Discurso durante a 43ª Sessão Especial, no Senado Federal

Comemoração do quadragésimo quinto aniversário de Brasília.

Autor
Cristovam Buarque (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. POLITICA DE DESENVOLVIMENTO URBANO.:
  • Comemoração do quadragésimo quinto aniversário de Brasília.
Publicação
Publicação no DSF de 21/04/2005 - Página 9911
Assunto
Outros > HOMENAGEM. POLITICA DE DESENVOLVIMENTO URBANO.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE FUNDAÇÃO, ELOGIO, BRASILIA (DF), DISTRITO FEDERAL (DF), ATUAÇÃO, JUSCELINO KUBITSCHEK, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, CONSTRUÇÃO, CIDADE, POSSIBILIDADE, DESENVOLVIMENTO, INTERIOR, BRASIL.
  • CRITICA, CRESCIMENTO ECONOMICO, BRASIL, PROVOCAÇÃO, CRESCIMENTO, DESIGUALDADE SOCIAL, CONCENTRAÇÃO DE RENDA, ESPECIFICAÇÃO, COMPARAÇÃO, PERIFERIA URBANA, PLANO PILOTO, CAPITAL FEDERAL.
  • COMENTARIO, NECESSIDADE, CONTINUAÇÃO, PLANO, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, CONSTRUÇÃO, CIDADE, POSSIBILIDADE, JUSTIÇA SOCIAL, INVESTIMENTO, EDUCAÇÃO, COMERCIO, CIENCIA E TECNOLOGIA.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, permita-me quebrar um pouco o protocolo e, no lugar de começar saudando V. Exª, saudar cada um e cada uma dos pioneiros e pioneiras aqui presentes, porque, sem vocês, nós também não estaríamos aqui comemorando esta data. (Palmas.)

Em segundo lugar, permita-me cumprimentar, antes dos outros, Ana Christinna Kubitschek Pereira, figura que todos conhecemos e que saúdo não apenas por ser neta de Juscelino e por ser esposa do Senador e meu amigo Paulo Octávio, mas, sobretudo, por ser a única mulher à Mesa, ao lado da nossa Senadora. Cumprimento todas as outras mulheres aqui presentes. (Palmas.)

Perdoe-me, especialmente, a minha esposa Gladys. (Palmas.)

Sr. Presidente, Sr. Governador Joaquim Roriz, Srs. Senadores, Srª Senadora, o discurso do Senador Paulo Octávio permite-nos uma reflexão, lembrando, em primeiro lugar, que o dia 21 de abril é uma data mágica no Brasil. É a data em que Tiradentes deu a vida pela Independência. É a data em que Tancredo Neves faleceu. E é a data em que todos os brasileiros lembram-se da inauguração da Capital do Brasil. É o dia em que um homem, Presidente da República, Juscelino Kubitschek, cumpriu o seu compromisso de campanha, assumido na cidade do Senador Maguito Vilela. Assumiu um compromisso e fez aquilo que no Brasil nem sempre costumam fazer os que chegam à Presidência da República. Ele cumpriu um sonho que parecia impossível, irreal e até mesmo fantasioso para a Oposição, demonstrando que a vontade política é capaz de realizar o sonho de um povo. Assim, inaugurou, no seu primeiro mandato, uma nova Capital no Planalto Central.

Hoje, passados 45 anos, é tempo de refletirmos sobre para que serviu essa inauguração, mas, sobretudo, sobre os desafios do Brasil que os brasilienses, que nós teremos de enfrentar nos próximos 45 anos. Aniversário é tempo de lembrança e é tempo de compromisso.

Independentemente das considerações sobre o custo da construção de que tantos falam, das características urbanas de Brasília, construir a Capital do Brasil no centro do seu território foi uma decisão correta do povo brasileiro, do Congresso brasileiro e, sobretudo, do nosso Líder à época, o Presidente Juscelino Kubitschek. Foi uma decisão correta de todos os atores.

Imaginemos - e falo nesta hora para aqueles que não são de Brasília -, cada um brasileiro, como seria hoje o nosso País se a sua Capital ainda fosse uma grande cidade do litoral. Imaginemos como seriam muito maiores a concentração demográfica, a concentração da renda, a concentração espacial do nosso parque industrial. Imaginemos que ainda seríamos um País litorâneo, assim como éramos nos primeiros séculos da colonização. Brasília trouxe a descentralização, a interiorização e o sonho de que falou o Senador Paulo Octávio. Trouxe também, simbolicamente, a idéia da esperança de que é possível um futuro diferente para o Brasil.

Sobretudo nós de Brasília nos lembramos sempre do Juscelino que inaugurou a nossa cidade e esquecemos do Juscelino que inaugurou um outro Brasil: o Brasil que saiu de rural para urbano; que saiu de agrícola para industrial; um País que saiu de colonizado para uma potência no cenário mundial.(Palmas.)

Esse outro Juscelino é, no mínimo, tão importante quanto o Juscelino pioneiro, líder, que fez a nossa cidade.

Mas, passados 45 anos, o que diria, o que faria JK?

Além de comemorar com orgulho a obra que deixou e que os pioneiros fizeram, além de sentir orgulho de ter escolhido um arquiteto e um urbanista que desenharam uma cidade como é a nossa, tão especial, além de agradecer a Israel Pinheiro, sem o qual Brasília não teria sido construída, porque mais difícil ainda do que conceber é fazer a cidade, além dessas lembranças orgulhosas, creio que Juscelino teria o compromisso de acertar alguns problemas que o Brasil criou para si e que trouxe, como conseqüência, problemas para Brasília.

No Brasil, Juscelino deveria pensar, certamente se estivesse conosco, que o desenvolvimento que, prevíamos, traria vantagens para todos trouxe a concentração da renda; que o crescimento econômico que ele previa - “cinqüenta anos em cinco” -, aconteceu, mas excluindo massas imensas da sua população, da nossa população, da população brasileira, das vantagens daquele novo Brasil.

Como resultado, Brasília não pôde ser a capital do novo Brasil e se tornou apenas a nova capital do mesmo Brasil, do ponto de vista social. De um Brasil industrial, urbano, como sonhava Juscelino, mas que ainda é um Brasil onde uma classe social sente-se superior às outras, apropria-se de quase todo o produto e renda e, mais grave ainda, da quase totalidade dos recursos do nosso orçamento público, porque raramente tomamos decisões, inclusive nesta Casa, diretamente distributivas. Um País que, ao invés de distribuir, continua concentrando. Um País onde os impostos, os indiretos, saem das mãos dos pobres quando compram qualquer produto e terminam financiando privilégios de ricos. Brasília não pôde ficar alheia a essa realidade brasileira.

A Brasília da igualdade, sonhada por Juscelino, temos que reconhecer, é hoje uma Brasília dividida socialmente. A Brasília que se imaginava ser exemplo para o futuro é uma cidade que convive no seu território com uma imensa massa de pobres excluídos, inclusive fora do seu território físico, fora da sua geografia, mas dentro da nossa sociologia, porque uma imensa massa de pessoas vive na periferia de Brasília, no chamado Entorno, sem receber os direitos a que têm direito. Uma capital de um País democrático não pode ter Entorno. O entorno de Brasília é o Brasil inteiro. Por isso, cabe a nós, brasilienses, ajudar a mudar o Brasil. Se o Brasil e o Distrito Federal mantiverem o rumo dos últimos anos, sabemos que não poderemos, talvez, ter grandes comemorações daqui a 45 anos.

Por isso, é tempo de refletir, retomar os sonhos e reformular propostas para construir uma Brasília e um Brasil que cumpram o que Juscelino sonhou, corrigindo os desvios que tivemos desde que ele nos deixou. (Manifestação das galerias.)

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros. PMDB - AL) - Por favor, precisamos manter a ordem dos nossos trabalhos. Os convidados não podem se manifestar.

Com a palavra V. Exª.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PT - DF) - Agradeço, Sr. Presidente.

Não é difícil imaginar, hoje, quais seriam esses rumos que Juscelino gostaria de ver para o Brasil. Eles passarão, sobretudo, por uma revolução que, neste momento da história não é mais uma revolução social nem econômica, nem mesmo uma revolução no regime de propriedade. É uma revolução que se daria na única brecha que a realidade brasileira e mundial hoje permite: uma revolução que passa pela educação de nossas crianças, com a máxima qualidade, desde o primeiro dia de sua vida até o último dia da sua atividade profissional.

Na cidade, na nossa cidade, é preciso retomar alguns sonhos de Juscelino, alguns sonhos de Niemeyer, alguns sonhos de Lúcio Costa.

Em primeiro lugar, o sonho da convivência, de fazer com que Brasília volte a ser o que já foi no seu começo, uma cidade onde as pessoas se encontravam sem se estranhar, sem medo e com alegria. Essa convivência passa pelo ordenamento social, pelo ordenamento territorial, passa pela construção de espaços de encontro, como já se tentou em outros momentos da história de Brasília.

Precisamos voltar a dar exemplo, como quando Brasília teve a ousadia de dizer que aqui os carros paravam para os pedestres, que aqui havia um programa em que se pagava um salário mínimo às crianças pobres para que estudassem, que aqui as pessoas seriam atendidas por um sistema de saúde a poucas centenas de metros de sua casa.

Não podemos permitir que nos transformem da cidade do exemplo na cidade da discriminação. Brasília, como cidade-símbolo, não pode ser vista como território reduzido aos limites do chamado Plano Piloto.

Brasília tem que ser a Brasília de todos os habitantes do Distrito Federal, com igualdades de condições sociais, e tomar as medidas junto com o Estado de Goiás e a União para que o Entorno deixe de ser entorno no sentido social e passe a viver uma convivência plena com os habitantes do nosso quadrilátero.

Precisamos também, além do exemplo da convivência, nos tornarmos uma cidade sustentável para o futuro, e a nossa sustentabilidade passa por fazer de Brasília mais do que a Capital do Brasil. Juscelino sonhou que nós seríamos a capital. A realidade nos obriga a ser mais que isso. Não mais a cidade onde estão os escritórios do Governo Federal. Brasília deve ser uma cidade de abrangência regional, que, além do orgulho de ser a capital, seja mais, adquira uma dinâmica como pólo tecnológico, com uma dinâmica comercial e uma dinâmica na área de serviços. Uma cidade que invista na educação de sua população e atraia setores empresariais de ponta na ciência e na tecnologia, como estratégia para promover a inclusão social, que era o grande sonho de Juscelino Kubitschek. Uma Brasília que seja, ao mesmo tempo, metropolitana e republicana.

Temos as vantagens econômicas para atrair esses grupos. Temos uma universidade de ponta e um complexo universitário que muito nos orgulha no conjunto de grandes universidades. Temos ainda uma qualidade de vida que nos permite atrair os técnicos e o capital que é necessário. Além do exemplo, Sr. Presidente, além da sustentabilidade e da convivência, temos de ser a cidade da esperança; a cidade que transmita ao Brasil que o que acontece aqui pode ser copiado lá fora - como tantos projetos nossos já o foram. Ela tem de ser sonhada também por aqueles peões que a construíram, por aqueles engenheiros que calcularam o que era preciso, pelos arquitetos e urbanistas, pelo povo brasileiro, que sonhou que sua capital seria o farol, a atração, a bússola do futuro do Brasil.

Sr. Presidente, isso é possível. Brasília tem os recursos, tem como fazer, mas precisa voltar a acreditar nela como ponto de mobilização para as mudanças no Brasil inteiro.

Que este 21 de abril seja não apenas a data da comemoração dos 45 anos da iniciativa pioneira de Juscelino, mas o início de um processo de reinauguração. Da inauguração do futuro.

Temos uma dívida e gratidão com aqueles que foram pioneiros: Juscelino, o primeiro, e cada um dos outros que aqui estão. E o melhor pagamento dessa dívida é continuarmos sendo, nós também, pioneiros dos próximos 45 anos. Creio que esse era o sonho maior de Juscelino: que nunca nos contentássemos com aquilo que ele fez e inaugurou e que fôssemos os continuadores da obra dele, continuando, ano após ano, a melhorar a capital que inaugurou.

Sr. Presidente, esse é o sonho que tenho, como morador desta cidade que escolhi para morar, como Senador representando-a, e a isso vou dedicar os anos que ainda tenho de atividade na vida pública brasileira. (Manifestação das galerias.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/04/2005 - Página 9911