Discurso durante a 60ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Críticas à política externa brasileira e, em particular, à "Carta de Brasília", divulgada ao fim da Cúpula América do Sul - Países Árabes. Críticas ao veto do Presidente da República ao aumento dos vencimentos dos servidores do Congresso Nacional e Tribunal de Contas da União. Solidariedade ao Ministro Aldo Rebelo.

Autor
Arthur Virgílio (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AM)
Nome completo: Arthur Virgílio do Carmo Ribeiro Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA. POLITICA SALARIAL. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • Críticas à política externa brasileira e, em particular, à "Carta de Brasília", divulgada ao fim da Cúpula América do Sul - Países Árabes. Críticas ao veto do Presidente da República ao aumento dos vencimentos dos servidores do Congresso Nacional e Tribunal de Contas da União. Solidariedade ao Ministro Aldo Rebelo.
Aparteantes
Antero Paes de Barros, Romeu Tuma.
Publicação
Publicação no DSF de 13/05/2005 - Página 14498
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA. POLITICA SALARIAL. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • CRITICA, GOVERNO FEDERAL, OMISSÃO, DEBATE, DEMOCRACIA, REUNIÃO, CHEFE DE ESTADO, AMERICA DO SUL, PAISES ARABES, PROTESTO, DOCUMENTO, RESULTADO, ENCONTRO, REPUDIO, FALTA, DECISÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, RETROCESSÃO, APOIO, DITADURA.
  • SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, O ESTADO DE S.PAULO, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), O GLOBO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), CORREIO BRAZILIENSE, DISTRITO FEDERAL (DF), CRITICA, ENCONTRO, CHEFE DE ESTADO, AMERICA DO SUL, PAISES ARABES.
  • REPUDIO, INTERFERENCIA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, AUTONOMIA, LEGISLATIVO, VETO (VET), PROJETO DE LEI, REAJUSTE, SALARIO, SERVIDOR, CONGRESSO NACIONAL, TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO (TCU).
  • PROTESTO, DESRESPEITO, GOVERNO, TRATAMENTO, ALDO REBELO, MINISTRO DE ESTADO, SECRETARIA DE COORDENAÇÃO POLITICA E ASSUNTOS INSTITUCIONAIS.

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores,

Abril de 1964 - Pela força das armas, a democracia no Brasil foi substituída pelo regime discricionário. Foram 22 anos sem democracia, restaurada ela própria pela vontade do povo brasileiro, de parlamentares e de lideranças sindicais, entre as quais Luiz Inácio Lula da Silva.

Maio de 2005 - O mesmo líder sindical de tantas lutas e hoje Presidente da República reúne-se com ditadores - não é isso que condeno - na Cúpula América do Sul/Países Árabes e consente em omitir a palavra democracia dos debates. É isso precisamente o que me disponho a criticar desta tribuna.

Longe daquele democrata da resistência, para Lula a democracia já não é um conceito absoluto. Em seu novo mundo virtual, democracia deixou de ser o conceito máximo. Há outros com os quais ele convive. E muito bem, por sinal.

Brasil democrático - O Brasil democrático, queira ou não o Presidente Lula, continuará existindo sempre e por todo o sempre. E este - que se reafirme - não é um País virtual, é o Brasil real.

Aqui, continuamos a considerar a democracia como um valor absoluto. Não apenas para as oposições.

A democracia permanece como realidade também entre petistas que conservam a crença que Lula agora descarta.

“Falar em democracia é sempre bom”, observou o Presidente da Comissão de Relações Exteriores, Senador Cristovam Buarque, ilustre representante do PT do Distrito Federal.

O cartapácio, como está sendo apelidado o documento final da chamada Carta de Brasília, deixou de fora a defesa da liberdade política, da própria democracia. Essa é a realidade que assusta o povo brasileiro.

Como diz o jornal O Globo desta quinta-feira, democracia não coube no papel.

Se Lula quisesse, democracia caberia, sim, no calhamaço. Só que ele, Lula, não quis ou não teve vontade. E com que alegação! Pasme o País: “Seria falta de democracia se tentássemos, num documento plural, definir o conceito de democracia sem respeitar o direito dos outros.”

O Presidente da República reconhece em outros o direito de não quererem a democracia para os seus povos.

Direito? Deus do céu, que direito é esse? O de não pregar a democracia? Será esse o novo conceito de Lula, aquele mesmo intransigente defensor das liberdades de um tempo em que era líder sindical?

Como bem lembrou Clóvis Brigagão, da Universidade Cândido Mendes, “essa é uma desculpa amarela. Lula sabe muito bem o que é democracia. Até na luta sindical ele aprendeu sobre isso. E o povo brasileiro outorgou-lhe um mandato democrático”.

É esse o mesmo Lula que sonha com um segundo mandato presidencial?

Sem democracia não, Sr. Presidente! Nem que a vaca tussa.

Que saiba o Presidente: chega a ser imaginação delirante supor que as urnas aceitam repor quem se coloca diante do voto como aspirante a algo parecido com um faz-de-conta. A tibieza com que o Presidente conduziu a Cúpula coloca-o num autêntico mundo da “fantasia, o mundo do Faz-de-conta que sou democrata”.

Tibieza sim. Fragilidade, fraqueza, debilidade, frouxidão, indolência. Tudo isso se aplica como uma luva sob medida ao atual Presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva.

Tibieza ao se apresentar com a mais incrível condescendência, transigindo ao menor uivo dos ditadores que o acompanharam na Cúpula:

“Colocamos o que foi possível no documento” (diz o Presidente) “Nem sempre o que você pensa é colocado, e sim o consenso” (arremata o mesmo Presidente da República).

Bem traduzida, a postura do Presidente do Brasil é um lamentável retrocesso. Agora, já se sabe que para Lula, “Democracia nem sempre. Só se houver consenso”.

Aqui, neste País, o Brasil real - relembre-se - o consenso é uno. Não foi à toa que lutamos pela restauração das liberdades, da democracia, a mesma democracia que permitiu a sua eleição, Senhor Presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O Brasil, ao se sentir vítima da opressão, lutou pelas franquias democráticas. Foi um País capaz e nosso desejo é que assim permaneça.

Pela democracia, o povo foi às ruas, em campanhas que jamais serão esquecidas. Hoje, somos um povo que respira democracia e não queremos que este conceito, para nós de valor absoluto sim, seja descartado pela tibieza.

Que fique o aviso: o Brasil de hoje já não aceita retrocesso. Por isso, um dia, há pouco mais de dois anos e meio, o povo foi às urnas e elegeu Lula.

Nem de longe, o povo que escolheu o atual Presidente suspeitava que fazia opção por um fraco. Por um tépido sem entusiasmo, lânguido e pouco afeito à tarefa de governar.

Lula portou-se, sim, como um fraco ao abrir mão de reafirmar a democracia, cedendo à vontade, que se mostrou superior, de ditadores que vieram a Brasília.

Ao ser eleito, é bom lembrar e insistir, Lula converteu-se, pela vontade popular, na figura em quem se depositavam mil esperanças. Essas esperanças começam a fenecer, e assim vai falecendo a esperança de uma recuperação do atual Governo.

Não queremos o malogro do Governo Lula, mas, se ele tiver que fracassar, que o faça sozinho. Não tente levar a democracia junto!

Sr. Presidente, peço inscrição nos Anais da Casa da matéria de hoje do jornal O Estado de S. Paulo: “O Balanço Final da Cúpula”; artigo do jornalista Merval Pereira de hoje: “Alto Risco Político”; do mesmo modo, matéria do jornal O Globo: “Democracia não Coube no Papel”; Folha de S.Paulo de hoje, “Brasil ‘importou guerra’, diz Confederação Israelita”; Folha de S.Paulo de hoje: “Chávez dz que é vítima de terror dos Estados Unidos”; Folha de S.Paulo de hoje: “Cúpula das Árabias”; Correio Braziliense de hoje: “Cúpula Consolida Discurso Anti-EUA”; “Foi uma Estudantada”, primeira página deste jornal de hoje; Correio Braziliense de hoje, “A Grande Cartada”, com a frase do Presidente Lula, que logo depois foi desmentida, dizendo que a “cúpula tem o sabor da construção de um alicerce (...) para dar sustentação a um monumento de relações internacionais”. Uma frase vazia, escrita por um daqueles ghost writers, que, no final, engoda o Presidente Lula, mas não uma pessoa efetivamente preparada.

            A frase não quer dizer nada. Eu repito a frase: “Esta cúpula tem o sabor da construção de um alicerce para dar sustentação a um monumento de relações internacionais”. O que quer dizer isso? Será que alguém me traduz isso em alguma língua? O que quer dizer isso? Agora eu entendo muito bem o que diz o 1º Ministro da Síria, uma ditadura sanguinária. Diz ele: “A mensagem desta Cúpula está dirigida aos Estados Unidos, que devem aprender, de uma vez por todas, a escutar a voz dos países do Sul e a estarem atentos ao que o mundo diz”.

É o que diz o 1º Ministro da Síria, muito mais claro do que Lula.

Sr. Presidente, no tempo de que ainda disponho, gostaria de abordar dois temas mais. O primeiro é a atitude arbitrária de intromissão nos assuntos do Legislativo. Não estou discutindo aqui se é justo ou se não é justo, mas foi aprovado pelo Plenário do Senado, por unanimidade, o aumento dos vencimentos para os servidores da Casa. E o Presidente Lula vai e veta, veta como se ele pudesse fazer isso dentro das suas atribuições de quem comanda o Executivo, de quem não comanda o Judiciário e de quem não comanda o Legislativo.

Concedo um aparte ao Senador Antero Paes de Barros e, em seguida, ao Senador Romeu Tuma.

O Sr. Romeu Tuma (PFL - SP) - Estava prestando muita atenção a sua exposição anterior ao aumento e não ia interferir porque V. Exª seguiu uma linha de observação, que durante todos esses dias tem encaminhado com muita inteligência e com sua experiência de diplomata. Mas a questão do aumento e do veto choca um pouquinho, porque penso que é um desrespeito ao Congresso Nacional, até porque o aumento foi concedido pela Mesa anterior - e hoje falávamos com o Presidente Renan - e o Supremo Tribunal Federal negou provimento ao aumento, exigindo que fosse a Plenário. Então, ele não invalidou o aumento, mas achou que havia mais uma instância ainda a ser passada. Veio a Plenário, nesta gestão, e foi aprovado. De forma que penso ser o veto intempestivo e temos que reconsiderá-lo dentro do Poder Legislativo. Desculpe-me por interrompê-lo.

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM) - A meu ver, em nome da autonomia do Legislativo, pedir uma sessão do Congresso, reunir o Congresso e derrubar o veto presidencial!

Concedo a palavra ao Senador Antero Paes de Barros.

O Sr. Antero Paes de Barros (PSDB - MT) - O Presidente Lula faz uma conferência internacional e não tem apreço pela questão democrática. Aqui, internamente, isso é desrespeitoso com a autonomia, com a independência e com a harmonia dos Poderes. Esse projeto foi votado aqui por unanimidade. Eu conversava há pouco na Mesa e recebi uma informação. Quem foi o Relator do aumento? Foi o Líder do Governo Aloizio Mercadante, que agora diz que vai até à Justiça para evitar o aumento. Quer dizer, a ameaça desse chavismo que vem aí é no sentido de que vai até à Justiça se o Congresso brasileiro derrubar o veto. Alto lá! O Lula quer derrotar quem? Quer derrotar Montesquieu? Quer diminuir o Congresso brasileiro? Ou quer encontrar uma justificativa para o que não tem, de não honrar sua palavra com os militares? Este Governo é um erro atrás do outro e agora ele pisoteia sobre a autonomia do Poder Legislativo.

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM) - Senador Antero de Barros, para que o povo brasileiro compreenda bem: se se tratasse de funcionários públicos federais, o Presidente poderia, sim, vetar. Em se tratando de funcionários do Legislativo, nós podemos ser condenados eventualmente pelo Tribunal de Contas da União, ou pela opinião pública, ou por analistas econômicos, mas não há direito, não há legalidade na atitude do Presidente de se intrometer em algo que é da economia interna do Legislativo. Portanto, fica aqui o nosso repúdio.

Concluo, dizendo que tenho ainda um outro assunto a tratar, um terceiro assunto. Imagino a posição do PMDB, parceiro de um Governo que não respeita o PCdoB, que acompanhou Lula em tantas derrotas. Eu imagino a posição do PTB, do PP. Eu imagino a posição de todos esses Partidos que são recém-chegados ao círculo lulista.

O tratamento, Sr. Presidente Tião Viana, que este Governo dispensa a essa figura digna, decente, que é o Ministro Aldo Rebelo, é torpe e baixo, sob qualquer ângulo de análise. Alguém altivo, como é altivo Aldo Rebelo - conheço Aldo Rebelo, sou seu amigo, seu adversário, seu admirador -, que poderia muito bem, a essa altura, ter explodido e criado problema político enorme para o Governo, alguém que demonstra a capacidade de sofrer tamanho percalço pessoal para se manter fiel a um projeto, esse alguém deveria ser prestigiado por um Governo que não reconhece a figura da lealdade, não reconhece a figura da parceria legítima, não conhece o respeito pelos companheiros. Estão fazendo com o Deputado e Ministro Aldo Rebelo algo que para mim define o Governo do ponto de vista humano: daqui para frente eu não espero dessa gente mais nada!

Está faltando agora mesmo entregarem para o Sr. José Dirceu a coordenação política e com toda a autonomia. Se ele quiser, pode restaurar até seus antigos aliados que foram postos para fora do Governo sob acusações pesadas de corrupção, gente instalada no 4º andar do Palácio do Planalto.

Não quero me intrometer na economia interna do Governo. Quero dizer apenas que é torturante ver alguém como Aldo Rebelo submetido a esse transtorno.

Eu, sinceramente, me sinto de cabeça erguida em relação a esse brasileiro. Sempre fui adversário - e duro - do grande Deputado e hoje Ministro. Mas espero poder conservar, ao longo da minha vida pública inteira, o respeito familiar, pessoal, político que sempre mantive por ele e que ele sempre manteve por mim, mas espero poder conservar, ao longo de toda a minha vida pública, o respeito familiar, pessoal, político que sempre mantive por ele e que ele sempre manteve por mim, até porque o confronto comigo é claro: quem está de um lado que não é o meu está contra mim e eu enfrento.

O subterfúgio, a traição, a negaça, a tergiversação são as marcas de um Governo que não respeita seus companheiros, repito, companheiro que acompanhou Lula em três batalhas em que foram derrotados e que, na vitória, é tratado desse jeito. Alguém que nem de leve passa por sua cabeça a arte malsinada da fisiologia, que tem como dever ser probo, talvez por ser decente, ter palavra, ser fiel e ser leal, está pagando por tudo isso.

O PSDB se solidariza com o Ministro e Deputado. S. Exª é Ministro hoje; amanhã pode não ser. Eu já fui Ministro, não sei se volto um dia, não preciso voltar. O Senador Pedro Simon já foi Ministro, o Senador José Sarney já foi Presidente, talvez não seja mais. Tudo passa. Ex-Ministro amanhã, Aldo Rebelo, figura sempre decente não merecia ser tratado por um Governo que é menos decente do que ele da maneira indigna, torpe e desqualificada como está sendo mostrado aos olhos da Nação brasileira.

Era o que eu tinha a dizer.

Peço a V. Exª que insira nos Anais matéria que trago.

 

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DOCUMENTOS A QUE SE REFERE O SR. SENADOR ARTHUR VIRGÍLIO EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inseridos nos termos do art. 210, inciso I e § 2º, do Regimento Interno.)

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Matérias referidas:

Chávez diz que é vítima de terror dos EUA (Folha de S.Paulo)

Cúpula consolida discurso anti-EUA (manchete do Correio Braziliense)

Cúpula em Brasília (Mundo, Tema do Dia do Correio Braziliense)

A grande cartada (Correio Braziliense)

Brasil “importou guerra”, diz Confederação Israelita (Folha de S.Paulo)

Cúpula das arábias (Folha de S.Paulo).

O balanço final da Cúpula (O Estado de S.Paulo)

Alto risco político (O Globo).

Democracia não coube no papel (Manchete de O País).


Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/05/2005 - Página 14498