Discurso durante a 35ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Defesa da proposta da Senadora Heloísa Helena, que dá o direito de creche às crianças na primeira infância.

Autor
Cristovam Buarque (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • Defesa da proposta da Senadora Heloísa Helena, que dá o direito de creche às crianças na primeira infância.
Publicação
Publicação no DSF de 08/04/2005 - Página 8154
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • ANALISE, CONTRADIÇÃO, DESENVOLVIMENTO ECONOMICO, BRASIL, GRAVIDADE, CRESCIMENTO, VIOLENCIA, POBREZA, POPULAÇÃO, NEGLIGENCIA, CLASSE POLITICA, DEBATE, FALTA, JUSTIÇA SOCIAL, DEMORA, CONGRESSO NACIONAL, APRECIAÇÃO, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, OBRIGATORIEDADE, ESTADO, ATENDIMENTO, CRECHE, EDUCAÇÃO PRE-ESCOLAR, DENUNCIA, AUSENCIA, PRIORIDADE, CRIANÇA, AMBITO, EXECUÇÃO ORÇAMENTARIA.
  • JUSTIFICAÇÃO, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, GARANTIA, POPULAÇÃO, COBRANÇA, DIREITOS, CRIANÇA.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PT - DF. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, venho lembrar o que a maior parte de nós hoje sabe, que há algo de errado no nosso País.

Há algo de errado num país que acorda, abre os jornais e descobre uma chacina de 26 pessoas, a maior parte delas inocentes, jovens que estavam naquele lugar por acaso.

Há algo de errado num país em que ouvimos, todos os dias, nas últimas semanas, notícias de crianças indígenas mortas por fome ou por falta de atendimento.

Há algo de errado, Sr. Presidente, num país que comemora o maior Produto Interno Bruto de sua história, uma elevada taxa de crescimento, sem melhorar em nada as condições sociais do país. Há algo de errado em nosso País.

Há algo de errado em nosso País, que supera os US$100 bilhões em exportações, e ninguém vê como o resultado desses dólares chega lá na ponta para os 70 milhões de brasileiros excluídos.

Sr. Presidente, há algo de errado em um país onde vemos que a imagem que hoje tem o Congresso, a reserva moral da atividade política e a garantia da democracia, está tão arranhada como nos últimos dias. Há algo de errado em nosso País.

Há algo de errado ainda mais, Sr. Presidente, quando, apesar de tudo isso, o debate que aqui fazemos pouco tem a ver com a realidade daquilo que está errado. Até mesmo quando, recentemente, debatemos com tanta ênfase o problema da chamada Medida Provisória nº 232, estávamos discutindo a redução do Imposto de Renda, que é pago por trabalhadores, é verdade, mas das camadas de salários mais altas, inclusive por nós, Parlamentares. Não era a redução da taxa de analfabetismo que discutíamos, Senadora Ana Júlia, mas a redução da taxa de Imposto de Renda; não era o aumento da taxa de escolaridade, mas a redução da taxa de Imposto de Renda.

Há algo de errado em um país que tem uma carga fiscal tão alta e que concentra na discussão da redução dessa carga o centro do trabalho do Congresso durante semanas, sem analisar o outro lado do Orçamento, que é o que fazer com o dinheiro que o Governo tem.

Há algo de errado em nosso País. E há algo de errado quando vemos o adiamento da apreciação, dias depois de dias, semanas depois de semanas, de uma emenda à Constituição, de autoria da Senadora Heloísa Helena, que visa colocar na Constituição a obrigatoriedade de o Estado oferecer creches as nossas crianças. Sr. Presidente, há algo de errado quando adiamos a votação dessa matéria.

Para começar, há algo de errado porque não colocamos essa obrigatoriedade na Constituição já em 85, há 20 anos. Instituímos que o salário mínimo deve ser o necessário para dar uma vida digna à família, colocamos o direito de propriedade como algo em que não se pode tocar, colocamos o direito à moradia, mas não colocamos o direito de as crianças serem cuidadas desde a primeira infância. E ainda achamos que não há dinheiro.

Sr. Presidente, há algo de errado quando governantes acham que não há dinheiro para as crianças. Governante que não é capaz de cuidar das suas crianças não merece ser governante. Pode-se até dizer que não há dinheiro para tudo o mais, mas quando o Governante diz que não há dinheiro para cuidar das crianças, há algo de profundamente errado no País.

Estamos adiando, há várias semanas, nesse imbróglio que criamos nas relações dos Poderes, o debate de uma proposta de emenda à Constituição das mais óbvias que já vi: a obrigatoriedade de atendimento às crianças da primeira infância por parte do Governo. E o argumento de que falta dinheiro, Sr. Presidente, mostra que há algo errado, não só porque não se pode dizer que não há dinheiro para as crianças, porque tiraríamos de outro lugar para dar a elas, como também porque há algo de errado quando não entendemos o espírito da Constituição.

Ao colocar esse direito na Constituição, não garantimos a creche, mas, pura e simplesmente, estamos garantindo o direito dos pais de reivindicarem a creche. A Constituição não soluciona, ela dá o direito de se lutar por aquilo que ela assegura. Entre colocar na Constituição e tornar realidade será necessária a mobilização dos pais, a competência dos governantes, uma, duas ou três eleições para destituir aqueles que não são capazes de atender à Constituição. A Constituição não vai dizer que fica inelegível o prefeito que for incapaz de dar o atendimento à primeira infância. Isso não estará escrito na Constituição, mas apenas que é um direito de cada pessoa reivindicar o benefício.

Todos os anos, discutimos nesta Casa o salário mínimo, porque há um artigo na Constituição que assegura o direito a um salário mínimo justo. Mesmo não sendo justo, há o direito e a esperança de lutar por ele.

Por isso, Sr. Presidente, há algo de errado neste País.

E as coisas erradas se juntam, pois, ao não aprovarmos a garantia de creche, argumentando a falta de dinheiro, um algo errado acarreta outras coisas erradas, como a mortalidade das crianças indígenas, como a chacina, como a pobreza, como a crise educacional; todos esses fatos errados vêm do errado de não cuidarmos da criança na primeira infância.

A Constituição assegura universidade, mas não quer assegurar a primeira infância? A universidade, estando na Constituição, torna-se realidade pela mobilização e pela força dos alunos e dos professores. Contudo, ao não inserirmos na Constituição o direito de nossas pobres crianças terem creche, seus pais não encontram respaldo para se mobilizarem.

Trata-se apenas, Sr. Presidente, de criar o mais óbvio dos direitos: lutar para que os filhos não passem fome, para que nenhum trabalhador ou trabalhadora precise trancar seus filhos para cuidar dos filhos dos ricos, como empregadas domésticas.

Esse direito é tão óbvio que eu concluo lembrando que há algo de errado no nosso País, Sr. Presidente, ao termos a nossa Casa adiando por tanto tempo a aprovação de algo tão óbvio.

Enquanto esse algo de errado daqui continuar existindo, as outras coisas erradas vão continuar ocorrendo também.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/04/2005 - Página 8154