os problemas do País com a seriedade que se exige de um Chefe de Nação -- pensando na leviandade com que se portou -- pretendia atingir o Presidente da República na gestão anterior, Sr. Fernando Henrique Cardoso. Sua Excelência terminou revelando-se réu confesso de crime de prevaricação.

Se não me engano, o artigo do Código Penal que trata de crime de prevaricação é o 316 ou o 317, Senador Mão Santa. Lá, está estabelecida a pena de detenção, tudo aquilo que vem cominado pela legislação penal brasileira.

Desta vez, não é possível deixar passar. Requeri um voto de censura a ser -- imagino eu -- endossado pela unanimidade deste Senado Federal, por entender que o Presidente precisa realmente receber um basta, uma trava, ser posto em limites, porque não há, na democracia brasileira, nenhum brasileiro livre de limites, e Sua Excelência se imagina livre de limites. O Presidente, então, recebe um alto funcionário sem dizer seu nome -- e foi desmentido pelo Sr. Carlos Lessa à noite; se era a carapuça para o Sr. Carlos Lessa, este disse que com ele não foi. O Presidente não diz que alto funcionário é esse, não diz que autarquia é essa, não diz que entidade é essa. Afirmou apenas que havia corrupção no Governo passado e que dissera ao denunciante: “Feche a boca, não denuncie, porque não quero que isso corroa a imagem do Brasil”. Como se a imagem do Brasil pudesse ser corroída por apuração de corrupção, com a conseqüente punição dos culpados e fosse, por outro lado, preservada a imagem pelo acobertamento de malfeitos! Amanhã, Sr. Presidente, suponho que esse alto funcionário chegasse ao Presidente da República e dissesse assim: “Presidente, eu, alto funcionário, pratiquei corrupção. Agora vou pedir-lhe, em troca daquele favor que lhe fiz, que Vossa Excelência feche a boca e não se pronuncie sobre a corrupção que eu, alto funcionário, pratiquei”. Ou seja, o Presidente ainda propôs - e pelo visto foi atendido - que esse alto funcionário se tornasse seu cúmplice, pois não devolveu o cargo, não devolveu as mordomias e não foi à imprensa denunciar que, tendo levado ao conhecimento do Presidente um caso de corrupção, Sua Excelência lhe teria recomendado como medida, ao seu alcance ético, que ele tapasse a boca e não prosseguisse com um assunto que se estava tornando incômodo.

A meu ver, se isso ocorresse em outro país, como os Estados Unidos da América, levaria ao impeachement do Presidente da República. Aqui no Brasil, não sei a que levará, mas entendo que a Câmara, exercendo o seu direito e o seu dever constitucional, inicie um processo contra o Presidente da República por crime de responsabilidade; e o Senado, a meu ver, deve aprovar por unanimidade também -- imagino que será esse o veredicto do Senado -- um voto de censura ao Presidente da República, para que tenhamos paz neste País.

Tenho certeza de que esta será, Sr. Presidente, a lição mais amarga a ser aprendida pelo Presidente Lula da Silva neste seu mandato. Desta vez, Sua Excelência vai aprender a, de fato, calar a boca e respeitar as leis vigentes do País; vai aprender, de fato, que não é mais o líder sindical que se reúne no bar da esquina para conversar qualquer lorota que ele queira, com quem ele queira, na hora que ele queira. Já não é assim. Ele tem de ser responsável as vinte e quatro horas do dia, os trinta dias do mês, os doze meses do ano, os quarenta e oito meses do seu mandato. Sua Excelência, por falar demais e por falar à toa, estava mesmo na corda bamba e, de repente, tropeçou e caiu no abismo que leva à leviandade, à palavra fácil, à palavra descomedida e desmedida.

Portanto, Sr. Presidente, lamento não podermos aproveitar esta manhã de sexta-feira para debates, já que não temos sessão deliberativa para discutir.

Concedo o aparte ao Senador Mão Santa.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Arthur Virgílio, ao longo da história do Senado, V. Exª tem cumprido sua missão tal Rui Barbosa, cujas palavras aqui lembro: de tanto ver as nulidades prosperarem, a desonestidade campear, a mentira, vai chegar o dia que vamos ter vergonha de ser honestos. Tudo isso se deve à infelicidade de o nosso Presidente ter um núcleo duro - aliás, cabeças duras -, que não lhe dá a devida orientação. Agora, o Senado é para isso mesmo, somos os pais da Pátria, os continuadores de Rui Barbosa. O pai de V. Exª foi um deles e soube lutar nas dificuldades, assim como V. Exª o é. Eu diria algo sobre Lula: ele quer com isso diminuir o Presidente Fernando Henrique Cardoso. Nunca votei em Fernando Henrique Cardoso. Nas primeiras eleições, votei no candidato do meu Partido, Orestes Quércia; na segunda, em Ciro Gomes. Mas o País sabe que S. Exª foi um Presidente extraordinário. Isso ninguém pode negar. Como diz Lacordaire, quem tem bastante luz não precisa diminuir ou apagar a luz dos outros para brilhar. Com essas declarações, Sua Excelência quis atingir o ex-Presidente, que fez funcionar as instituições. Ele não era culpado não. Quando fui Governador do meu Estado, fiz funcionar as instituições - o Poder Legislativo, o Poder Judiciário, o Ministério Público e suas delegacias. Então, ele não atingiu o Presidente Fernando Henrique. É o que diz o povo, a sabedoria: a ignorância é audaciosa.

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM) - Muito obrigado, Senador Mão Santa. Concluo, Sr. Presidente, até para ficar no tempo mesmo que me resta, dizendo que o Presidente não pode continuar passando essa imagem atoleimada para a Nação, não pode. Não pode continuar passando essa imagem do brincalhão, ou do demagogo reles, que todos os dias abraça uma velhinha, todos os dias carrega uma criança. Governar é estudar os problemas nacionais, governar é ser sóbrio, governar é ter seriedade pública, é ter comportamento condizente com a altura do cargo que representa. Governar é não prevaricar, é não acobertar denúncia de corrupção, é não acobertar o malfeito; doa a quem doer, governar é mandar investigar. É o que ele diz todo dia. Quer assumir a responsabilidade dessas investigações da Polícia Federal que aconteciam à farta no outro governo e que, a meu ver, acontecem às vezes até sem o seu conhecimento. Ele não quer assumir isso? Como, então, resolveu impedir a investigação de corrupção no Governo passado?

Presidente Lula, se Vossa Excelência pretende obter a tal reeleição, está escolhendo o pior caminho, pois está começando a despertar na Nação um sentimento de inquietude, um sentimento de temor, um sentimento de medo, um sentimento de pavor, um sentimento de insegurança. Talvez seja esse o sentimento. Todos os dias, todo final de semana,o Presidente fala uma tolice diferente, que é explorada pelos chargistas ou pelos jornais, mas sem a gravidade desta, que está contida no crime de prevaricação cometido pelo Presidente da República.

Espero que o Senado, de fato, exerça com independência e acima de partidos o seu direito, o seu poder, o seu dever e aqui aprove o voto de censura ao Presidente da República, que estou requerendo.

Concedo o aparte ao Senador Tião Viana.

O Sr. Tião Viana (Bloco/PT - AC) - Nobre Senador Arthur Virgílio, agradeço a V. Exª a oportunidade do aparte. Observo que V. Exª sempre faz um pronunciamento vigilante, o que um democrata deve fazer quando o assunto envolve a defesa do bom debate político, da regra de convivência e de procedimento na vida pública nacional. V. Exª faz o seu pronunciamento com a responsabilidade de democrata que é na vida diária do Senado Federal. Agora, manifesta uma indignação aparentemente justa, quando a honra do Governo que V. Exª defendeu como Líder nesta Casa foi ofendida, foi supostamente atacada pelo Presidente da República. Li o teor das matérias a que V. Exª se refere nos grandes jornais. Fiquei atento e com certo ar de preocupação com o que foi colocado, com a forma como a matéria foi colocada, mas por conhecer a biografia do Presidente Lula, a sua história, a sua responsabilidade política, por ser testemunha do procedimento ético que norteia a sua vida e nele reconhecer um verdadeiro estadista, tenho certeza absoluta de que o esclarecimento será feito no momento oportuno. A Nação ouvirá a versão do Presidente Lula sobre o episódio, mas posso seguramente afirmar, com antecedência, que jamais partiria do Presidente Lula qualquer insinuação contra a honra do ex-Presidente Fernando Henrique. Todo o Brasil é sabedor da longa convivência histórica que une o Presidente Lula e o Presidente Fernando Henrique. Entre os dois há uma relação de respeito mútuo, incompatível com insinuações recíprocas sobre falta de honradez. Até o presente momento, o nosso Líder do PT e o Líder do Bloco de apoio ao Governo não chegaram para prestar melhores esclarecimentos, mas imagino que o Presidente estivesse tratando de uma informação relativa aos problemas que enfrentou no início de sua gestão, a qual foi duramente atacada pelo PSDB como uma gestão que enveredaria pelos mesmos caminhos pelos quais havia enveredado a Argentina. Segundo o candidato José Serra, o Brasil corria o risco de afundar como a Argentina se Lula fosse eleito. Qualquer frase, qualquer afirmação pública que o Presidente da República ou qualquer membro do primeiro escalão do Governo fizesse naquele momento poderia pôr em risco, sim, a idéia da governabilidade. Poderia haver um impacto sobre o risco-país, poderia se concretizar grave desvalorização cambial que estava às portas do nosso Governo, e poderia voltar a inflação que tinha sido deixada pelo Governo Fernando Henrique anteriormente. Por isso, só posso concluir que a matéria teve essa preocupação, que nunca esteve presente a tentativa de prevaricação, tipo penal que V. Exª muito bem apresenta ao se reportar ao Código Penal. Tenho certeza de que o esclarecimento se dará no momento oportuno. Posso lembrar a V. Exª fato semelhante ocorrido com o ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso, por quem tenho estima e respeito. Com absoluta tranqüilidade, digo que ele jamais ofenderia uma instituição ou um representante da sociedade brasileira. Digo isso em função de sua trajetória de vida, de sua estatura intelectual e da responsabilidade ética de que sei ser ele possuidor. Refiro-me ao episódio em que ele afirmou que quem se aposentava aos 45 anos - no caso, o professor - era vagabundo. Foi dada uma interpretação equivocada a uma afirmação, porque tenho certeza de que jamais partiria dele uma ofensa ao professorado brasileiro, à academia brasileira, de onde ele próprio é oriundo. Tenho certeza, portanto, de que esse episódio será esclarecido. A rigidez com que V. Exª age é muito importante, porque demonstra sobretudo a sua austera postura de vigilante da democracia, que é a postura que deve ter o primeiro mandatário da Nação.

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM) - Obrigado, Senador Tião Viana.

Encerro, Sr. Presidente, respondendo ao Senador Tião Viana.

Há uma diferença muito grande, Senador Tião Viana, entre o arroubo do Presidente da República - aliás, tem sido repetida pelo Presidente Lula essa coisa dos vagabundos a cada fim de semana - e a postura do ex-Presidente Fernando Henrique: jamais passaria pela cabeça do Presidente da República anterior acobertar corrupção. As denúncias de corrupção que chegam às mãos de um homem público responsável são encaminhadas ao Ministério Público ou a quem de direito, para que providências sejam tomadas, para que o denunciante falso não fique impune ou para que o culpado de corrupção não fique impune.

V. Exª, com a habilidade de sempre, com a correção de sempre, abre caminho para a única coisa correta e justa que o Presidente da República pode fazer, que é apresentar com humildade - a humildade que talvez tenha lhe faltado até então - uma retratação pública e clara. Não há dúvidas quanto à declaração feita: o Presidente falou na televisão, ouvi com os meus ouvidos, vi a imagem com os meus próprios olhos. Sua Excelência disse exatamente o que os jornais reproduziram, aquela coisa deprimente: que mandou calar a boca; que, apesar de a denúncia de corrupção ser grave, que não falasse, porque isso seria muito ruim para nós.

O Presidente da República poderia - V. Exª abre caminho para isso com a sua grandeza, com a sua capacidade de ir ao justo - apresentar uma retratação, deve fazer isso o quanto antes. Deve, além disso, aprender a lição: daqui para frente, como diz a música, tudo tem que ser diferente com ele. Daqui para frente, deve aprender que, se puder ler, não improvise e, se tiver que improvisar, improvise com seriedade. Deve repetir o tempo inteiro para si mesmo: sou Presidente da República, sou Presidente da República, sou Presidente da República; sou responsável, tenho que ser responsável, tenho que ser responsável, não posso deixar de ser responsável; não posso exagerar, não posso exagerar, não posso exagerar; não posso ser leviano, não posso ser leviano. Ele tem que repetir essas frases o tempo inteiro, como se fosse um mantra, porque, afinal de contas, por mais um ano e tantos meses, o Presidente da República se chama Luiz Inácio Lula da Silva, e este país não é uma república bananeira. Este país é uma economia importante, este país é uma democracia amadurecida que tem instituições funcionando, entre as quais o Senado Federal, ao qual apelo no sentido de que aprove o voto de censura ao Presidente Lula caso ele não apresente a sua retratação clara.

Parabenizo V. Exª, Senador Tião Viana, pela clarividência de sempre - clarividência que, às vezes, falta ao Presidente. Está aí o caminho: o caminho seria o Presidente da República apresentar à Nação, com justeza, com clareza e com humildade, um pedido de desculpas, um pedido de retratação. Isso é o que tem de ser feito. Qualquer coisa diferente disso é grave, é deseducar nossas crianças; fora disso, é dizer às crianças que neste País tem gente que pode governar acobertando corrupção.

Em nome dos que têm filhos, em nome dos que têm netos, em nome dos nossos filhos e dos nossos netos, não podemos aceitar isso. É fundamental que essas crianças não sejam deseducadas, que cresçam respeitando o Presidente da República delas. O Presidente da República tem de se dar ao respeito para merecer o respeito dessas crianças que haverão de construir um futuro mais radioso e mais justo para a República brasileira.

Muito obrigado. Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/02/2005 - Página 3254