Discurso durante a 45ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Reflexões sobre o aumento da taxa de juros e a questão da autonomia do Banco Central.

Autor
Ideli Salvatti (PT - Partido dos Trabalhadores/SC)
Nome completo: Ideli Salvatti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • Reflexões sobre o aumento da taxa de juros e a questão da autonomia do Banco Central.
Aparteantes
João Capiberibe.
Publicação
Publicação no DSF de 26/04/2005 - Página 10088
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • ANALISE, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, AUMENTO, TAXAS, JUROS, CONTENÇÃO, INFLAÇÃO, ORIGEM, ACRESCIMO, PREÇO, SERVIÇOS PUBLICOS, CONTRATO, EPOCA, PRIVATIZAÇÃO, EMPRESA, TELEFONIA, ENERGIA, TRANSPORTE, IMPORTANCIA, DEBATE, EFICACIA, DISCUSSÃO, POLITICA FISCAL, AMPLIAÇÃO, CREDITOS, REGISTRO, DADOS, MELHORIA, SITUAÇÃO, CONSUMIDOR.
  • QUESTIONAMENTO, PEDIDO, AUTONOMIA, BANCO CENTRAL DO BRASIL (BACEN).
  • SAUDAÇÃO, ASSINATURA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, PROGRAMA, CREDITOS, MICROEMPRESA, PESSOA FISICA, INVESTIMENTO, PRODUÇÃO, AMPLIAÇÃO, ACESSO, REDUÇÃO, JUROS.

A SRª IDELI SALVATTI (Bloco/PT - SC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, na semana que passou, obtivemos a oitava alta consecutiva da taxa básica de juros. O Copom determinou o aumento em mais 0,25%. Portanto, a taxa Selic foi para 19,5%. E a reação foi quase unânime, houve uma gritaria geral neste País em todos os cantos. Houve quase uma unanimidade, com todos reclamando da elevação da taxa de juros.

Todo o debate que aflora com essas consecutivas altas da taxa de juros leva-nos a fazer uma profunda reflexão. Vários economistas e analistas têm trazido o questionamento de que o aumento consecutivo da taxa de juros como mecanismo de controle da inflação é duvidoso quanto à sua eficácia, quando sabemos que boa parte do crescimento da inflação tem-se dado significativamente, no último período, pelo aumento de preços administrados - os famosos preços dos serviços públicos, como energia, telefonia, transporte. E muitos desses preços estão presentes nos acordos, nos contratos oriundos ainda da época da privatização.

Então, há uma dúvida quanto a aumentar a taxa de juros para atingir a inflação decorrente de aumento de preços de tarifas que não estão reguladas pelo mercado em si, mas por contratos. Há uma dúvida muito séria sobre a eficácia da medida do aumento da taxa de juros para fazer o controle dessa inflação.

Há outros debates ainda sobre questões fiscais e sobre o aumento significativo da oferta de crédito. Depois quero deter-me mais detalhadamente nesse assunto, até porque se há o aumento da taxa de juros para controlar a inflação, ocorre o aumento da inflação por outras razões, que não a famosa lei da oferta e procura. E também há um volume maior de recursos de consumo, que vêm, fundamentalmente, do aumento do crédito.

Além desse debate, que está na ordem do dia - trata-se do debate da hora, que todos queremos fazer com calma e tranqüilidade -, não poderia deixar de citar algumas questões. A primeira delas é que estranho muito, Senador Paulo Paim, os pedidos de autonomia para o Banco Central. Ouve-se uma bateria de pedidos, uma gritaria para que o Banco Central tenha autonomia, o que não é o meu caso. Tenho muita dúvida sobre se o Banco Central deve ter autonomia mesmo, até porque, em muitas horas, penso que ele a tem demais, além da conta. Já houve experiências nefastas para o Brasil, a partir de determinações e ações do Banco Central, como, por exemplo, aquele documento assinado por uma única pessoa, ad referendum da diretoria do Banco Central, que liberou a CC-5 por Foz de Iguaçu. Só estou dando um exemplo de como a tal autonomia e a maneira de agir do Banco Central muitas vezes podem trazer prejuízo.

Mas os mais ardorosos defensores da autonomia do Banco Central são os primeiros a gritarem que ele não pode fazer A ou B. Ou seja, querem a autonomia do Banco Central, desde que ele faça aquilo que acham correto. Então, fico ouvindo, olhando, prestando a atenção e querendo entender os tais ardorosos defensores dessa autonomia que, do meu ponto de vista, é estranha, porque é uma autonomia para que o Banco Central faça o que eles consideram correto.

Além dessa incoerência - estranha, mas usual - de determinados oposicionistas, principalmente aqui no plenário, há duas questões relacionadas aos juros, que é de fundamental importância trazer a debate, até porque esteve no noticiário na semana passada e também no final de semana. São dados a respeito de juros e crédito.

O primeiro dado é o de que, apesar da oitava alta consecutiva da taxa Selic, da taxa de juros, a oferta de crédito no Brasil vai muito bem. O Banco Central aponta que, nos dois primeiros meses de 2005, as operações de crédito no sistema financeiro, em proporção ao PIB, cresceram 0,5%. Repito: em dois meses, a oferta de crédito, no ano de 2005, cresceu 0,5% em relação ao PIB. O volume emprestado a pessoas físicas e jurídicas chegou à casa dos R$500 bilhões, 26,7% do PIB. Há um ano, o volume do crédito às pessoas físicas e jurídicas mal-e-mal passava de R$400 bilhões. Portanto, em um ano, tivemos a capacidade de ampliar em mais de um quarto a oferta de crédito a pessoas físicas e jurídicas - isso, com a taxa Selic crescendo pela oitava vez consecutiva.

Se somarmos à oferta do crédito o registro de pedidos de debêntures - outra forma de financiamento das empresas, que, no início do ano, alcançou o total de R$20 bilhões -, obteremos R$520 bilhões, que é o volume do financiamento da economia sem levar em consideração ações, empréstimos internacionais, outras formas de financiamento.

Para se ter uma idéia do que estou falando, em 2002, o crédito, pegando-se os empréstimos, as debêntures, mal-e-mal chegava a 20% do PIB. A previsão que temos para 2005 é ultrapassarmos o patamar de 30%, podendo a oferta de crédito chegar inclusive a 33% do PIB, número que, há muito tempo, este País não tinha, mesmo com a taxa Selic crescendo.

Eu gostaria de ouvir o Senador João Capiberibe, para depois trazer outros elementos.

O Sr. João Capiberibe (Bloco/PSB - AP) - Muito obrigado, Senadora Ideli Salvatti; serei muito rápido. Fala-se em autonomia do Banco Central, porque se quer fazer um apartheid neste País. Na verdade, o apartheid já existe; o que querem é consolidá-lo, porque o sistema financeiro é feito para poucos. Se, muitas vezes, os eleitos não cumprem aquilo que assumem com a sociedade, que razão tem um Presidente do Banco Central de fazer tudo certinho para o conjunto da sociedade brasileira? Nenhuma. Fará o jogo de interesse de poucos. Depois, V. Exª apresenta números expressivos: quase 30% de tudo aquilo que arrecadamos é só para pagar juros. Ora, não existe saída para nós. Como entregar isso na mão do Banco Central? Ele não resolverá esse problema. No ano passado, até houve um equilíbrio; a relação entre dívida e PIB - isso é o que interessa - foi melhor. Este ano, não: a dívida ultrapassará o PIB, porque os juros estão nas alturas. Creio que V. Exª traz essa questão com muita propriedade. Ou debatemos a dívida, os juros, ou não haverá saída para a sociedade brasileira. Daqui a pouco, o povo estará nas ruas de novo, exigindo inclusão. É só o que falta: o povo precisa ser incluído. É isso que temos de debater. Muito obrigado.

A SRª IDELI SALVATTI (Bloco/PT - SC) - Agradeço ao Senador Capiberibe.

Voltando aos meus dados, o Banco Central mostra que, nos primeiros cem dias deste ano, foram registrados mais de R$10 bilhões em emissões de debêntures. Então, em cem dias, ultrapassamos o registro das emissões de debêntures de todo o ano de 2004, que chegou à faixa de R$9,5 bilhões.

A oferta de crédito a pessoas físicas, só no mês de fevereiro, cresceu 2,7%, e o acumulado de fevereiro de 2004 até janeiro de 2005 chegou a 32%. Foram R$120 bilhões emprestados para pessoas físicas no Brasil, em um ano, sendo que o crédito consignado, aquele desconto em folha, que foi a grande novidade e teve um efeito significativo, totalizou R$13,6 bilhões, fundamentalmente para trabalhadores brasileiros.

O empréstimo consignado, com desconto em folha, tem em média 40% de juros ao ano, o que é alto, se compararmos com a taxa Selic, que está em 19,5%. Mas os juros do desconto consignado em folha são aproximadamente a metade dos juros do crédito pessoal, que estão em torno de 75% a 80% ao ano, e quase um quarto ou menos dos juros do cartão de crédito, que estão na faixa de 160% a 170% ao ano.

Portanto, o crédito consignado fez uma verdadeira revolução. E a perspectiva que temos agora, em 2005, é de quase R$25 bilhões de crédito consignado.

O segundo dado que queria trazer é sobre os juros ao consumidor, que, apesar da oitava alta consecutiva da taxa Selic, recuaram, caíram. Em março de 2005, houve a menor taxa de juros ao consumidor desde 2001. Em março de 2001, ela era 7,49% ao mês, e, em março de 2005, 7,55%. Portanto, há 48 meses, não tínhamos uma taxa de juros ao consumidor menor. E isso se dá exatamente quando da sétima alta consecutiva da taxa Selic.

Esses dados são da ANEFAC, Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade, portanto, de quem entende do mercado financeiro. Da avaliação desses dados, concluiu-se que o crédito consignado com juros menores obrigou as instituições financeiras a se readequarem, a se modificarem. Houve imposição de ajustes nas suas carteiras para que não perdessem mercado, não perdessem clientes, inclusive porque, quando da implantação da política de ampliação significativa do crédito com desconto em folha pelo Governo Lula, uma boa da parte das pessoas que estavam afogadas no cartão de crédito, no cheque especial, no agiota da esquina, num primeiro momento, lançou mão desse empréstimo para quitar a sua dívida e, num segundo momento, voltou ao mercado de consumo.

Portanto, a disponibilização dos R$13,6 bilhões do ano passado e a perspectiva de R$25 bilhões de crédito consignado para este ano representam o grande ajuste da concorrência no sistema financeiro, que é o grande responsável pela queda da taxa de juros ao consumidor, apesar de estamos na oitava alta consecutiva da taxa Selic. A taxa de juros ao consumidor caiu a índices compatíveis aos de 48 meses atrás, já que desde 2001 não tínhamos uma taxa nesse patamar. E isso se deve, basicamente, à democratização do crédito, à inclusão bancária que o Governo Lula vem promovendo.

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

A SRª IDELI SALVATTI (Bloco/PT - SC) - Já vou concluir, Sr. Presidente.

É importante ressaltar ainda que, hoje, às 15h30min, o Presidente Lula estará tomando mais uma medida importante quanto à democratização do crédito, ao acesso ao crédito a juros menores, que podem forçar ainda mais a competitividade, fazendo com que haja uma política mais eficiente do que a própria taxa Selic. Sua Excelência assinará o Programa Nacional do Microcrédito Produtivo Orientado, do qual tive muito prazer em ser a Relatora no Senado e em aprimorá-lo. O projeto foi referendado pela Câmara na terceira votação.

Esse programa permitirá mais recursos para o pequeno empreendedor, aquele que precisa de um pequeno valor emprestado para ampliar seu negócio, produzir emprego e renda. Haverá mais recursos, inclusive do FAT, e a oportunidade de utilizar também os 2% do compulsório. Haverá mais segurança jurídica porque toda a cadeia do empréstimo do microcrédito produtivo orientado está assegurada pela lei que será sancionada pelo Presidente como também a própria segurança financeira desses empréstimos, que estará convalidada como fundo de aval.

Deixo registrado meu prazer em ter colaborado, com o apoio do Senado da República, no aprimoramento desse programa tão importante para a continuidade da inclusão e da democratização do crédito em nosso País.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/04/2005 - Página 10088