Discurso durante a 35ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reverências à memória de Sua Santidade o Papa João Paulo II. Comentários às declarações de Dom Cláudio Hummes e Dom Eusébio Scheid sobre a viagem do Presidente Lula para as exéquias do Papa. (como Líder)

Autor
José Agripino (PFL - Partido da Frente Liberal/RN)
Nome completo: José Agripino Maia
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO.:
  • Reverências à memória de Sua Santidade o Papa João Paulo II. Comentários às declarações de Dom Cláudio Hummes e Dom Eusébio Scheid sobre a viagem do Presidente Lula para as exéquias do Papa. (como Líder)
Aparteantes
Antonio Carlos Magalhães.
Publicação
Publicação no DSF de 08/04/2005 - Página 8147
Assunto
Outros > HOMENAGEM. PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, JOÃO PAULO II, PAPA, IGREJA CATOLICA, ELOGIO, DEFESA, PAZ.
  • QUESTIONAMENTO, ATUAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, VIAGEM, FUNERAL, PAPA, MANIPULAÇÃO, NATUREZA POLITICA.
  • COMENTARIO, NOTICIARIO, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), DECLARAÇÃO, ARCEBISPO, CARDEAL, REFERENCIA, RELIGIÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA.

O SR. JOSÉ AGRIPINO (PFL - RN. Como Líder. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, eu estava vindo do seminário que meu Partido está realizando para ouvir opiniões sobre macroeconomia, sobre crédito, sobre tributos, sobre como encaminhar, com uma proposta consistente e exeqüível, os rumos da economia no Brasil no sentido de garantir disponibilidades para programas de geração de emprego e aplicação em investimentos que levem segurança, educação e saúde à população. Eu estava vindo e, com a Rádio Senado ligada, ouvi o discurso do Senador Rodolpho Tourinho, que pronunciava uma bonita fala sobre o Papa João Paulo II.

O Senador Rodolpho Tourinho está ao lado do Senador Antonio Carlos Magalhães, que sei que na Bahia recebeu o Papa João Paulo II, creio que por duas vezes.

Eu não me perdoaria, Sr. Presidente, se neste momento não me manifestasse neste plenário sobre o sentimento que guardo de Sua Santidade.

Eu, como alguns dos Srs. Senadores, tive a honra de conviver pessoalmente com Sua Santidade. Na primeira vez em que com Sua Santidade estive, eu, eleito Governador em janeiro de 1991, fui recebido em audiência privada na Sala Paulo VI, no Vaticano. Senadora Heloísa Helena, eu levava para Sua Santidade uma carta, como Governador eleito, fazendo um convite formal para que fosse à capital do meu Estado, porque ao Brasil viria em outubro do mesmo ano. Eu estava com minha esposa Anita e com meus dois filhos, Alexandre e Felipe, mais um grupo de amigos que me acompanhavam nessa viagem. Sua Santidade teve a delicadeza de me receber em audiência privada, repito, na Sala Paulo VI.

Senador Antonio Carlos, não esquecerei nunca. Muita coisa que acontece na vida pública nós esquecemos, mas o diálogo com Sua Santidade não vou esquecer nunca. Lembro-me como se fosse hoje dos momentos de espera por Sua Santidade na sala e a ajudância de ordem do Papa abrindo as duas portas da Sala Paulo VI e anunciando a entrada de Sua Santidade, o Papa João Paulo II. Sua Santidade vinha à frente com uns dois cardeais atrás mais alguns auxiliares com bandejinhas. Eram presentes do Papa para minha família; eram terços e medalhas bentas.

Lembro-me como se fosse hoje de Sua Santidade entrando na sala - e haviam me recomendado que falássemos em português com o Papa. Eu o cumprimentei emocionado, mas afavelmente, e Sua Santidade me cumprimentou normalmente, com a força de quem tinha um carisma formidável.

Com uma das mãos, pegou a minha mão e, com a outra, a mão de minha esposa. Senadora Heloísa Helena, sabe o que Sua Santidade disse? “Moça bonita!”, referindo-se a minha mulher e olhando para mim. Havia uma fila de cumprimentos e nela estavam os meus dois filhos, ainda jovens - isso ocorreu há 10 ou 13 anos -, eles tinham 15 anos. Então, perguntou em português: “São estudantes?”

Eu respondi a Sua Santidade que eram estudantes e que se preparavam para ingressar na universidade. Continuei, então, apresentando cada uma das pessoas.

Ao final, o Papa disse que estaria em Natal em outubro, quando teria oportunidade de conhecer uma terra que não conhecia, o Nordeste do Brasil. Deu a minha mulher um santo, um terço e me entregou outro, que dei a minha mãe - e ela o guarda até hoje com muito carinho. Benzeu todos os presentes que nos deu e se retirou.

Decorridos dez meses, eu o recebi em Natal. O Presidente da República não pôde ir a Natal e eu tive a honra de receber o Papa como Chefe de Estado. Fui eu quem o recebeu embaixo da escada do avião da Alitalia que o trouxe de Roma para Natal em vôo direto.

Àquela época, o Papa ainda tinha condições de se curvar e beijar o solo. Então, chegou e beijou o solo. Eu o cumprimentei e beijei sua mão. Curioso, Senador Antonio Carlos, que Sua Santidade se recusava a ter a mão beijada por aqueles que julgava autoridade; como que puxava a mão.

Gentilmente, eu o acompanhei, porque havia revista à tropa. Era noite, umas 7 horas 30 minutos e ventava muito em Natal. Lembro-me bem de que a veste papal, a batina branca voava - as fotografias da época registram. Voava. A caminho da revista à tropa, Sua Santidade foi conversando comigo e queixando-se da longa viagem e do cansaço, até que passou em revista a tropa e chegou ao púlpito, onde estava o Ministro Rezek, que tinha acabado de chegar.

Pronunciaram-se os discursos e então veio o fato de que mais me recordo: a cerimônia de apresentação às autoridades locais. Era a fila: Vice-Governador; Presidentes do Tribunal de Justiça e da Assembléia Legislativa; os Cônsules Honorários, porque Natal não tem sede de embaixada. E o Cerimonial do Vaticano, que é muito rígido, permitiu que minha mãe e meu pai fizessem parte dessa fila de cumprimentos. E eu, acompanhando Sua Santidade, dizia: Santidade, esse é o Presidente da Assembléia Legislativa; esse é o Vice-Governador; esse é o Presidente do Tribunal de Justiça; esse é fulano; esse é cicrano. Lá para as tantas: esse é o meu pai. O Papa cumprimentava e passava. Em seguida, estava minha mãe. Sua Santidade a cumprimentou e passou. Não ouviu quando eu disse que aquela era a minha mãe. Quando a fila estava na autoridade em frente, a seguir à minha mãe, o Papa parou, voltou, pegou as mãos da minha mãe com as duas mãos, olhou para mim e disse: “La mama!”, e deu a bênção individual à minha mãe. Para mim, era a manifestação mais clara do respeito à família. Sua Santidade estava abençoando a família do Governador que o havia convidado em Roma e o estava recebendo em Natal, onde passou três dias.

O Papa se foi. Uma das maiores figuras da Historia Contemporânea. Quem vai esquecer o ricto facial publicado pelas revistas do mundo inteiro, em uma de suas últimas aparições, na janela de onde dava a bênção dominical, com aquele olhar de sofrimento e dor, com certeza. Um homem que levou, no limite máximo da resistência física, a fé aonde pôde levar, a palavra de Cristo e, mais do que tudo, a harmonia entre os diversos segmentos da Igreja, e a paz e a convivência entre os diversos segmentos da Igreja Católica. Buscou o tempo todo pregar e ser o traço de união entre os diversos segmentos da Igreja Católica, da qual eu faço parte. Procurou, viajando - foi a Israel, a Jerusalém -, pedir perdão aos judeus. Procurou, com as visitas às Nações em guerra, fazer a união entre os povos, entre as diversas religiões, tudo em nome da paz. O Papa João Paulo II foi o grande Peregrino da Paz.

Senadora Heloísa Helena, vou fazer uma inconfidência. Revendo agora, em Natal, as dezenas de fotografias que tenho guardadas, do encontro em Roma e dos encontros em Natal, vi uma coisa da qual me orgulho muito: tenho duas fotos autografadas e datadas por Sua Santidade, coisa que o Papa deve ter feito para muito pouca gente. Autografou e datou. E eu as guardei por dez, doze anos. Estão lá guardadas.

Faleceu Sua Santidade. O mundo todo o reverencia. O mundo todo e o Brasil. Sobre as reverências, estou vendo chegar o Senador Marco Maciel, católico como poucos neste plenário, católico praticante, homem de fé indiscutível, que já foi Vice-Presidente da República. Se Marco Maciel fosse Presidente da República hoje, pela reconhecida fé que tem, pelo católico reconhecido que é, pegaria o avião da Presidência e convidaria - como Bush fez , o pai é ex-Presidente - o adversário político, ex-Presidente Clinton; a Chefe de Departamento de Estado, Condoleezza Rice e iria às exéquias, porque não precisaria mostrar a ninguém que é católico. Tenho certeza de que Marco Maciel faria isso, absoluta certeza, porque o catolicismo de Marco Maciel não necessitaria de nenhum gesto de auto-afirmação. S. Exª jamais usaria o catolicismo dele como instrumento ou arma política. Nunca. Preciso fazer este registro, Senador Antonio Carlos Magalhães. Estou vendo fatos que preciso, no mínimo, observar, Senador Edison Lobão. Preciso tecer considerações sobre eles.

O Presidente Lula já deve ter chegado a Roma. Sua Excelência convidou muitas pessoas e fez bem. Apenas estranho que tenha convidado tantas e tão variadas personalidades. Convidou até o ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso, a quem não tem convidado para nenhum evento especial; mas é elogiável convidá-lo para as exéquias do Papa. Lula convidou religiosos. Diz a Folha de S.Paulo que convidou o Sr. Rolf Schünemann, representante da Igreja Luterana; o Sr. Armando Hussein Saleh, Xeque da Mesquita do Brasil; o Sr. Henry Sobel, Presidente do Rabinato da Congregação Israelita Paulista; a Srª Areonilthef Conceição Chagas, a “Mãe Nitinha”, mãe-de-santo baiana. O Senador Antonio Carlos Magalhães me dizia agora que ela não havia sido aguardada pelo Presidente. Convidada foi, mas ficou no caminho, porque não foi esperada. Convidou um mundo de gente, Senador Lobão, e...

O Sr. Antonio Carlos Magalhães (PFL - BA) - Aí acho o seguinte: me deixe mal, mas nem tanto. O Presidente da República não tem que esperar ninguém. Tenho que fazer justiça ao Presidente.

O SR. JOSÉ AGRIPINO (PFL - RN) - O fato é que convidou todos, não sei se ela demorou ou não, mas o fato é que a viagem aconteceu sem a convidada. Estou fazendo registro de fatos.

Sr. Presidente Edison Lobão, a mim causa espécie que o Presidente Bush vá a Roma levando dois ex-Presidentes e o Chefe do Departamento de Estado, em uma representação oficial absolutamente justificável, enquanto o Presidente Lula chama - claro, está correto, está certo - os Presidentes do Supremo, da Câmara e do Senado e várias autoridades de igreja. Nunca vi nenhuma referência do xeque da igreja muçulmana à Sua Santidade, nem da mãe-de-santo e muito menos do representante da igreja luterana, mas que, em homenagem à memória do Papa e de tudo o que ele fez em vida, valeria a pena. Mas pode-se ter o direito de levantar a suspeita: será que esse não foi um gesto de auto-afirmação?

Neste ponto, entra um fato que preciso registrar. Tenho em mão edições de dois jornais de hoje, Estado de S. Paulo e a Folha de S.Paulo. No jornal Estado de S. Paulo, edição de ontem, manchete da página H2: “Lula não é católico, ele é caótico”. De quem será essa declaração? De algum inimigo ferrenho do Presidente? Não. Embaixo, está o subtítulo: “Nunca um prelado tinha batido tão forte no Presidente: o Arcebispo do Rio, Dom Eusébio Scheid, fez uma série de críticas ao chegar a Roma.” As críticas são: “‘Lula não é católico, é caótico’” - Dom Eusébio Scheid, Cardeal Arcebispo do Rio, ao desembarcar em Roma.

“‘Não misture Lula nessa história”” - sobre as declarações do Presidente a favor da possibilidade do Arcebispo de São Paulo, Dom Cláudio Hummes, vir a tornar-se o Papa.

“‘Não misture Lula nessa história’” - como que desautorizando qualquer manifestação de Sua Excelência nesse sentido.

“‘Lula quer tirar dividendos políticos com isso’” - sobre a ida do Presidente aos funerais de João Paulo II.

São frases do Arcebispo do Rio de Janeiro, Cardeal Dom Eusébio Scheid. “‘Ele e o Espírito Santo não se entendem bem’”. “‘Você acha que Lula conhece o Espírito Santo?’” - criticando a forma como Lula conduz sua fé.

“‘Ele não tem uma fé retilínea. Ele tem atitudes que não são lógicas pela nossa fé. Não é uma fé cultivada.’”

“‘Achei que eram dois bobocas se encontrando’” - sobre o encontro do Presidente Lula com o Presidente de Cuba, Fidel Castro, talvez motivado pela fotografia que todos vimos do Comandante-em-Chefe Fidel Castro, depois de 45 anos, indo à Catedral de Havana para uma manifestação de solidariedade ao Papa, com quem ele - suponho - nunca se encontrou, indo a uma Igreja que ele não costuma freqüentar, talvez em uma atitude claramente política.

Sr. Presidente, esses fatos todos me causam espécie, principalmente pela manifestação em contrário vinda de Dom Cláudio Hummes, homem igualmente honradíssimo, respeitadíssimo, da Igreja brasileira, Arcebispo Emérito do Estado de São Paulo.

Diz a manchete da Folha de S.Paulo de hoje, no seu caderno espacial, p. 3: “Dom Cláudio e Dom Eusébio duelam sobre Lula”. “‘Lula é católico mesmo’”, defende o Arcebispo de São Paulo. “‘Não o suficiente’”, rebate o do Rio, para quem o Presidente é caótico.

Lá pelas tantas, Dom Cláudio Hummes diz: “‘Para mim, ele, Lula, é católico, um católico como todos os outros católicos do Brasil. Aliás, não todos, porque os católicos são diferenciados nas suas práticas. Eu o considero como católico mesmo. Ele, Lula, tem comungado muitas vezes comigo. Tenho dado a comunhão para ele. Lula é cristão a seu modo, católico a seu modo.’” São declarações de Dom Cláudio Hummes, de certa forma, contrapondo-se às declarações do Arcebispo do Rio de Janeiro.

A viagem de Sua Excelência o Senhor Presidente da República levando quem levou faz supor o que as declarações do Arcebispo do Rio de Janeiro, pela sua leitura, deixam claramente interpretar: que estaria por trás de uma caravana tão ampla um gesto político. Como ele mesmo diz, “o uso político da fé”.

            O pior é que se estabeleceu um contraditório na Igreja, o que lamento profundamente, Senador Eduardo Azeredo, porque é comentário internacional que Dom Cláudio Hummes é papável. Já imaginou, Senador Edison Lobão, para nós, que somos católicos praticantes, como seria importante...

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

O SR. JOSÉ AGRIPINO (PFL - RN) - ...termos um Papa brasileiro? A referência que teríamos? Seria um instrumento de vigilância dos padrões da administração pública, da política, do comportamento da sociedade, se tivéssemos a sorte de o Papa ser brasileiro. Porém, uma das condições fundamentais que se deseja e se exige de um Papa é a capacidade de harmonizar, e a viagem do Presidente Lula, com seu séqüito, com pessoas que ensejaram as declarações citadas, provocou um dissenso entre dois cardeais, o que evidentemente - lamento - gera uma dificuldade desnecessária à perspectiva ou à possibilidade, próxima ou não, da eleição de Dom Cláudio Hummes como Papa. Na possibilidade ou na impossibilidade, criou-se uma dificuldade por declarações...

(Interrupção do som.)

O SR. JOSÉ AGRIPINO (PFL - RN) - ... feitas a partir de circunstâncias de viagem.

Quero reverenciar a memória de Sua Santidade, o Papa João Paulo II. Lamento esses fatos que ocorrerem, principalmente se eles criarem qualquer tipo de dificuldade à possibilidade, por longínqua ou próxima que seja, de o Brasil vir a ter um Papa. Mas preciso fazer este registro, porque é um fato que chocou o País, está nas páginas dos jornais de circulação nacional e merece a apreciação de quem tem responsabilidade sobre o destino do Brasil.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/04/2005 - Página 8147