Discurso durante a 44ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Aprovação, pela Assembléia Legislativa, do Macrozoneamento Econômico Ecológico no Estado do Pará. Apresentação de projeto de lei de autoria de S.Exa. que propõe que pessoas físicas ou jurídicas que desmatem irregulamente ou utilizem trabalho escravo sejam proibidas de obter financiamento junto ao governo.

Autor
Ana Júlia Carepa (PT - Partido dos Trabalhadores/PA)
Nome completo: Ana Júlia de Vasconcelos Carepa
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE. DIREITOS HUMANOS. SEGURANÇA PUBLICA.:
  • Aprovação, pela Assembléia Legislativa, do Macrozoneamento Econômico Ecológico no Estado do Pará. Apresentação de projeto de lei de autoria de S.Exa. que propõe que pessoas físicas ou jurídicas que desmatem irregulamente ou utilizem trabalho escravo sejam proibidas de obter financiamento junto ao governo.
Publicação
Publicação no DSF de 21/04/2005 - Página 10013
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE. DIREITOS HUMANOS. SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • REGISTRO, APROVAÇÃO, ASSEMBLEIA LEGISLATIVA, ESTADO DO PARA (PA), ZONEAMENTO ECOLOGICO-ECONOMICO.
  • JUSTIFICAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, IMPEDIMENTO, INSTITUIÇÃO FINANCEIRA, CONCESSÃO, CREDITOS, PESSOA FISICA, PESSOA JURIDICA, COMPROVAÇÃO, VINCULAÇÃO, DESMATAMENTO, MEIO AMBIENTE, UTILIZAÇÃO, TRABALHO ESCRAVO.
  • APOIO, INICIATIVA, MINISTERIO DO TRABALHO E EMPREGO (MTE), MINISTERIO DA INTEGRAÇÃO NACIONAL, BANCO DO BRASIL, COMBATE, DESMATAMENTO, TRABALHO ESCRAVO.
  • REGISTRO, RECEBIMENTO, AMEAÇA, MORTE, GESTOR, INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRARIA (INCRA), MUNICIPIO, TUCURUI (PA), ESTADO DO PARA (PA).
  • SOLIDARIEDADE, REIVINDICAÇÃO, SINDICATO, TRABALHADOR RURAL, ENTIDADE, RESPONSABILIDADE, TERRAS, MUNICIPIO, ANAPU (PA), ESTADO DO PARA (PA), SOLICITAÇÃO, PERMANENCIA, EXERCITO, REGIÃO.

A SRª ANA JULIA CAREPA (Bloco/PT - PA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Muito obrigada. Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, eu queria fazer um registro positivo para o Estado do Pará. Foi aprovado já pela Assembléia Legislativa, e foi aprovado por unanimidade, o Macrozoneamento Econômico Ecológico. E faço esse registro porque foi proposta do Poder Executivo do Estado e eu reconheço as coisas positivas que são feitas. Quero parabenizar o Estado por ter encaminhado o projeto e os Deputados por aprová-lo. E o aprovaram por unanimidade, depois que emendas aperfeiçoaram o projeto.

Mas venho hoje a esta tribuna, com muito orgulho, anunciar que apresentei um projeto de lei, na semana passada. O PLS nº 108, de 2005, pretende impedir que o Estado, o Poder Público, financie com u’a mão o que ele combate com a outra. Nós estamos propondo que pessoas físicas e jurídicas que desmatem irregularmente ou utilizem trabalho análogo ao de trabalho escravo sejam impedidas de tomar créditos de instituições financeiras, inclusive aqueles referentes aos Fundos Constitucionais de Financiamento e Fundos Regionais. Restringe, igualmente, a contratação via licitações pelo Poder Público de pessoas envolvidas em um desses crimes.

O Governo tem trabalhado arduamente para vencer a luta contra o trabalho escravo e contra os desmatadores ilegais. Mas, apesar desses esforços e de o Brasil ser signatário de diversas Convenções da Organização Internacional do Trabalho que repudiam o trabalho escravo, bem como de Convenções que amparam Direitos Humanos, a Comissão Pastoral da Terra - CPT, calcula que hoje haja no País cerca de 25 mil pessoas submetidas às condições análogas ao trabalho escravo.

Segundo a ONG AntiSlavery, em 2003, 4.970 trabalhadores foram resgatados. Não tenho dúvida da conexão entre crimes ambientais e trabalho escravo: entre 1995 e 2001, 49% dos casos de escravidão no Brasil ocorreram em criações de gado e 25% estavam relacionados ao desmatamento. Em muitas ocasiões, o trabalho escravo e o crime ambiental aparecem reiteradamente interligados, em geral o primeiro engendrado para o cometimento do segundo. Na região amazônica, especialmente no Pará, que hoje é a fronteira do desmatamento no País e uma das áreas mais rapidamente devastadas do mundo, essa conexão é explícita e contundente.

Algumas iniciativas do Poder Executivo e das próprias instituições financeiras já estão em andamento. A nossa medida visa a impedir questionamentos quanto ao mérito e a forma dessas louváveis iniciativas, das quais vou enumerar apenas algumas.

            O Ministério do Trabalho e do Emprego criou o “Cadastro de Empregadores Infratores”, conhecido como Lista Suja do Trabalho Escravo. Há hoje 163 autuados por emprego de mão-de-obra escrava e, dentre eles, grandes grupos do agronegócio nacional e outros que se beneficiam de recursos públicos para financiar suas atividades. Também o Ministério da Integração Nacional emitiu portaria, em 2003, em que “recomenda aos agentes financeiros que se abstenham de conceder financiamentos ou qualquer outro tipo de assistência com recursos sob a supervisão desse Ministério para as pessoas físicas e jurídicas que venham a integrar a relação (...) de empregadores e de propriedades rurais que submetam trabalhadores a formas degradantes de trabalho ou que os mantenham em condições análogas ao de trabalho escravo”. Ambas são medidas fortes e decisivas para o combate a esse crime, tanto do Ministério do Trabalho quanto do Ministério da Integração Nacional.

            Outra iniciativa parte do Banco do Brasil. A instituição anunciou recentemente que cancelou o crédito para sessenta clientes, entre pessoas e empresas, que fazem parte das listas feitas pelo Governo com os nomes de flagrados pela fiscalização do Ministério do Trabalho, explorando mão-de-obra escrava. Esses clientes tinham empréstimos com recursos públicos no valor total de R$100 milhões. Além disso, todas as 3.500 empresas clientes do banco com faturamento acima de R$100 milhões terão o limite de crédito reavaliado. O mesmo procedimento está sendo adotado para projetos que envolvam empréstimos acima de R$10 milhões. O Banco do Brasil está restringindo crédito, não somente para empresas que utilizam trabalho escravo, mas também para aquelas que cometam crimes de trabalho infantil e agressões ao meio ambiente.

Cabe lembrar que essas medidas convergem para padrões internacionais de concessão de empréstimo. Os Princípios do Equador, conjunto de regras fixadas pelo International Finance Corporation (IFC), braço do Banco Mundial, estabelecem alguns critérios na concessão de empréstimos acima de US$50 milhões, como o estudo prévio sobre o impacto sócio-ambiental da obra e as medidas a serem tomadas para reduzir riscos. Entre os bancos que aderiram aos padrões internacionais, estão o Bradesco, o Itaú e o Unibanco.

Felizmente, há cada vez menos espaço, nacional e internacionalmente, para ações predatórias do meio ambiente e práticas que ferem a dignidade humana. No momento em que as parcerias público-privadas estiverem concretizando-se, haverá um impulso ao crédito, com impacto direto sobre os temas aqui tratados. Essa medida atingirá grandes projetos, sobretudo na área da infra-estrutura como portos, rodovias, ferrovias, hidrelétricas, linhas de transmissão.

Como dissemos anteriormente, pretendemos evitar que atos administrativos sejam questionados na esfera judicial como está ocorrendo hoje, Senador Pedro Simon, que, por serem atos administrativos e não existir uma lei no País, está-se questionando essa restrição. Mas agora vamos transformar em lei.

Esse é um ponto fundamental do projeto: não queremos inibir o progresso ou o desenvolvimento. Não admitimos é que ele ocorra às custas dos direitos humanos e do meio ambiente, até porque não é progresso nem desenvolvimento aquilo que é feito de forma predatória, ou aquilo que fere o mais elementar direito humano, que é manter uma pessoa em condição análoga a de trabalho escravo. Os empreendedores lícitos, corretos, que aderem a padrões e práticas legítimas terão, ainda, mais recursos disponíveis uma vez que os empreendedores incorreto e amantes de práticas ilícitas não serão mais beneficiados com recursos. Sabemos todos os Senadores que há precariedades no País a serem enfrentadas de maneira firme; o trabalho escravo é uma delas, mas uma fundamental.

Sabemos como a sociedade apóia tal medida. Os movimentos sociais, a sociedade civil organizada vem fortemente pressionando pra mudanças. Cito entre essas entidades a Associação dos Juízes Federais, a Associação dos Magistrados do Trabalho, a Associação de Procuradores, organismos internacionais ilibados, como a Organização Internacional do Trabalho, organizações não-governamentais ligadas à defesa dos direitos humanos. Também apóia essa luta a Igreja Católica por meio da Comissão Pastoral da Terra.

Com isso, pedimos o apoio de todas as Senadoras e de todos os Senadores para que possamos caminhar rapidamente e esse projeto venha a se tornar a proteção de que necessitamos contra formas degradantes de trabalho e contra a exploração irracional do meio ambiente, a fim de que, no futuro próximo, não tenhamos reportagens como a que assisti ontem, terça-feira, no Globo Rural, anunciando, mais uma vez, que trabalhadores rurais no Estado do Pará haviam sido resgatados. Infelizmente, o Pará é o Estado campeão de ocorrências de trabalho análogo ao trabalho escravo. Portanto, queremos que, após a aprovação desse projeto, o trabalho escravo seja fato do passado.

Quero encerrar, Srªs e Srs. Senadores, pedindo a atenção do Congresso e também do Poder Executivo para os problemas da região Amazônica. Quando falo do Poder Executivo, refiro-me ao Poder Executivo Federal, mas, em grande parte, ao Poder Executivo Estadual.

            Não tenho dúvida de que a falta de regras claras e de penas mais graves - o nosso projeto está atuando nesse sentido - tem conexão com os problemas que estão ocorrendo na nossa região, especialmente no Estado do Pará. Mas muitos desses problemas também têm conexão com o desrespeito explícito das regras por quem acha que nunca será punido, porque são infratores contumazes e realmente nunca foram punidos. Não é à toa que o Pará, além de campeão de trabalho escravo, também lidera o índice de mortes no campo. O Estado preocupa-se, normalmente, apenas em prender e em punir aqueles que apertam os gatilhos, mas não aqueles que financiam esses gatilhos.

O Governo Federal foi severo, firme e correto na sua ação quando do assassinato da Irmã Dorothy. Vieram a Polícia Federal, o Exército e vários órgãos do Governo Federal. Mas é preciso haver uma presença marcante das instituições para que a população se sinta amparada, pois a grilagem, as invasões e a violência contra os trabalhadores não cessaram.

Tenho direito, Sr. Presidente, como todos os outros, a mais cinco minutos e não dois, uma vez que todos os demais Senadores obtiveram esse prazo. Essa está sendo a praxe da Casa.

O SR. PRESIDENTE (Augusto Botelho. PDT - RR) - Concedo-lhe mais três minutos, Senadora Ana Júlia Carepa.

A SRª ANA JÚLIA CAREPA (Bloco/PT - PA) - Obrigada, Sr. Presidente.

Recebi - assim como fiz ainda há pouco - um elogio ao fato de o Governo do Estado ter encaminhado o macrozoneamento econômico-ecológico, que foi aprovado por unanimidade pela Assembléia Legislativa. Fiquei, entretanto, extremamente preocupada com vários ofícios que recebi por meio de fax. Um deles é da gestora do Incra de Tucuruí, dizendo ter sido ameaçada de morte e que trabalhadores foram deixados na frente daquele Instituto, porque inúmeros grileiros de terras, com pistoleiros armados, os expulsaram e até os esbofetearam, ameaçando a chefe da unidade avançada do Incra em Tucuruí. Ela até pede à Polícia Federal apenas. Ora, pela Constituição, a responsabilidade pela segurança pública é do Estado, mas as pessoas nem confiam mais na polícia. Isso é terrível. Ela mesma foi ameaçada de esquartejamento por membros desse consórcio violento.

É por essa certeza de impunidade que essas pessoas fazem isso. Recebi também o ofício aqui assinado pela CPT de Anapu, pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais do Município de Anapu e pela Associação Solidária, Econômica e Ecológica de Frutas da Amazônia - Assefa, informando-nos sobre ameaças provenientes de pessoas que estão indo lá, inclusive na área onde morreu a irmã Dorothy, com carros importados querendo saber quem vai ficar no lugar da irmã. Os trabalhadores, as pessoas do local, pedem também socorro solicitando que o Exército permaneça lá. Já temos a informação de que o Exército, no momento, não vai sair, mas nos preocupa essa diferença de postura porque ao mesmo tempo a Fetagre também nos envia um documento dizendo que a polícia junto com o Exército prendeu vinte e quatro trabalhadores por porte ilegal de armas. Ora, trabalhadores rurais de um assentamento.

Por que tanta celeridade, tanta presteza, tanta eficiência na prisão apenas de agricultores familiares? Não vejo essa presteza, essa eficiência quando se trata de prender esses grileiros junto com seus capangas armados até os dentes, por porte ilegal de arma.

Faço um apelo às autoridades do Estado, ao Secretário de Defesa Social, ao Delegado-Geral de Polícia: não pode haver dois pesos e duas medidas. Se há porte ilegal de armas, que a punição seja a mesma para todos. E solicito o apoio...

(Interrupção do som.)

A SRª ANA JÚLIA CAREPA (Bloco/PT - PA) - Solicito que se tomem providências imediatas, para que se consiga clima de tranqüilidade. O Governo não vai recuar nas suas ações para fazer a reforma agrária. Bandidos travestidos de produtores ameaçaram a chefe da unidade do Incra em Tucuruí, dizendo que não vão deixar que a reforma agrária seja feita. Mas - repito - o Governo não vai recuar, e para isso é necessário que a polícia também cumpra a sua função constitucional. E também para que possamos aprovar esse projeto, impedindo financiamento àqueles que utilizam trabalho escravo e praticam crime ambiental. Dessa forma, estaremos dando um grande e bom exemplo ao País.

            Muito obrigada, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/04/2005 - Página 10013