Discurso durante a 33ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre o pontificado do Papa João Paulo II. Posse do Senador Alberto Silva como Conselheiro da República.

Autor
Ideli Salvatti (PT - Partido dos Trabalhadores/SC)
Nome completo: Ideli Salvatti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. ATUAÇÃO PARLAMENTAR.:
  • Considerações sobre o pontificado do Papa João Paulo II. Posse do Senador Alberto Silva como Conselheiro da República.
Aparteantes
Cristovam Buarque, Eduardo Azeredo, Eduardo Suplicy, Flávio Arns.
Publicação
Publicação no DSF de 06/04/2005 - Página 7448
Assunto
Outros > HOMENAGEM. ATUAÇÃO PARLAMENTAR.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, JOÃO PAULO II, PAPA, ELOGIO, VIDA, LUTA, PAZ, JUSTIÇA SOCIAL, MUNDO.
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, REUNIÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, PRESIDENTE, CAMARA DOS DEPUTADOS, SENADO, PARTICIPAÇÃO, FUNERAL, PAPA.
  • CONGRATULAÇÕES, POSSE, ALBERTO SILVA, SENADOR, CONSELHO DA REPUBLICA.

A SRª. IDELI SALVATTI (Bloco/PT - SC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, desde ontem no Plenário do Senado da República, e não poderia ser diferente, tem se manifestado a respeito do falecimento do Papa João Paulo II, caracterizado como essa figura humana extremamente importante que, ao longo das duas últimas décadas, teve um papel fundamental em todos os debates, em todas as questões relacionadas com a justiça social e a paz no nosso planeta. E essa figura denominada de peregrino, de artíficie da concórdia e da paz que se vai, ainda continua gerando, a partir do seu passamento, situações inusitadas, como estamos vivenciando no nosso País. A ida às cerimônias fúnebres do Papa João Paulo acaba propiciando um vôo inimaginável para nós brasileiros, reunindo na mesma viagem figuras proeminentes da República brasileira. Se não fosse João Paulo, talvez não tivessem oportunidade de passar uma boa parte do tempo juntos e, em um momento como este, do passamento do Papa, do seu enterro, propiciando um momento de reflexão a respeito do que vive o nosso País, o momento político, econômico e social que vivenciamos. E este vôo vai reunir o atual Presidente da República e dois outros ex-Presidentes, Fernando Henrique e José Sarney, com a possibilidade de se reunirem na chegada ao também ex-Presidente Itamar Franco, além dos Presidentes da Câmara e do Senado, Severino Cavalcanti e Senador Renan Calheiros.

Então, além de tudo que já se falou, de forma muito emocionada, às vezes, desta tribuna - tive oportunidade de assistir na TV a alguns momentos de vários pronunciamentos de Senadores -, penso que há um sentimento muito forte de comoção, pela simbologia do Papa João Paulo II para nós, católicos, defensores da Teologia da Libertação. E houve um grau de contradição, porque Sua Santidade foi também uma personalidade muito incisiva, muito preocupada, no primeiro momento. Preocupava-se com o significado da Teologia da Libertação, talvez por sua vivência da Polônia, da experiência do socialismo, da convivência com o marxismo aplicado no Leste Europeu. Era muito receoso do que a Teologia da Libertação pudesse trazer, principalmente para a América Latina, onde ela se desenvolveu e esteve presente na defesa da justiça social, da organização de seus pobres. Essa figura contraditória, que no primeiro momento esteve muito mais voltado a barrar a evolução ou a questionar de forma mais ofensiva a Teologia da Libertação, no final de sua trajetória, teve essa marca vinculada à justiça, ao combate à pobreza e à fome. Trata-se daquela dialética, Senador Cristovam Buarque, presente em todos os momentos, em todas as personalidades, em todas as ações que os seres humanos desenvolvem ao longo da sua vida.

Então, para nós, é muito importante estarmos agora acompanhando este episódio e toda a reflexão que o falecimento do Papa João Paulo II traz. Este é o momento de pararmos, pensarmos, meditarmos e trabalharmos não só a lógica deste mundo em que vivemos com tantas injustiças, mas também a figura, o ato, a ação de uma personalidade que teve suas contradições, pelo que vivenciou, pela realidade que o construiu, mas que, depois, no exercício do seu cargo de Papa, pôde visitar lugares, conviver com pessoas e, a partir da evolução de sua própria ação episcopal, obter uma modificação de postura e de simbologia.

Eu precisava também mencionar a viagem.

Não poderia deixar de fazer esse registro. Não sei se o Senador Cristovam Buarque deseja fazer um aparte, mas tenho certeza de que S. Exª enriquecerá a minha modesta contribuição com a reflexão desta semana, do passamento do Papa João Paulo II.

O Sr. Cristovam Buarque (Bloco/PT - DF) - Senadora Ideli Salvatti, V. Exª trouxe um assunto que em nada é modesto, ao contrário. V. Exª trouxe um assunto que merecia mais atenção de todos nós: o encontro de ex-Presidentes com o Presidente da República, com o Presidente da Câmara e do Senado, durante horas de vôo. Isso mostra, em primeiro lugar, uma generosidade do Presidente Lula, que não tinha necessidade protocolar de fazer esse gesto. Mas a colocação de V. Exª nos traz a lembrança de como seria bom que encontros como esse pudessem ocorrer, independentemente do falecimento de um papa. Como seria bom que esse diálogo fosse mais constante - não diria todo o tempo, mas de vez em quando -, não apenas em torno do falecimento de uma figura com a grandeza de João Paulo II, mas em torno dos problemas nacionais, das dificuldades que o Brasil enfrenta e que muitas vezes vêm ou de uma Oposição que não deixa o Governo governar ou de um Governo que não ouve a Oposição. Se esse diálogo servir para melhorar o Brasil e continuar ao longo dos próximos meses, veremos que o Papa João Paulo II, mesmo depois de seu falecimento, está ajudando a pacificar e a melhorar o mundo. Parabenizo V. Exª por ter trazido esse assunto à tribuna.

A SRª IDELI SALVATTI (Bloco/PT - SC) - Agradeço, Senador Cristovam Buarque. Quando tomei conhecimento da notícia, a minha reação foi a mesma que V. Exª mencionou: mesmo depois de não haver mais a presença física de João Paulo II entre nós, o significado, a simbologia de sua atuação ainda continua produzindo. Porém, Senador, continua produzindo no sentido da parábola da terra fértil, porque também não adianta jogar sementes em terra árida. O gesto do Presidente Lula de fazer o convite, de congregar e de dar ao ato de comparecimento do maior País católico do Planeta ao funeral do Papa, a representatividade do atual e dos ex-Presidentes da República, todos congregados, irmanados do espírito que move a presença nas cerimônias fúnebres do Papa, dá-se exatamente porque cai em terra fértil, que tem a generosidade da congregação. Esse é, indiscutivelmente, um marco da personalidade do Presidente Lula. O Presidente, apesar de ser muito firme e de ter, ao longo da sua história, feito enfrentamentos muito ostensivos, que poderiam até ser caracterizados como agressivos, é uma pessoa de congregação. Sua Excelência tem o espírito de agregar. Todos sabemos a dificuldade que o Presidente tem, às vezes, de dispensar as pessoas que, em torno dele, constroem e colaboram.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Permite V. Exª um aparte?

A SRª IDELI SALVATTI (Bloco/PT - SC) - Pois não, Senador Eduardo Suplicy.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Como V. Exª, também cumprimento o Presidente Lula pela atitude de convidar os ex-Presidentes da República José Sarney e Fernando Henrique Cardoso e os Presidentes da Câmara e do Senado, Severino Cavalcanti e Renan Calheiros, além do Presidente do Supremo Tribunal Federal para estarem juntos em Roma. Relativamente às observações de João Paulo II, aos seus atos relacionados à Teologia da Libertação, hoje registrei a minha preocupação com o silêncio imposto a Leonardo Boff. Por outro lado, registrei algo que considerei muito importante, ilustrando com uma forma construtiva segundo a qual João Paulo II caracterizava suas ações. Dadas as observações de V. Exª, eu gostaria de aqui dizer algo para sua reflexão, prezada Senadora Ideli Salvatti. Em uma carta para a CNBB, sobre a missão da Igreja e a Teologia da Libertação, em abril de 1986, João Paulo II disse o seguinte:

            [...] Estamos convencidos, nós e os senhores, de que a Teologia da Libertação é não só oportuna mas útil e necessária... Penso que, nesse campo, a Igreja no Brasil possa desempenhar um papel importante e delicado ao mesmo tempo: o de criar espaço e condições para que se desenvolva [...] uma reflexão teológica plenamente aderente ao constante ensinamento da Igreja em matéria social e, ao mesmo tempo, apta a inspirar uma práxis eficaz em favor da justiça social e da eqüidade, da salvaguarda dos direitos humanos, da construção de uma sociedade humana baseada na fraternidade e na concórdia, na verdade e na caridade.

Essa reflexão está muito de acordo com tantos textos que ambos conhecemos de Leonardo Boff. Noto, nas palavras de João Paulo II, uma fórmula muito positiva. De alguma maneira, Sua Santidade assimila ensinamentos de pessoas como o próprio Leonardo Boff, Frei Betto e tantos de seus companheiros que têm idéias afins, inclusive como muitas pessoas no PT. Cumprimento V. Exª.

A SRª IDELI SALVATTI (Bloco/PT - SC) - Senador Eduardo Suplicy, agradeço a V. Exª.

Estava muito receosa de fazer um discurso a respeito desse tema, tendo em vista que inúmeros Senadores fizeram pronunciamentos extremamente fortes, emocionados, pois são pessoas que têm, inclusive, vivência teológica, vivência de Igreja, talvez até muito mais forte do que eu. Entretanto, eu não poderia deixar de fazer essa referência, porque o Papa João Paulo II teve uma evolução, conforme demonstrou V. Exª ao apresentar textos de pronunciamentos. E indiscutivelmente o sentimento que o moveu, ao longo de toda a sua vida, foi aquele de ir ao encontro do povo. O Papa se deslocou; foi ver a realidade, foi aos países, às comunidades para ver como o povo vivia. E o clamor do povo é muito forte.

É impossível que alguém, em um primeiro momento, pela sua vivência e sua situação de vida, criado em determinada realidade, não enxergasse essa força muito grande e enraizada, principalmente na América Latina, que é a necessidade de uma teologia que buscasse a libertação das pessoas, com essa mensagem vinculada ao catolicismo dos primeiros cristãos, para quem era muito forte essa proposta da libertação, ou seja, de encontrar na solidariedade, na organização comunitária e na interligação das pessoas a possibilidade de superação das dificuldades do cotidiano e de alcance da transcendência espiritual.

Ao longo da vida, João Paulo II acabou entendendo o espírito que moveu e move pessoas como Leonardo Boff e tantos outros vinculados à Teologia da Libertação, que tem tudo a ver com essa realidade exatamente dos mais pobres, excluídos e humildes do mundo. Não poderia ser diferente na América Latina.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Permite-me V. Exª lembrar um episódio?

A SRª IDELI SALVATTI (Bloco/PT - SC) - Senador Eduardo Suplicy, ainda tenho que conceder apartes aos Senadores Flávio Arns e Eduardo Azeredo.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Trata-se apenas de um episódio muito relevante acerca desse tema, que diz respeito ao diálogo entre João Paulo II e os que professam o marxismo e o socialismo. A história registrou que Frei Betto muito contribuiu, inclusive com seu livro “Fidel e a Religião”, para o preparo da visita de João Paulo II a Cuba. E o diálogo com Fidel Castro acabou ocorrendo da maneira mais respeitosa e construtiva, no encontro de Sua Santidade com o povo cubano, em que manifestou a importância da liberdade de crença, mas também falou com muito respeito aos objetivos do socialismo professados pelo Presidente Fidel Castro.

A SRª IDELI SALVATTI (Bloco/PT - SC) - Agradeço ao Senador Eduardo Suplicy.

Concedo um aparte ao Senador Eduardo Azeredo e, em seguida, ao Senador Flávio Arns.

O Sr. Eduardo Azeredo (PSDB - MG) - Senadora Ideli Salvatti, gostaria de registrar também que vejo este momento com muita satisfação. É um momento em que estamos tristes, lamentando a morte do Papa João Paulo II, mas, ao mesmo tempo, vemos com satisfação a união brasileira nesse sentido. Além da generosidade do Presidente Lula, como V. Exª colocou, há que se destacar também a disposição, diria até de humildade, dos demais Presidentes, em especial do ex-Presidente Fernando Henrique, que faz oposição ao Governo Lula, uma vez que o ex-Presidente José Sarney e o ex-Presidente e atual Embaixador Itamar Franco pertencem à base de apoio ao Governo. O Presidente Fernando Henrique dá uma demonstração de grandeza porque, há poucas semanas, foi agredido, de certa forma - ainda que o Presidente Lula tenha sido atabalhoado na sua fala -, e teve que reagir de maneira forte. O Presidente Fernando Henrique dá uma demonstração de grandeza aceitando esse convite - realmente um gesto de generosidade do Presidente Lula - para irem juntos ao velório do Papa João Paulo II. Nós do PSDB sempre tivemos essa postura madura. V. Exª é testemunha de que a nossa Oposição no Senado tem sido madura. Trata-se de uma Oposição que, às vezes, tem que usar a guerra da palavra, mas sempre estamos prontos no interesse maior das votações que interessam ao País. Então, cumprimento V. Exª pelo seu pronunciamento, reiterando que o nosso Partido, o PSDB, tem exatamente essa postura, a do entendimento, sempre que ele seja importante e necessário.

A SRª IDELI SALVATTI (Bloco/PT - SC) - Agradeço a V. Exª.

Ouço o Senador Flávio Arns.

O Sr. Flávio Arns (Bloco/PT - PR) - Quero também, Senadora Ideli Salvatti, destacar no seu pronunciamento todos os aspectos já mencionados do Papa peregrino, do Papa que luta por melhores condições, pela solidariedade, pela paz, profundamente voltado para a questão do amor ao ser humano, da realização plena do ser humano, e também destacar a abordagem que V. Exª faz: o Papa, depois da morte, inclusive, unindo o atual Presidente com os ex-Presidentes. Isso não me faz pensar em um sentimento de humildade nem de grandeza, mas naquilo que realmente é necessário para o nosso País. Há muitos fatores que devem unir as pessoas neste País, em termos de transparência, em termos de aplicação correta de recursos, de direcionamento desses recursos para o ser humano, de haver desenvolvimento econômico com justiça social, de se buscar a participação do povo em todas as decisões, de serem decisões compartilhadas, democraticamente. Tudo isso nos une. Há temas que, naturalmente, são específicas de partidos políticos, mas o esforço deve ser no sentido de irmos todos na mesma direção. Então, foi um ato importante do Presidente convidar, foi um ato importante das pessoas aceitar o convite, e oxalá esse exemplo também possa se expandir pelos Estados e Municípios, onde todas as pessoas, independentemente de posições partidárias, possam pensar naquilo que deve unir o povo brasileiro, a favor de uma Nação desenvolvida, justa, coerente, capaz. Espero que possamos, a partir de iniciativas desse tipo, encontrar também caminhos e alternativas melhores para o Brasil. Felicito V. Exª pela lembrança desse exemplo e pela associação dessa idéia ao grande esforço do Papa João Paulo II, nesses anos todos, de unir as pessoas, de estabelecer pontes, diálogos, e de fazer um grande esforço de aproximação. Obrigado.

A SRª IDELI SALVATTI (Bloco/PT - SC) - Agradeço ao Senador Flávio Arns.

Para concluir rapidamente, além desse vôo que todos vamos acompanhar, que espero possa ser efetivamente mais um resultado positivo da pregação e do exemplo do Papa João Paulo II, quero deixar registrado que participamos também da posse do Senador Alberto Silva como Conselheiro do Conselho Nacional da República. Considero importante esse fato por se tratar de uma personalidade como o Senador Alberto Silva, que é um símbolo desta Casa, é o decano do Plenário, com 86 anos e uma vida dedicada à vida pública, como Governador, Prefeito, Deputado Estadual e Federal, Senador da República. S. Exª tem uma mente lúcida e fez um discurso brilhante em sua posse.

Ficamos refletindo sobre isso, porque principalmente os ex-Presidentes deveriam estar mais movidos por esse sentimento de conselheiros do que de oposicionistas. Esperamos que a cerimônia de posse do Senador Alberto Silva e a presença do ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso na comitiva presidencial tenham um efeito conciliatório, para que o interesse do País esteja sempre acima de qualquer intriga ou disputa político-partidária.

Agradeço, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/04/2005 - Página 7448