Discurso durante a 53ª Sessão Especial, no Senado Federal

Homenagem ao Trabalhador pela passagem do Dia Mundial do Trabalho.

Autor
Cristovam Buarque (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. POLITICA SOCIAL.:
  • Homenagem ao Trabalhador pela passagem do Dia Mundial do Trabalho.
Publicação
Publicação no DSF de 03/05/2005 - Página 13008
Assunto
Outros > HOMENAGEM. POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • COMENTARIO, DIVIDA, BRASIL, HISTORIA, TRABALHADOR, NECESSIDADE, SUPERIORIDADE, QUALIDADE, ATENDIMENTO, DIREITOS SOCIAIS, EDUCAÇÃO, SAUDE, HABITAÇÃO, TRANSPORTE, CULTURA, SEGURANÇA, RENDA, HOMENAGEM, OBTENÇÃO, DIREITOS, TRABALHO, LUTA, LIDER, SINDICATO.
  • DEFESA, IMPLEMENTAÇÃO, REFORMA AGRARIA, FEDERALIZAÇÃO, EDUCAÇÃO BASICA, ABOLIÇÃO, ANALFABETISMO, RESPEITO, APOSENTADO, NECESSIDADE, EFETIVAÇÃO, MELHORIA, TRABALHO, POSSIBILIDADE, JUSTIÇA, PAIS.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PT - DF. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente Tião Viana, agradeço ao Senador Paulo Paim pelo convite e, ao mesmo tempo, por ter sido S. Exª quem requereu esta homenagem ao Dia 1º de Maio. Homenageio o Senador Paulo Paim dizendo que, se aqui há muitos Senadores ligados aos trabalhadores brasileiros, absolutamente nenhum tem a força e a permanência de compromisso de Paulo Paim. (Palmas.) Por isso, meus cumprimentos e meus agradecimentos a S. Exª.

Saúdo cada um dos líderes e das líderes sindicais aqui presentes, sem citar um a um, para não tomar o tempo apertado que temos para falar.

Srªs e Srs. Senadores, há 110 anos, quando o Dia do Trabalho começou a ser comemorado no Brasil, a República tinha apenas seis anos de idade, e a libertação dos escravos tinha ocorrido apenas sete anos antes. Ou seja, temos um tempo curto de comemorar o Dia do Trabalho. Àquela época, o Brasil era rural e agrícola. Uma aristocracia dominava e se apropriava de todos os nossos recursos e de toda a nossa renda. Desde então, o Brasil mudou. E, ao mesmo tempo, Senador Paulo Paim, depois de tanto tempo, muita coisa ficou igual. É como se tudo tivesse mudado para nada mudar, nestes 110 anos de história do Dia do Trabalhador.

Por essa razão, o Dia do Trabalho é um momento para comemorar nossos avanços, sem esquecer nossas dívidas com os trabalhadores. É certo que uma impressionante camada de trabalhadores assumiu posições de destaque, organizou-se, obteve conquistas, e hoje consegue se apropriar de parte de nosso produto, mas ainda de forma muito menor do que deveria. Além disso, 70 milhões de brasileiros, quase a metade de nossa população, não têm hoje nada que comemorar. Esses são os esquecidos da República! Esses são os esquecidos da abolição!

Os trabalhadores brasileiros viram o crescimento econômico construir no País uma sociedade urbana e industrial e o Brasil se transformar em uma grande potência econômica do mundo. Mas viram fazendo, porque essa potência econômica e esse crescimento saíram das mãos e dos cérebros dos trabalhadores brasileiros. Nesse período, uma imensa quantidade de operários, servidores públicos, profissionais qualificados, trabalhadores organizados em sindicatos, associações e federações livres e fortes se afirmaram no Brasil. Mais que tudo isso, 110 anos após comemorarmos o primeiro Dia do Trabalhador, hoje temos no poder um partido dos trabalhadores e um Presidente da Republica que é líder operário e que se transformou em um estadista sindicalista.

Além disso, ao longo desses 110 anos, diversas outras conquistas serviram para melhorar a vida de muitos trabalhadores: o direito a férias remuneradas, a licença gestante, o salário mínimo e a aposentadoria. Nada disso havia antes de 1895. Tais conquistas foram alcançadas pela luta dos trabalhadores. É certo que alguns líderes políticos ajudaram, alguns presidentes sancionaram leis, mas foram os líderes sindicais os verdadeiros heróis das conquistas trabalhistas. Foram os líderes sindicais, muitos dos quais perderam o emprego, foram presos, enviados ao exílio, torturados, alguns assassinados, lutando pelo que parecia impossível. Depois dos vícios de uma elite escravocrata, os trabalhadores poderiam ser tratados com dignidade de seres humanos, poderiam ter os mesmo direitos da parcela privilegiada da sociedade brasileira.

Portanto, neste Dia dos Trabalhadores, os grandes homenageados têm de ser aqueles que acreditaram no impossível, que o País pertence aos trabalhadores, àqueles que morreram por essa luta.

É para esses heróis, líderes sindicais desses 110 anos, que eu gostaria que fossem as homenagens deste dia, além dos nossos agradecimentos pelo que fizeram pelo País, por terem conseguido fazer o Brasil mais digno. Para eles deveríamos fazer um monumento como os que são feitos para os soldados que voltam das guerras. Deles deveria ser esse feriado, como se cada um fosse um Tiradentes. Milhares de Tiradentes que lutaram pela verdadeira independência, que é a dignidade e o bem-estar do povo, porque o resto é apenas retórica de independência.

Mas, apesar da luta, esses heróis não conseguiram fazer uma abolição completa nem conseguiram completar a República. Apesar dos avanços nos direitos trabalhistas, apesar de termos um Presidente trabalhador, um partido dos trabalhadores no Governo, o Brasil ainda não é um país generoso para com seus trabalhadores. Ainda não pagamos a dívida com os trabalhadores que fizeram e que fazem o Brasil.

Apesar da organização construída e da legislação em vigor, ainda hoje continuam morrendo tantos líderes sindicais rurais quanto há décadas. Apesar dos direitos adquiridos, o Brasil não ofereceu até hoje a seus trabalhadores a educação de que eles e seus filhos precisam, um sistema de saúde que lhes atenda quando necessitem; habitação digna, com água potável, coleta de lixo e esgoto, um sistema de transporte cômodo e eficiente. Não lhes oferecemos cultura, segurança nem renda satisfatória. Não lhes oferecemos sobretudo uma república, na qual se sintam parte de um mesmo povo e não haja diferença no reconhecimento e no tratamento mútuo entre o mais humilde trabalhador e o mais rico dos brasileiros. Não lhes oferecemos um país onde a abolição esteja completa e ninguém sofra as discriminações existentes nos regimes escravocratas.

Por isso, Sr. Presidente, no momento em que comemoramos o Dia dos Trabalhadores, lembrando os últimos 110 anos, agradecendo a luta de tantos líderes operários do passado e comemorando um Presidente operário na chefia do Estado, devemos olhar adiante, vendo o quanto ainda nos resta fazer.

Sr. Presidente, aniversário não é apenas o instante de comemorações do passado. É também tempo de reflexão sobre o presente e de definição de sonhos e projetos para o futuro.

É pensando naqueles do passado que fizeram tudo o que vemos ao nosso redor - este prédio, estas cadeiras, esta tribuna, este microfone, esta roupa que uso, esta água que aqui está, este copo e o fato de ela estar aqui, a taquigrafia que está sendo feita, sem a qual a divulgação de nossos trabalhos não ocorreria -, é olhando tudo isso feito pelos trabalhadores, que olho para o futuro pensando no Brasil que deixaremos para nossos filhos. E pensando nos trabalhadores que fizeram o Brasil e em seus filhos que darão continuidade na construção do País, com os olhos brilhantes de agradecimento para com aqueles que fizeram aquilo e com os olhos entristecidos por quanto ainda resta fazer, que o Dia do Trabalho seja o momento de assumirmos compromissos com tudo o que falta.

Falta, por exemplo, a reforma agrária, a qual, se não for feita, deixará que o Brasil continue a separar milhões de hectares de terra sem homens e milhões de homens sem terra, ambos querendo produzir para o País. É preciso mudar para que o direito à propriedade seja garantido também ao único recurso que um trabalhador possui: seus braços e seu cérebro, pois, no Brasil, a aristocracia defende o direito à propriedade da terra, mas não defende o direito de o trabalhador usar seus braços e sua inteligência.

Apesar de comemorarmos 110 anos do Dia do Trabalho no País, no lugar de dividir as terras, estamos cortando os braços dos pobres trabalhadores impedidos de trabalhar na terra que existe. Que República é esta que cerca terras improdutivas contra trabalhadores, amarrando os braços desses trabalhadores? E não basta liberar o uso dos braços, é preciso desenvolver a capacidade intelectual de nossos trabalhadores, especialmente de nossos filhos. Que abolição da escravidão foi essa que não mais obriga o trabalhador a trabalhar, mas o impede de trabalhar pelo desemprego, em grande parte causado pela falta de formação e adaptação da formação nas mudanças do tempo de hoje?

Para completar a abolição e comemorar plenamente o Dia do Trabalho, falta federalizar a educação básica no Brasil, para que, sendo uma preocupação da União, a educação seja igualitária aos filhos de todos os brasileiros, não importa a renda da família ou a vontade do prefeito. Não merecemos comemorar com festas o Dia do Trabalhador se estamos condenando hoje, neste momento, silenciosamente, 40 milhões de jovens a não se prepararem nem ao menos para ser trabalhadores eficientes dentro de 10, 15 ou 20 anos, quando crescerem.

Falta também, Sr. Presidente, além da reforma agrária e da federalização da educação, proclamar a meta da abolição do analfabetismo no Brasil. Nós - e o Senador Paim citou - fomos o último país a abolir a escravatura; no continente, fomos o último a proclamar a República. E é triste dizer: estamos caminhando para sermos o último a abolir o analfabetismo no continente latino-americano. Dentro de 15 anos, na velocidade em que vamos nós e os outros países, seremos os últimos. Como podemos comemorar o Dia do Trabalhador sabendo que entre 15 e 20 milhões de compatriotas adultos não são trabalhadores plenamente livres porque continuam escravos do analfabetismo? Hoje o Dia do Trabalho seria muito mais comemorado se o Presidente da República assumisse diante de todo o povo brasileiro o compromisso de que, até o final do seu mandato, todo trabalhador brasileiro saberia ler e escrever. E isso é possível, isso não é difícil, e nós temos recursos. Seria, por exemplo, mais fácil até do que dobrar o real valor do salário mínimo e com conseqüências ainda maiores e melhores, até porque, se isso for feito, o salário mínimo aumentará quer queira ou não os governos.

Falta, ainda, Sr. Presidente, o Brasil descobrir - e desculpem essa quase provocação a nós que aqui estamos, trabalhadores do setor moderno - que o trabalhador brasileiro, todo ele, tem direito à moradia, porque ele não foi libertado da senzala para viver em palhoças sem água, com esgoto a céu aberto. Descobrir que no Brasil do Século XXI uma parte de nossa população continua nômade porque vive de ponte em ponte ou porque caminha durante longas horas de onde vive até onde trabalha ou até porque procura emprego sem ter dinheiro para pagar um transporte público, mesmo que insuficiente como é.

É preciso quase que uma convocação a nós, militantes e sindicalistas do setor moderno, para implementar uma mudança no próprio conjunto e nas bandeiras de luta de nossos trabalhadores. Falta que nós, como trabalhadores - eu como professor e cada um em sua profissão -, descubramos que estamos divididos. Alguns saltaram a fronteira da modernidade e têm um salário fixo, condições mínimas de vida. Outros, ficaram para trás, sobrevivem na miséria e no desemprego. Não têm condições, ao menos, de terem representantes nesta Casa. Falo em nome dos que nem sabem que ontem foi o Dia do Trabalhador.

No Brasil, o direito dos trabalhadores passa por salário melhor que lhes permitam apropriar-se de uma parcela maior da renda nacional; passa pelo direito a uma aposentadoria digna, que é preciso garantir a todos os que trabalharam. Passa, sobretudo, por uma revolução nas prioridades do uso do orçamento público em benefícios das parcelas excluídas da população. Falo de uma revolução nas prioridades de uso dos recursos públicos que, com responsabilidade fiscal, assegure o acesso de todos os brasileiros aos bens e serviços essenciais, independentemente do salário, independentemente do emprego, independentemente da cidade onde morar. Se o Brasil continuar a comemorar o Dia do Trabalhador sem fazer essas mudanças para aqueles que nem trabalhadores conseguem ser, em breve, ao lado do Dia do Trabalhador, vamos precisar criar o dia dos pobres excluídos, separados dos trabalhadores explorados.

Sr. Presidente, concluindo esta minha fala - e repito o meu agradecimento ao Senador Paulo Paim - 110 anos depois ainda há tanto a fazer, o desafio é tão grande quanto antes. Mas o Dia do Trabalho é sempre o dia da esperança.

Deveríamos chamar dia do trabalho e dia da esperança o 1º de maio. Mas até 2003 bastava esperar, agora é preciso fazer, ou vamos perder a companhia da esperança no dia em que comemorarmos o Dia do Trabalho.

Espero, Sr. Presidente, que o Dia do Trabalho seja o dia de fazer pelo trabalhador a esperança de que o Brasil não vai deixar morrer e que vai continuar construindo, como graças a vocês e aqueles que os antecederam, que souberam lutar para chegar ao Brasil que temos com a esperança de fazer este País como deve ser.

Um grande abraço a todos os trabalhadores brasileiros; um grande abraço a cada um dos líderes vivos e atuantes dos trabalhadores brasileiros; um grande abraço a Paulo Paim, que simboliza esta luta. (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/05/2005 - Página 13008