Discurso durante a 54ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comemoração dos 40 anos de atividade da Rede Globo de televisão.

Autor
Arthur Virgílio (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AM)
Nome completo: Arthur Virgílio do Carmo Ribeiro Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Comemoração dos 40 anos de atividade da Rede Globo de televisão.
Aparteantes
Antonio Carlos Magalhães.
Publicação
Publicação no DSF de 04/05/2005 - Página 13031
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE FUNDAÇÃO, EMISSORA, TELEVISÃO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), COMENTARIO, IMPORTANCIA, PARTICIPAÇÃO, HISTORIA, BRASIL, INTEGRAÇÃO, AMBITO NACIONAL, ANALISE, RELAÇÃO, DITADURA, REGIME MILITAR, ELOGIO, ATUAÇÃO, REDEMOCRATIZAÇÃO.

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Sr. Presidente, Sr. Ministro Edson Vidigal, Srs. Ministros Ciro Gomes e Eunício Oliveira, meu caro Dr. João Roberto Marinho, Srªs e Srs. Senadores, senhoras e senhores, uma das mais marcantes iniciativas na área da televisão mundial, a Rede Globo de Televisão, nasceu pelas mãos de um jornalista, eminentemente jornalista, Roberto Marinho, e, por isso mesmo, teve e tem como sua espinha dorsal, o jornalismo, a informação e a notícia. O Jornal Nacional é padrão de qualidade técnica, além de se constituir em forte referência nacional e internacional.

Roberto Marinho, de certa forma, complementou a obra de integração iniciada pelo Presidente Juscelino Kubitschek e - é dolorosamente necessário para mim reconhecer - seguida pelo regime militar. JK, com a mudança da Capital para o Planalto Central, desbravou um imenso território até então quase vazio e, hoje, um dos principais celeiros do País. O regime autoritário que combatemos com todas as nossas forças estendeu para o Brasil moderna rede de comunicações, contribuindo, a partir de Brasília e das estradas abertas por Juscelino, para a integração nacional. Isso é inegável, sem prejuízo da eterna condenação às cassações de mandatos, às torturas e à repressão às manifestações populares.

Criada naquele período, 1965, quando Brasília tinha apenas cinco anos e a rede de telecomunicações começava a ser implantada, a Globo soube aproveitar a oportunidade que se abria diante de seus olhos lúcidos. Na esteira da malha formada pelas torres e pelos cabos de transmissão, iria montando a extraordinária rede, hoje composta de 115 afiliadas, que cobrem 99% do território nacional.

Roberto Marinho realizou o sonho que acalentava desde a década de 50, quando, em viagem pelos Estados Unidos, descobriu a TV Network, densa rede de televisão. Jornalista arguto, intuiu estar ali importante caminho para a comunicação social. Já havia pedido ao Governo, em 1951, por intermédio da Rádio Globo, a concessão de um canal de televisão. A propósito, Pedro Bial, em seu livro sobre Roberto Marinho, lembra que se estava nos primórdios da TV brasileira e ela era anunciada como a mais nova modalidade de rádio.

            Nem Roberto Marinho imaginava, naqueles tempos de 50, a importância que a Rede Globo de TV iria conquistar no Brasil. Nem os obstáculos que teria pela frente.. A concessão solicitada em 1951 foi outorgada pelo presidente Getúlio Vargas, depois por ele mesmo cassada, e, finalmente, confirmada, em 1957, pelo presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira. Mais tarde, o presidente João Goulart concedeu outro canal, em Brasília, ficando, então, um no Rio e outro em Brasília. Bial diz terem sido esses os dois únicos canais obtidos por concessão do Governo. Os demais foram comprados. Ele enfatiza tal fato para rebater a injusta versão de que a Rede Globo de TV se teria expandido com a ajuda do regime militar.

O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros. PMDB - AL) - Senador Arthur Virgílio, com a sua licença, obrigo-me a registrar neste momento a honrosa presença entre nós do Excelentíssimo Senhor Presidente de Angola, José Eduardo Santos (palmas), que, numa dessas coincidências que a vida proporciona, faz esta vista ao plenário exatamente no dia em que comemoramos o Dia do Parlamento e os 40 anos da Rede Globo de Televisão, aqui representada pelo empresário João Roberto Marinho.

Agradecemos muito a honrosa presença de V. Exª.

O SR. JOSÉ EDUARDO DOS SANTOS - Estou muito agradecido. Bom trabalho a todos e muitas felicidades.

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM) - Sr. Presidente, de fato, é uma honra desmedida podermos receber neste plenário figura tão ilustre como o presidente de um país amigo de tanto futuro e de tanto sofrimento acumulado como Angola.

A principal luta que Roberto Marinho teve de travar foi em relação ao acordo que fizera com o grupo Time Life, dos Estados Unidos. Esse acordo foi combatido duramente por concorrentes e por adversários políticos. Marinho enfrentou uma CPI e, ao fim, terminou por romper o acordo com o grupo Time Life, transformando o financiamento desse grupo em dívida que quitou com enormes dificuldades. Conseguiu, porém, que permanecesse no Brasil o competente técnico norte-americano Joe Wallach, que desempenhou decisiva participação na montagem e expansão da rede, juntamente com outros nomes que devem honrosamente ser aqui lembrados, como José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni; Walter Clark; Armando Nogueira; Alice Maria e Evandro Carlos de Andrade.

Falou-se muito numa suposta estreita relação da Rede Globo com o regime militar. As coisas devem ser postas nos devidos lugares. Roberto Marinho, como milhões de brasileiros, apoiou o movimento militar - eu não apoiei. Tinha ele simpatias por alguns dos generais que comandaram o País - eu não tinha. Mas é de notarmos que televisão é concessão, sujeita a cassação, exigindo, portanto, numa ditadura, redobrado cuidado de seus responsáveis. A verdade é que, apesar disso, havia atritos nas relações da Globo com o regime de força. Por várias vezes, especialmente no período mais negro da censura, não faltaram vozes a ameaçar com a cassação das concessões.

O episódio da novela “Roque Santeiro”, de Dias Gomes, é bem ilustrativo. Em meados das década de 70, os primeiros vinte capítulos, gravados, tinham sido encaminhados à Censura Federal e aprovados com cortes. Os cortes foram feitos e gravaram-se outros dezesseis episódios. Porém, a liberação final não saiu. Em seu lugar veio a proibição. Roberto Marinho pediu a seus auxiliares que lhe exibissem um capítulo. Assistiu-o ao lado de Boni. Em seguida pediu que chamassem Armando Nogueira. É Boni quem conta, em depoimento publicado no livro de Bial: “Quero fazer um editorial no Jornal Nacional”, disse Roberto Marinho. “Não é melhor negociar essa coisa?”, ponderou Boni. “Não, eu vou fazer um editorial contra a censura, porque isso é um absurdo.” E denunciou a existência de censura dentro da Televisão.

“Naquela noite” - diz Bial - “o Jornal Nacional, noticiário mais importante do País, afirmou claramente que o Brasil vivia em estado de exceção, sem liberdade de expressão, e que a TV Globo transmitia sua programação sob censura”.

Com muita honra, concedo aparte ao nobre Senador Antonio Carlos Magalhães.

O Sr. Antonio Carlos Magalhães (PFL - BA) - Levando em conta o prosseguimento de suas palavras, talvez o meu aparte seja desnecessário. De qualquer forma, desejaria reafirmar que a coragem do Dr. Roberto Marinho enfrentava qualquer pessoa que tentasse cercear a liberdade de sua organização e limitar aquilo que ele tinha vontade de realizar. V. Exª tem um ponto de vista, nós temos outro. Muita coisa daquele regime, eu apoiei, e apoiaria hoje novamente. No entanto, é inadmissível colocar uma dualidade na figura de Roberto Marinho. Não era porque era concessão que ele cedia, ele não cedia nunca àquilo que fosse contrário à sua consciência.

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM) - Senador Antonio Carlos, vejo que passou esse episódio do regime militar, que foi marcante. Ele deu a sua contribuição para a retomada do processo democrático. Naquele momento, estudante, contra o regime, evidentemente não era o meu autor preferido - uma figura que aprendi a conhecer e estimar com o tempo, admirar e respeitar por sua obra.

            Digo apenas que, com ditadura, sobretudo alguém que era detentor de uma concessão tão relevante para o País, se concessões fez, meu caro João Alberto, se concessões tivesse de ter feito, isso se explicaria por ele não ser um avulso, um qualquer, um cidadão comum, por ser alguém que tinha de olhar com muito cuidado o dia de amanhã, olhar o País com olhos estratégicos. Portanto, aqui meramente colocava que o Brasil, que hoje não está dividido entre fulano e beltrano, entre os que estavam a favor ou contra o golpe militar, àquela época, comportava já figuras capazes de muita vontade, de muito idealismo - umas apoiando o regime que se instalou, outras acreditando piamente que o regime era um equívoco para o Brasil.

Por isso ressaltei que - e disse com dor - o regime militar implantou uma rede de telecomunicações fantástica neste País. Ele é responsável pelo pólo industrial de Manaus, que sustenta 97% da economia do meu Estado. Não poderia, portanto, deixar de reconhecer isso. Mais ainda: nos encontramos, V. Exª, eu, tantos outros e o Dr. Roberto Marinho, precisamente no momento mais bonito da história brasileira, que foi o eclodir da campanha de Tancredo Neves, Diretas/Tancredo Neves, a movimentação de massas, a manifestação do povo nas ruas, aquela coisa irresistível que mostrava que já não cabia uma situação que se perpetuava sem o povo querer. E o povo, ao mesmo tempo, sem ter os seus líderes responsáveis, todos eles, unidos. Portanto, não há discordância, há concordância.

E digo mais: poderia citar figuras ao lado de Roberto Marinho, poderia citar Jarbas Gonçalves Passarinho, figura de bem, correta, séria, íntegra, que estava ao lado do regime militar, assinou a cassação do meu pai. Nem por isso eu diria aqui que não se trata de uma pessoa digna, de uma pessoa correta, de uma pessoa capaz. Teotônio Vilela: veio da Arena para ajudar no período da redemocratização. E tanta gente que soube, no momento certo, fazer a sua opção. Tanta gente que evitou o pior, tanta gente que estava dentro do regime e soube evitar o pior.

Adauto Lúcio Cardoso, outra grande figura. Deu ele fuga, como deputado federal, a Francisco Julião, seu antípoda ideológico. Deu fuga a Francisco Julião. No carro de meu pai não dava para dar fuga a Francisco Julião; não dava para dar fuga a Francisco Julião no carro do Dr. Ulysses Guimarães àquela altura. Dava para dar fuga no carro de Adauto Lúcio Cardoso. E Adauto fez isso: colocou Julião no seu carro e o levou até o aeroporto.

Fico muito feliz com a oportunidade que o seu aparte me deu, porque eu já estava meio enfadado de ler o discurso. Fico muito feliz, Ministro Ciro Gomes, de poder dizer da minha alegria de saber que somos um país onde as convergências se dão. E, neste momento, fico muito feliz sabendo do seu aguerrimento. V. Exª merece o meu carinho, um carinho muito grande - e isso não é nenhuma novidade para V. Exª. Os momentos em que fico mais feliz aqui é quando estamos juntos, porque, primeiro, damos trabalho para os outros e, segundo, sei como é poderosa a sua palavra, como é poderosa a sua vigilância.

Enfim, Roberto Marinho foi precisamente isto: foi um empresário responsável, um jornalista de acuidade enorme, que soube preservar sua rede de comunicações, que soube enfrentar a tormenta que, para qualquer jornalista, é a ditadura, e após, e ao fim, e ao cabo, Roberto Marinho, sem dúvida alguma, não faltou ao País quando este precisava da sua voz, da sua rede de comunicações para ajudar a se colocar termo imediatamente ao regime de força que tinha que dar vez a uma transição democrática, que se fez muito bem gerenciada sob a inspiração de Tancredo por esta figura que aqui estava ainda há pouco, o Presidente José Sarney, que cumpriu, do ponto de vista político, estritamente com o seu papel: ajudou o Brasil a trafegar dos tempos obscuros da ditadura até a Constituinte, que, com seus equívocos e acertos, é hoje, de qualquer maneira, o grande marco a nos orientar para podermos dizer sobre ela que o Brasil hoje não é só uma grande democracia, mas uma democracia grande também, de 180 milhões, porque o Brasil pratica, sem dúvida nenhuma, de maneira irreversível e irretratável, um regime que nunca mais vai nos permitir viver outra vez a face obscura, a face escura, a face dark, a face sofrida da opressão sobre as liberdades dos brasileiros. Mas agradeço de coração ao aparte que V. Exª dá ao meu modesto discurso, Sr. Presidente.

E prossigo. Muito bem. Então, repito as palavras de Roberto Marinho: “Não, eu vou fazer um editorial contra a censura, porque isso é um absurdo.”

E Bial, aqui, continua dizendo que, naquele momento, a Globo transmitia ao País a sensação, para o povo que assistia às novelas, de que havia censura no País. Não tem contribuição maior do que essa para o regime democrático se restaurar na Pátria brasileira.

A primeira versão de Roque Santeiro foi, assim, para o arquivo, com prejuízo estimado em meio milhão de dólares. Só seria apresentada, numa segunda versão, em junho de 85, com enorme êxito. Até hoje é lembrada no País. Algumas personagens deixaram saudades.

A Rede Globo, quando se decidiu pela participação, teve importante papel também na campanha das Diretas Já, contribuindo para o apressamento do fim do período militar. No começo da campanha, é preciso dizer, ela manteve prudente distância do movimento, por razões que não me cumpre discutir neste momento. A Rede Globo, todavia, acabou rendendo-se ao anseio da Nação e dando cobertura aos comícios, apesar da forte pressão que sofria de certos setores militares.

Terminou sendo força poderosa no sentido da redemocratização. Era e é inegável a influência de uma rede de televisão que abarca o País inteiro. Cito Fernando Henrique Cardoso:

A Globo era uma das instituições de poder no Brasil e sempre houve um certo sentido nisso, porque o poder da televisão é muito grande. Se você não tem um sentido institucional, é um perigo, e Roberto tinha sentido institucional. Tem gente que põe fogo no circo, quer se divertir. Tem gente que acha melhor não botar fogo no circo porque vai matar inocente. Roberto Marinho era do estilo de não pôr fogo no circo. Era uma visão conservadora? Não é uma questão de ser conservadora, é que você tem que ter bons argumentos para saber o que vem depois. Você tem que ter uma visão estratégica. E ele tinha visão estratégica.

Mencionei há pouco a novela “Roque Santeiro”, para dar exemplo da censura a que esteve submetida a Rede Globo à época da ditadura, como de resto esteve submetida à censura toda a mídia brasileira naquele período obscuro da nossa História. Novela da Globo, porém, é capítulo à parte. É um dos seus pontos altos. Quantas novelas e minisséries de excelência já foram apresentadas! Eis aí mais um fator de unidade nacional. Todo mundo sabe que na hora das novelas, principalmente a chamada novela das oito, quase que o Brasil inteiro está ligado na Globo. Até desapareceu, nas pequenas cidades, aquele hábito de ficarem as famílias conversando, à noitinha, nas varandas ou nas calçadas. E o êxito não é mais somente no Brasil. As novelas vão-se espalhando pelo mundo, fazendo sucesso pelo enredo, pelo bom desempenho dos artistas e pela qualidade técnica.

Muitas delas aproveitam episódios da atualidade para incluir críticas ou fazer campanha de utilidade pública. Foi, por exemplo, o caso de “Laços de Família” que incentivou as doações de medula óssea ou de “O Clone”, que alertou enfaticamente contra o consumo de drogas. Elas difundem costumes, suscitam discussões, influem em acontecimentos como no caso do impeachment do Presidente Collor. Na época, a Globo apresentava “Anos Rebeldes”, versando sobre o romantismo da juventude, seu idealismo, seu sentimento cívico, suas manifestações públicas, sua capacidade de resistir e o seu gosto pela política. O Presidente Collor, sentindo-se acuado, teve a idéia de conclamar o povo a sair às ruas com uma fitinha verde-amarela, para demonstrar-lhe apoio. O tiro saiu pela culatra. A juventude, quem sabe em parte influenciada pela novela, saiu às ruas, mas não de verde-amarelo, e sim de fitinhas pretas ou com as caras pintadas, para manifestar-se contra o Presidente. Foi também graças à televisão e, portanto, igualmente graças à Globo, que se popularizou, no Brasil, a expressão “caras pintadas” como sinônimo permanente de luta pelos direitos da cidadania.

A Rede Globo valorizou o artista, deu emprego a centenas e centenas deles, ajudou também a difundir a arte teatral e a melhorar a qualidade do cinema nacional. Os artistas de teatro, apresentando-se numa rede de tão alta audiência, tornaram-se conhecidos do público e puderam, nos dias de folga, excursionar pelo País com casas lotadas. As gravações e os espetáculos teatrais tiveram até de se ajustar para permitir que artistas participassem de ambos. São, então, notáveis as contribuições da Rede Globo nos campos da cultura e do lazer. Na apresentação que escreveu para o Dicionário da TV Globo, o diretor da Central Globo de Comunicação, Luis Erlanger, assinala ser a Rede Globo “um ponto de encontro, um espelho onde os brasileiros se vêem e, mais ainda, uma janela que abre horizontes”.

Justa, pois, é a homenagem, Senador Tasso Jereissati, que, neste improviso e neste momento, o Senado da República e este modesto Senador prestam à Rede Globo de Televisão para assinalar seus 40 anos de merecido sucesso.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente. (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/05/2005 - Página 13031