Discurso durante a 52ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Transcurso, ontem, do Dia da Educação. Premência de políticas que aumentem os recursos orçamentários destinados à Educação.

Autor
Cristovam Buarque (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO.:
  • Transcurso, ontem, do Dia da Educação. Premência de políticas que aumentem os recursos orçamentários destinados à Educação.
Aparteantes
Eduardo Suplicy, Mozarildo Cavalcanti, Paulo Paim.
Publicação
Publicação no DSF de 30/04/2005 - Página 12837
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO.
Indexação
  • COMEMORAÇÃO, DIA, EDUCAÇÃO, IMPORTANCIA, DEBATE, SITUAÇÃO, ATRASO, SETOR, BRASIL, ANALISE, ORIGEM, PROBLEMA, AMBITO, CULTURA, POLITICA, EXERCICIO PROFISSIONAL, FALTA, RECURSOS.
  • DEFESA, AUMENTO, RECURSOS, EDUCAÇÃO, APOIO, LUTA, MINISTERIO DA EDUCAÇÃO (MEC), MINISTRO, AMERICA LATINA, TROCA, DIVIDA EXTERNA, INVESTIMENTO, DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL.
  • JUSTIFICAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, PACTO, GOVERNO FEDERAL, REDUÇÃO, SERVIÇO, DIVIDA INTERNA, ESTADOS, MUNICIPIOS, TROCA, INVESTIMENTO, EDUCAÇÃO BASICA, DEFESA, FEDERALIZAÇÃO, EDUCAÇÃO, IMPORTANCIA, INICIATIVA, MODELO, AMBITO INTERNACIONAL.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ontem foi o Dia da Educação. Feliz o povo que escolhe um dia para comemorar a educação. Mais feliz ainda o povo que não precisa nem ao menos lembrar-se da educação, porque já cumpriu a sua obrigação com as crianças e com o futuro do País.

Lamentavelmente, temos apenas a primeira parte a comemorar. O Brasil tem o Dia da Educação. Mas ainda não podemos - e estamos longe de podermos - comemorar não termos um dia da educação, mas termos o ano inteiro da educação, termos a vida inteira da Nação ligada à educação.

É em homenagem a esse dia, Sr. Presidente, que trago uma proposta para que nós, Senadores, possamos elaborar um projeto de lei que colaboraria para um dos pontos que entravam a educação brasileira. Porque, na verdade, há quatro pontos que fazem com que o Brasil seja um País tão atrasado em relação à educação, diferentemente de outros países, especialmente aqueles que têm renda per capita igual ou até menor que a do Brasil.

A primeira questão é cultural. No Brasil, não temos a cultura de que a educação é um valor fundamental. Mesmo aqueles que investem em educação pensam que ela trará um salário melhor e não que a educação enriquece em si própria.

A segunda causa diz respeito ao fato de que a aliança cultural é política. No Brasil, temos uma história de abandonarmos o que é do povo. Então, a elite brasileira - e V. Exª é um dos que mais falam nesse assunto - resolve os seus problemas, mas não os do povo.

O Brasil, decidiu a elite, resolveu a educação das minorias privilegiadas por meio das escolas privadas, que são pagas em parte com dinheiro federal pelo subsídio do imposto de renda.

O Sr. Mozarildo Cavalcanti (Bloco/PTB - RR) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PT - DF) - Ouço V. Exª.

O Sr. Mozarildo Cavalcanti (Bloco/PTB - RR) - Apesar de estar antecipando-me ao raciocínio de V. Exª quanto à questão da educação, cumprimento-o inicialmente pela sua passagem no Ministério da Educação. V. Exª, contrariando uma orientação do Governo, apoiou uma Proposta de Emenda Constitucional de minha autoria, que recebeu apoio de outros 26 Senadores, que destinou 0,5% do que o Governo Federal arrecada com o Imposto de Renda e com o IPI para aplicação nas instituições federais de ensino superior da Amazônia - entendidas as universidades federais e os Cefets. Muitos podem pensar que 0,5% significa pouco - e é pouquinho mesmo -, mas, para a Amazônia, esse valor hoje, se relacionarmos com o atual orçamento, representa cerca de R$600 milhões. Mas, para muita gente de alguns Estados ricos, por exemplo, passou a ser demais, ou seja, entenderam que seria muito gastar R$600 milhões na educação superior na Amazônia, que representa um laboratório a céu aberto e que, portanto, está sendo pesquisado por piratas e não por entidades legalizadas. Registro, no pronunciamento de V. Ex.ª, o parecer, a nota técnica do seu Ministério, assinado pelo senhor apoiando essa PEC que foi aprovada no Senado e que, infelizmente, está há dois anos na Câmara. Quero, portanto, parabenizá-lo e dizer que V. Ex.ª não deveria ter deixado de ser Ministro da Educação. No entanto, um dia, com certeza, V. Exª o será em um Governo mais coerente.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PT - DF) - Senador, ao dizer isso, parece que V. Ex.ª não gosta de minha companhia no Senado.

O Sr. Mozarildo Cavalcanti (Bloco/PTB - RR) - Absolutamente, o Senado está muito engrandecido com a sua presença.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PT - DF) - Agradeço o seu cumprimento, Senador, agradeço de todo coração.

Sr. Presidente, a segunda causa, portanto, é política. Resolvemos o problema da educação da elite e abandonamos a do povo para os Municípios, porque, no Brasil, a universidade é federal, mas a escola fundamental é municipal. Enquanto for municipal a escola pública fundamental, não vamos ter nem uma boa escola nem uma escola equilibrada entre todos os Municípios do Brasil, porque sabemos a diferença na riqueza, na renda entre as cidades ricas e as cidades pobres.

A terceira causa do nosso atraso em educação é o fato de que no Brasil, nós professores, nós da área da educação, nós educadores ainda olhamos mais para nós do que para as crianças. Ainda fazemos nossas teses e teorias pensando na promoção pessoal que cada um vai ter e não no efeito que essas teorias e teses vão ter sobre as crianças.

E, Sr. Presidente, a quarta razão do atraso da educação brasileira depois da razão cultural, da razão política, da razão corporativa é a razão financeira. É o fato de que gastamos tanto dinheiro neste País para fazer hidrelétricas, aeroportos, estradas, portos, para dar dinheiro para empresários implantarem indústrias, que agora temos que pagar a dívida contraída e todos dizem que não há recursos para a educação.

Não vim falar aqui sobre o primeiro ponto de uma revolução cultural para que o Brasil ponha a educação em primeiro lugar. Não vim falar aqui de uma revolução política para pôr os interesses do povo em primeiro lugar. Eu não vim aqui falar de uma revolução com a corporação, para que nós educadores coloquemos as crianças em primeiro lugar. Eu vim falar do quarto ponto, eu vim falar da falta de recurso e vim trazer uma proposta, mas antes passo a palavra ao Senador Suplicy, que pediu um aparte.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Senador Cristovam Buarque, primeiramente cumprimento-o por vir mais uma vez à tribuna do Senado dizer da relevância e da importância para o desenvolvimento brasileiro da educação. Educação em um sentido mais amplo, começando pelas crianças indo até o ensino universitário, mas com essa preocupação de efetivamente garantir os recursos necessários para que haja educação de qualidade para toda e qualquer criança e pessoa no Brasil. Quero também cumprimentá-lo por ontem ter realizado, como Presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, uma audiência pública de grande relevância com o economista Jeffrey Sachs hoje responsável pela equipe que auxilia o secretário das Nações Unidas, Kofi Anan, com respeito às metas do milênio. V. Ex.ª convidou Deputados e Senadores para fazerem parte da Bancada do Milênio, e ontem nós a formamos oficialmente. Trata-se de uma iniciativa muito positiva de todos nós essa de acompanhar as ações do Governo Federal, mas também do Governo no sentido mais amplo, Executivo e Legislativo, Governos Estaduais e Governos Municipais, para atingir metas tais como a de reduzir a pobreza mais extrema em 50% até 2015, a de reduzi-la inteiramente até 2025, a de aumentar significativamente a alfabetização de todos como uma das questões mais relevantes para isso, a de diminuir consideravelmente a mortalidade infantil, dando para isso importância fundamental à educação, à assistência à saúde, ao saneamento básico, às condições de moradia, às condições que venham a atender as necessidades básicas de cada um. Acredito que o Professor Jeffrey Sachs trouxe um testemunho muito relevante, conforme V. Exª mencionou ontem. Ele, com Amartya Sen, com Mohammad Yunus constituem um grupo de pessoas que resolveu dedicar-se ao conhecimento acadêmico, mas envolvendo-se no conhecimento da vida real das pessoas para então procurar a busca de meios para transformá-la. Eu o cumprimento por isso. Vou pedir licença porque tenho uma viagem de pronto. Tenho uma palestra em São Paulo, às 13 horas, e não tenho como deixar de ir. Não poderei assistir por inteiro ao seu pronunciamento, mas quero cumprimentá-lo por sua iniciativa tão relevante. Obrigado.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PT - DF) - Senador, agradeço e o cumprimento. Quero agradecer a V. Exª pela sua participação ontem, durante esse encontro, pela forma com que V. Exª lembrou bem ao professor Jeffrey Sachs de como ainda falta nos objetivos do milênio colocar um Programa de Renda Mínima da Cidadania para todas as pessoas. Quero dizer que, embora a gente às vezes discorde, porque acho que a porta de entrada é a escola, estou totalmente de acordo de que sem uma renda mínima para todos não vamos dar a dignidade de que o povo precisa.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Certamente, Senador Cristovam Buarque, a combinação da educação provida a todos e, nesse sentido, a educação, a assistência à saúde, o saneamento básico, são coisas que o Governo deve fazer..

(Interrupção do som.)

           O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - ...mas a garantia de uma renda básica como um direito à cidadania é um complemento a essa sua batalha. Vamos chegar juntos lá. Muito obrigado.

           O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PT - DF) - Sr. Presidente, só gostaria de pedir um adiamento do meu tempo, ou seja, aumentar o meu tempo, porque, com os apartes, o discurso foi enriquecido, mas foi encurtado também. Como se substituíssemos um cobertor de pano por um cobertor de uma lã preciosa, mas pequenino, deixando os pés de fora.

           O SR. PRESIDENTE (Mozarildo Cavalcanti. Bloco/PTB - RR) - Seu tempo já foi acrescido em cinco minutos, Senador.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PT - DF) - Muito obrigado. Sr. Presidente. Eu dizia que não vim tratar aqui dos três primeiros pontos que impedem a boa educação no Brasil. Vim falar do quarto: a falta de recursos. O Governo Federal abraçou finalmente - e parabenizo o Ministro Tarso Genro - a bandeira da troca da dívida por educação. Trata-se de uma bandeira antiga, que vem de 1996, de uma luta constante de pessoas de diferentes partes do mundo, consolidada no Encontro dos Ministros da Educação das Américas, realizado na Cidade do México, em agosto de 2003, atualmente com a chancela do Governo Federal.

Ao mesmo tempo em que apóio a proposta do Governo Federal de troca da dívida externa em parte por educação, gostaria de dizer que, se todos deixassem de pagar 13% do serviço da dívida, ou seja, pagassem 87% em vez de 100%, colocaríamos 250 milhões de crianças na escola no mundo inteiro. Com apenas 3% do serviço da dívida da América Latina, incluiríamos na escola todas as crianças que trabalham no continente.

Eu vim apresentar um projeto de lei complementar e dizer que o Governo Federal deve dar o exemplo. Se o Governo Federal, com nosso apoio, está lutando para trocar dívida externa por educação, trago a proposta para o Governo brasileiro dar o exemplo ao Governo Federal de trocar a dívida interna dos municípios e dos Estados com a União por investimentos na educação. Que o Governo Federal faça um pacto com os Estados e municípios de reduzir uma parte dos serviços da dívida têm, desde que esse valor integral e mais um pouco seja investido em educação, Senador Paulo Paim.

Se fizéssemos isso, com apenas 20% do serviço da dívida, ou seja, se Estados e municípios continuassem pagando 80% do que devem à União, daríamos um grande salto na educação deste País. O Governo Federal ainda não investe na educação básica. Esse é um investimento dos municípios e dos Estados, de acordo com a própria Constituição e com a Lei de Diretrizes e Bases. Precisamos federalizar a educação. Precisamos trazer para o colo do Presidente e da União a preocupação com a educação das crianças. Não é possível que no Brasil só se seja brasileiro depois dos dezoito anos, quando o jovem entra na universidade ou no Exército. Antes de dezoito anos, Senador Paim, a criança é caruaruense, recifense, brasiliense, mas não é brasileira. Ela é responsabilidade dos prefeitos, e não da União.

Hoje os 27 Estados da Federação gastam R$32 bilhões com educação e gastam R$58 bilhões - duas vezes mais! - para pagar o serviço interno da dívida. Se tivéssemos apenas 20% desse valor, poderíamos aumentar os gastos em educação em 30%.

O mundo inteiro está começando a discutir a possibilidade de trocar dívida externa por dívida com as crianças, por dívida com a educação. Recentemente, por exemplo, foi feito um acordo entre o governo espanhol e a Argentina, em que o Governo espanhol perdoou uma dívida da Argentina no valor de US$68 milhões para que esse dinheiro fosse usado na educação. Esse assunto está caminhando a passos largos no mundo. Não tenho a menor dúvida de que esse assunto chegará ao mundo todo.

Enquanto isso não acontece, estou apresentando um projeto de lei que propõe a troca de dívida interna por educação. Alguns vão dizer que talvez não seja possível partir do Congresso Nacional um projeto como esse. Esta Casa tem a obrigação de debater as questões até mesmo quando não puderem se transformar em uma lei originada no Congresso. De repente, inspiramos o Poder Executivo ou descobrimos formas de transformar isso em realidade. Podemos buscar essa costura para pagar a dívida que temos com as crianças, com a educação, por meio de um pequeno perdão da dívida que os Estados e Municípios têm com a União.

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PT - DF) - Não sei se ainda tenho tempo de conceder um aparte ao Senador Paulo Paim.

O SR. PRESIDENTE (Mozarildo Cavalcanti. Bloco/PTB - RR) - Concedo mais um minuto a V. Exª, Senador Cristovam Buarque.

O Sr. Paulo Paim (Bloco/PT - RS) - Sei que o Senador Mozarildo Cavalcanti está sensível ao tema porque domingo é dia 1º de maio, Dia do Trabalho, dia dos trabalhadores do mundo todo. Quem trabalha são os trabalhadores, independentemente de serem empreendedores ou pessoas que alugam sua mão-de-obra. Senador Cristovam Buarque, pedi a palavra apenas para cumprimentá-lo e para dizer que a melhor forma de homenagear os trabalhadores no dia 1º de maio é fortalecendo o discurso de V. Exª, pedindo que, neste País, efetivamente, possamos investir na educação. Casualmente falarei hoje sobre educação, seguindo o raciocínio de V. Exª, dizendo que o melhor prêmio que se pode dar aos trabalhadores é investir na educação, que é a bandeira que V. Exª defende como ninguém. Cumprimento V. Exª.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PT - DF) - Senador Mozarildo Cavalcanti, concluo dizendo que fico feliz de tê-lo como Presidente neste momento em que encerro meu discurso, assim como tive o Senador Paulo Paim na abertura, porque, como V. Exª se lembra, quando eu era ministro, V.Exª liderou uma maneira de aumentar os recursos para a educação no seu Estado. Alegro-me com isso e quero deixar claro que é uma homenagem que presto ao Dia da Educação, tentando, se não resolver os outros impedimentos a uma boa educação no Brasil, pelo menos resolver este: a falta de recursos que todos dizem que há para pagar bem aos professores, e que ninguém discute se há ou não na hora de pagar os banqueiros. Não estou propondo uma moratória; estou propondo apenas uma troca de um pedaço da dívida, uma espécie de moratória positiva sobre a dívida que temos com as crianças e a educação brasileira.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/04/2005 - Página 12837