Discurso durante a 23ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

O processo de redemocratização do Brasil iniciado há vinte anos.

Autor
Cristovam Buarque (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. POLITICA EXTERNA.:
  • O processo de redemocratização do Brasil iniciado há vinte anos.
Aparteantes
Edison Lobão, Leomar Quintanilha, Mão Santa, Ney Suassuna.
Publicação
Publicação no DSF de 19/03/2005 - Página 5380
Assunto
Outros > HOMENAGEM. POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO, REDEMOCRATIZAÇÃO, BRASIL, ELOGIO, LUTA, POPULAÇÃO, VITIMA, DITADURA, ATUAÇÃO, CLASSE POLITICA, NEGOCIAÇÃO, ABERTURA, NATUREZA POLITICA, CONCLAMAÇÃO, JUVENTUDE, COMPLEMENTAÇÃO, REFORÇO, DEMOCRACIA, BUSCA, JUSTIÇA SOCIAL, MOBILIZAÇÃO, OBJETIVO, DIGNIDADE, SALARIO, EDUCAÇÃO, SAUDE, REFORMA AGRARIA.
  • COMENTARIO, DECISÃO, COMISSÃO DE RELAÇÕES EXTERIORES E DEFESA NACIONAL, APROVAÇÃO, COMISSÃO, SENADO, VISITA, PAIS ESTRANGEIRO, BOLIVIA, ESTUDO, PROBLEMA, DEMOCRACIA, SUGESTÃO, PARTICIPAÇÃO, MÃO SANTA, SENADOR.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, aqueles que estão me vendo pela televisão ou ouvindo pela Rádio Senado, vim aqui fazer um apelo. Vim fazer um apelo aos jovens brasileiros. Vim apelar para que eles ajudem a completar a democracia brasileira.

Esta semana, comemoramos vinte anos da democracia, um feito realmente grande e até surpreendente para quem viveu os anos anteriores a 1985. Essa democracia seria impossível sem vinte anos de grandes lutas, de pessoas nas ruas, de jovens especialmente, de pessoas que morreram pela democracia. E também seria impossível sem a grande engenharia política que unificou, em um só objetivo, pessoas que vinham da esquerda e pessoas com sentimento democrático que estavam ligadas ao regime anterior. Se não fosse aquela engenharia política, que contou com a participação de Antonio Carlos Magalhães, Marco Maciel, Jorge Bornhausen, não teríamos conseguido a democracia em 1985. Iríamos conseguir, mas demoraria mais.

Agora, não podemos esquecer que, sem os vinte anos de luta de pessoas como Carlos Marighella, como Lamarca, como José Dirceu, líder estudantil, não teríamos também chegado aonde chegamos, em 1985, com a posse de Tancredo Neves.

O Sr. Edison Lobão (PFL - MA) - Senador Cristovam Buarque, permita-me que lhe interrompa por um segundo.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PT - DF) - Pois não, Senador Edison Lobão.

O Sr. Edison Lobão (PFL - MA) - V. Exª se refere a uma extraordinária orquestra política, que teria sido inútil se, naquele momento, não houvesse um maestro, o notável maestro que foi o Senador Presidente da República, José Sarney. Muito obrigado a V. Exª.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PT - DF) - Eu citaria o Presidente José Sarney, sem dúvida, e outros dois também: Tancredo Neves e Ulysses Guimarães. E havia um enorme número de anônimos combatentes que, nas ruas, junto com esses, conseguiram chegar à democracia.

Concedo um aparte ao Senador Mão Santa.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Cristovam Buarque, V. Exª traduz o melhor da cultura e ela tem que ser totalmente verdadeira. Em nome da verdade, como Cristo dizia,“em verdade, em verdade, vos digo”, eu digo: o Piauí - olha que não haveria redemocratização -, primeiro, nenhum jornalista excedeu ao piauiense Carlos Castelo Branco, o Castelinho. Morto, ainda era nomeada a coluna Castelo. E, segundo, o grande ícone, sem nenhuma truculência, na serenidade e na inteligência, Petrônio Portella. Eu estava ao seu lado quando este Congresso foi fechado, quando aprovaram uma modificação no Judiciário. E ele disse, Senador Edison Lobão, sou testemunha: “Este é o dia mais triste da minha vida.” E, com essa frase, com essa grandeza, Geisel foi refletir e mandou reabrir. Ele foi, sem dúvida alguma, o artífice da redemocratização, e teria saído Presidente da República, se não fossem os desígnios de Deus, que o levou não para a Presidência da República, mas para o céu. A chapa seria: Petrônio Portella pela Arena, PDS; e Tancredo Neves, seu vice, pelo PP. Isso foi por mim testemunhado.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PT - DF) - Agradeço, Senador Mão Santa, mas eu vim falar menos desses que fizeram e mais daqueles que farão o futuro. Eu vim fazer um apelo aos jovens. A democracia que nós conquistamos plenamente nas liberdades políticas não está completa se não fizermos também a justiça social. A democracia caminha em duas pernas: as liberdades democráticas, políticas, e os direitos que a justiça social permite. Sem a justiça social, a democracia existe por pouco tempo. E ainda não fizemos esses gestos. Ainda não demos os passos decisivos para que a democracia fique permanente, graças a ser completa.

E aí, Sr. Presidente, é que quero apelar aos jovens. Com toda a franqueza, com a desculpa aos Senadores da minha idade e pouco mais jovens, hoje tenho profundas dúvidas se a nossa geração, que teve a competência de lutar nas ruas e nos gabinetes para construir a democracia, vai construir a justiça social.

Talvez nós todos, de todos os partidos, inclusive o meu, tenhamos nos viciado demais em sermos parte de uma elite aristocrática, que não aceita dividir, distribuir, nem incluir as massas nos benefícios a que o Brasil tem direito e tem condições de oferecer.

Hoje, anistia significa um salário digno para todos. Hoje, sem censura significa alfabetização de todos para que possam ler aquilo que é escrito, sem censura, Senador Mão Santa. Nós não tínhamos o direito de ler, por causa da censura. Agora, 20 milhões de brasileiros não têm o direito de ler porque não aprenderam a ler. Para eles, a censura ou não censura não faz diferença.

Diretas hoje significa educação universal para todos. Mudam os objetivos, mas não muda a necessidade de mudar o Brasil. Volto a insistir que isso só será feito se os jovens brasileiros saírem de duas coisas: da indiferença diante do sofrimento do povo, aqueles que já não estão no meio desse povo sofrido, e da perplexidade com que vivem os jovens que fazem parte dos pobres. Este é um ponto: o fim da indiferença; o outro é o fim do corporativismo.

O que vemos nestes últimos anos, depois da democracia, do fim da censura, das eleições diretas, é que os jovens, sobretudo os universitários, lutam pelos interesses corporativos da própria juventude. Acabou o tempo de a juventude ir às ruas em busca das Diretas. Por que não vão em busca, agora, da federalização da educação básica, e não apenas da reforma universitária?

Agora não é mais preciso ir para a rua pedir o fim da anistia. Mas, por que não ir para a rua pedir, jovens brasileiros, pela reforma agrária, pela alfabetização de todos, por uma escola de qualidade, pelo fim das filas nos hospitais?

Nós - nós, da minha geração, de esquerda ou de direita - não completamos a democracia. Isso é muito ruim para o Brasil, mas é uma chance para que os jovens possam participar da luta brasileira. Um jovem que nasceu em um país com a democracia completa, com as reformas sociais feitas, não tem muito por que lutar, salvo pelos interesses pessoais, os objetivos próprios da ascensão social.

O Sr. Leomar Quintanilha (PMDB - TO) - Senador Cristovam Buarque, V. Exª me permite um aparte?

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PT - DF) - Com muito prazer.

O Sr. Leomar Quintanilha (PMDB - TO) - Lamentavelmente, não tive o privilégio de ouvir a dissertação de V. Exª nesta manhã, mas, das breves considerações que pude ouvir, percebi a grande preocupação, muito oportuna, muito atual de V. Exª, com as novas gerações do País. V. Exª faz uma comparação da imposição e da falta de liberdade. Talvez seja esta a grande preocupação sobre a qual todos nós devemos nos debruçar, que é a liberdade que o nosso jovem precisa ter. Se ele não tiver a carga de informação e de conhecimento que o mundo moderno está a exigir, ele não terá a liberdade de buscar seus caminhos e de cuidar do próprio destino. V. Exª aborda com propriedade a questão da restrição que as novas gerações de brasileiros estão tendo quanto à sua formação acadêmica. Mas, Senador Cristovam Buarque, eu tive oportunidade de trocar breves palavras com V. Exª aqui a respeito do ensino fundamental brasileiro, que está em situação de tristeza chocante. É como uma casa: se não se cuida do alicerce, ela rui. Que futuro terá o Brasil, que vai depender efetivamente das novas gerações, se não cuidarmos da sua formação, a começar pela reestruturação do ensino fundamental e do ensino médio e depois do ensino acadêmico? Assim, quero associar-me às palavras de V. Exª no que diz respeito às preocupações que traz a esta Casa nesta manhã. Meus parabéns.

O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Professor Cristovam, quero adverti-lo de que V. Exª tem mais cinco minutos e trinta segundos para concluir. Cristo, brilhante como V. Exª, fez o Pai-Nosso em um minuto.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PT - DF) - Por isso ele é o Pai de todos. Jamais teremos essa sabedoria.

Senador, eu concordo plenamente com V. Exª, ou seja, sem o ensino fundamental o Brasil não terá qualquer futuro, por melhor que seja sua universidade. Falta fazermos isso. Aí está o tema central do que quero falar: não acredito que nós, que já passamos dos sessenta anos, possamos fazer isso pelo Brasil. Podemos apenas começar. Lamento que o meu Governo, que ajudei a eleger, esteja indo muito devagar nessa área, apesar de já ter feito algumas tentativas. Temo que depois do meu Governo, depois do Presidente Lula, depois do meu Partido, tudo fique ainda mais difícil.

Por isso meu apelo aos jovens: não haverá educação boa neste País, salário bom, não haverá um sistema de saúde eficiente sem a mobilização dos jovens.

Vim aqui exatamente para dizer que chegou a hora de os jovens perceberem que não completamos a democracia, mas deixamos para eles um presente. Deixamos para eles um presente: um Brasil que sofre pelo que não fizemos, mas que permite aos jovens continuar carregando as bandeiras que não conseguimos levar até o final.

Concedo um aparte ao Senador Ney Suassuna.

O Sr. Ney Suassuna (PMDB - PB) - Quero saudar V. Exª pelo tema que traz, um tema que se refere ao nosso futuro, um tema que V. Exª aborda, como sempre o faz, com muita ponderação e muito descortino. Realmente, temos uma missão séria, que não cumprimos: despertar os jovens para se interessarem pelo futuro, por essa complementação da democracia. Nesse sentido, eu, ao saudá-lo, digo que é preciso que se movimentem os jovens, que se cobrem deles. Existe uma lei muito séria na administração, a Lei de Parkinson, que diz que gastamos o tempo de que dispomos. Lamentavelmente, nosso tempo é curto. Ainda vamos tentar fazer o que falta, mas não será fácil sem a participação da juventude, que me parece hoje tão apática. Vejo com muita preocupação a apatia geral de nossa juventude. Parabéns, Senador.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PT - DF) - Muito obrigado, Senador Ney Suassuna. Eu diria que uma imensa parcela dessa juventude é apática e uma minoria milita pelos interesses específicos dos jovens, e não pelos interesses globais do Brasil.

Mas, dentro do tempo que o Senador Mão Santa me concedeu, quero dizer a esses jovens que continuem, ou voltem para as ruas. No lugar em que minha geração escreveu Diretas Já, escrevam Educação Já para Todos. No lugar em que minha geração escreveu Anistia, escrevam Erradicação do Analfabetismo. No lugar em que minha geração escreveu Fim da Censura, ou qualquer outro dos slogans de nosso tempo como Constituinte, escrevam as palavras de ordem que vão permitir ao Brasil dar o choque social.

 Essas palavras de ordem estão soltas querendo alguém que as capte, e volto a insistir que não acredito que minha geração vá captá-las plenamente. Como eu disse, somos demasiado vítimas da indignação com que a elite trata o povo brasileiro. Somos vítimas da engenharia política e dos acordos que nos impedem de pensar mais na frente. São vocês, jovens brasileiros, que podem, nas faixas que carregávamos, escrever as novas palavras de ordem. Minha geração fez um choque democrático, fez - ou assistiu a um - o choque de responsabilidade fiscal, dando estabilidade monetária. Mas minha geração não fez - e lamento dizer que ela não fará - o choque social que o Brasil precisa. Foi, de certa maneira, uma incompetência, uma indiferença e uma falta de patriotismo, mas foi um presente para vocês, jovens, um presente para que vocês continuem tendo bandeiras, sem as quais não vale a pena viver.

Era isso o que eu tinha para dizer como comemoração dos vinte anos da democracia no Brasil, Presidente Mão Santa.

O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Senador Cristovam Buarque, nossos aplausos pela maneira como V. Exª está presidindo a Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, ontem com o tema “A Farc no Brasil”, ou ainda o assunto “A Bolívia e a democracia”. Eu sugeriria a V. Exª o problema da Indonésia, aquela pena de morte a um brasileiro, o que é contra nossos princípios cristãos. Que V. Exª lidere um movimento de solidariedade de apoio para aquele brasileiro!

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PT - DF) - Sr. Presidente, quero apenas trinta segundos para lembrar uma outra proposta que V. Exª fez.

O SR. PRESIDENTE (Mão Santa - PMDB - PI) - Tem V. Exª em dobro: 60 segundos.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PT - DF) - Sr. Presidente, refiro-me à proposta que o senhor fez para que uma comissão de Senadores vá à Bolívia analisar por que aquele país, depois de trinta anos da democracia, começa a vê-la afundar. Onde erraram os irmãos bolivianos? Eu acho que foi porque eles caminharam sobre uma perna só, qual seja, a das liberdades democráticas. Não fizeram a perna da justiça social. Eu quero dizer que a proposta foi aprovada graças a sua sugestão, e eu disse que uma condição era o senhor ir, pela sua sabedoria, mas também por ser médico e poder cuidar da gente naquela altura.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/03/2005 - Página 5380