Discurso durante a 29ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Transcurso dos 34 anos da cidade de Ceilândia/DF.

Autor
Cristovam Buarque (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Transcurso dos 34 anos da cidade de Ceilândia/DF.
Publicação
Publicação no DSF de 31/03/2005 - Página 7021
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE FUNDAÇÃO, CIDADE SATELITE, DISTRITO FEDERAL (DF), NECESSIDADE, ATENDIMENTO, REIVINDICAÇÃO, POPULAÇÃO, MELHORIA, SAUDE PUBLICA, ESCOLA PUBLICA, POLITICA HABITACIONAL, SEGURANÇA PUBLICA, TRANSPORTE COLETIVO URBANO.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PT - DF. Sem apanhamento taquigráfico.) -

Aniversário de Ceilândia

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quando Carlos Drummond de Andrade escreveu em memória de Alceu Amoroso Lima, aquele que o havia convidado a olhar para as favelas do Rio de Janeiro, o célebre poema intitulado “Favelário Nacional”, o poeta dedicou a Ceilândia a estrofe 19 - “Confronto”. Nela se lê:

A suntuosa Brasília, a esquálida Ceilândia contemplam-se. Qual delas falará primeiro? Que tem a dizer ou a esconder uma em face da outra? Que mágoas, que ressentimentos prestes a saltar da goela coletiva e não se exprimem? Por que Ceilândia fere o majestoso orgulho da flórea Capital? Por que Brasília resplandece ante a pobreza exposta dos casebres de Ceilândia, filhos da majestade de Brasília?

Ainda no nascedouro, o poeta gênio admirou-se como que chocado e expressou nos seus versos o antagonismo das duas criações.

Durante muitos anos Ceilândia conviveu com a fama de ser a cidade mais violenta do DF. Essa constatação impunha sobre a cidade e seus habitantes mais uma visão preconceituosa. Era definida como localidade além de pobre, violenta. Em diversas ocasiões muitos trabalhadores ceilandenses tiveram negado oportunidades de emprego apenas por declararem o endereço de origem.

No último dia 27 Ceilândia completou o seu 34º aniversario. Foram 34 anos que mudaram a sua face empobrecida. A cidade já não é mais a mesma. Transformou-se, não pela mão benevolente dos governos, mas pela força, coragem e vontade dos seus aguerridos moradores.

Aqueles cidadãos venceram preconceitos - enormes e toda a ordem - contra a cidade que concentrava a erradicação de invasões no Distrito Federal. Sendo assim, a cidade planejada nascia sob a égide da pobreza. Estigmatizada como tal, estava posta como o símbolo da apartação social em Brasília. Foi concebida como que erguendo um muro invisível para separar os mais ricos e os mais pobres do Distrito Federal.

Para realizar a mudança observada na face da cidade, a história de Ceilândia é resultado da história de vida de seu povo e de seus líderes. Lideranças como a de Eurípedes Camargo, um incansável defensor das causas comunitárias, o qual, ao lado de outros bravos ceilandenses, fez do sonho da moradia uma razão de vida; de pessoas como o Deputado Distrital Chico Vigilante, que se transformou numa das mais consagradas e reconhecidas militâncias em favor das causas de Brasília, especialmente de Ceilândia e seu povo, sendo reconhecido nacionalmente como um dos mais combativos Deputados Federais eleitos no Distrito Federal; de mulheres como Maria de Lourdes Abadia, que soube capitalizar politicamente, no papel de coordenadora das remoções de invasões, em favor da cidade, mas sobretudo da luta cotidiana de cada morador anônimo.

Ceilândia já não se envergonha diante da suntuosidade de Brasília. Suas vergonhas não são mais externas. Elas agora vêm de dentro. A lógica do apartheid social que lhe deu origem permanece nas suas entranhas, variando entre padrões abastados e altamente sofisticados e outros extremamente carentes e simples, permeados por vergonhosos indicadores de exclusão. Podemos citar, por exemplo, que em Ceilândia existem cerca de 20 mil pessoas analfabetas, ou que há 2% de crianças fora da escola no DF, enquanto que 3% das crianças de Ceilândia não estão estudando. Isso significa que 2 mil crianças da cidade já estão condenadas, antecipadamente, a continuar reproduzindo o circulo vicioso da pobreza.

Ao desarticular ou interromper programas educacionais e sociais importantes realizados no Distrito Federal, tais como a Bolsa-Escola, a Escola Candanga, o Poupança-Escola, o Saúde em Casa, provocando uma injustificada interrupção na execução das políticas públicas que beneficiam o contingente mais necessitado, o atual Governo do DF deliberadamente prejudicou todos os habitantes do DF. Porém, os maiores prejuízos recaem e são mais visíveis naquelas localidades e sobre os segmentos mais vulneráveis da população, como é o caso de Ceilândia.

Na saúde, sem a abrangência e capilaridade de atendimento do extinto Saúde em Casa, a população de Ceilândia esta abandonada à própria sorte. A precária atenção com os postos de atendimento e a reduzida capacidade de atendimento do Hospital Regional de Ceilândia condenou o povo de Ceilândia a contar com 302 leitos hospitalares públicos existentes. Pelo descaso e pela falta de uma política que cuide das condições de saúde da população, a atual gestão preferiu optar por cuidar de mais uma cidade adoecida.

As diferenças entre os incluídos - detentores e possuidores de altos padrões de consumo e de qualidade de vida - e os excluídos - desprovidos dos recursos básicos para a sobrevivência - são tão graves em Ceilândia que exigem um compromisso permanente dos Governos Federal e do Distrito Federal para assumir e desenvolver políticas inclusivas, articuladas e integradas que garantam a todos os ceilandenses: saúde pública de qualidade; o acesso e a permanência para todas as crianças em escolas de qualidade; uma política habitacional e de saneamento dentro das expectativas e necessidades da população; uma política de segurança que valorize os profissionais da área, respeitando os direitos humanos e atuando proativamente junto à comunidade; uma política que garanta transporte coletivo em quantidade, qualidade e preços compatíveis com os recursos da população.

Contudo, mesmo diante de tantas adversidades, o povo de Ceilândia busca e encontra solução para os seus problemas pessoais, domiciliares e comunitários, construindo e melhorando a cara da cidade. Nesse sentido, Ceilândia é resultado da construção coletiva de pessoas anônimas, que, com dedicação e garra, fazem uma cidade que se orgulha do seu povo.

A diversidade de um povo que já havia construído a Capital voltou-se para construir uma cidade que, apesar dos poucos investimentos em cultura, lazer e esporte, consegue - com base na participação popular - montar um time de futebol, formado de jogadores da própria cidade, colocando-o no mesmo nível daquele clube que disputa a divisão da elite do futebol brasileiro.

Ao poeta podemos responder, comemorando em euforia, 34 anos depois, que, pela força dos ceilandenses, salta-lhes à goela o grito de orgulho dos seus filhos e da cidade de Ceilândia, que resplandecem diante a majestade de Brasília.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 31/03/2005 - Página 7021