Discurso durante a 64ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Louvor à homenagem prestada ao Bispo D.Luciano Neves, realizada pela Câmara dos Deputados.

Autor
Cristovam Buarque (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. ESTADO DEMOCRATICO.:
  • Louvor à homenagem prestada ao Bispo D.Luciano Neves, realizada pela Câmara dos Deputados.
Aparteantes
Heráclito Fortes, Jefferson Peres.
Publicação
Publicação no DSF de 20/05/2005 - Página 15816
Assunto
Outros > HOMENAGEM. ESTADO DEMOCRATICO.
Indexação
  • CONGRATULAÇÕES, CAMARA DOS DEPUTADOS, HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE NASCIMENTO, ARCEBISPO, MUNICIPIO, MARIANA (MG), ESTADO DE MINAS GERAIS (MG).
  • HOMENAGEM, CANDIDO MENDES DE ALMEIDA, PROFESSOR, INTELECTUAL, ESCOLHA, PERIODICO, PAIS ESTRANGEIRO, FRANÇA, REPRESENTANTE, PENSAMENTO, MUNDO, AMBITO, ASSISTENCIA SOCIAL.
  • ANALISE, NECESSIDADE, DESENVOLVIMENTO ECONOMICO, CUMPRIMENTO, PROMESSA, CAMPANHA ELEITORAL, REFORMULAÇÃO, NATUREZA SOCIAL, AUSENCIA, CORRUPÇÃO, GOVERNO, OBJETIVO, MANUTENÇÃO, DEMOCRACIA.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, creio que devemos sempre discutir os temas centrais do momento, mas hoje venho falar de um assunto que não tem muito a ver com o que temos discutido nos últimos dois dias, nesta Casa. Como é necessário debatê-lo também, eu lhe destinarei um pouco do meu tempo.

Venho falar de uma homenagem que a Câmara dos Deputados fez, em meio a tanta confusão, ao Arcebispo Dom Luciano Mendes de Almeida. Dom Luciano Mendes de Almeida é uma das figuras mais respeitáveis deste País e mereceu daquela Casa a homenagem pelos seus 75 anos. Ele mostrou, em sua vida, até hoje, como é possível defender os interesses do povo brasileiro, das camadas mais simples, dentro da Igreja Católica, enfrentando, às vezes, autoridades superiores a ele.

Devo dizer que me orgulhou estar junto dele nessa homenagem e ver ao seu lado - é importante mencionar também - o irmão Cândido Mendes. Por que, Sr. Presidente? Uma revista francesa, chamada Nouvel Observateur, fez, recentemente, uma matéria de capa sobre as 25 personalidades que representam hoje um pensamento novo no mundo. Escolheu um único brasileiro, que foi o Professor Cândido Mendes.

É importante saber por que Cândido Mendes merece ser reconhecido, na França, como um dos 25 grandes pensadores deste momento, na área social. Algum tempo atrás, um egípcio, professor, dizia-me por que, nos anos 70, olhava para cá, quando queria inspiração. Olhava para Josué de Castro, Darcy Ribeiro, Celso Furtado, Roberto Campos, não apenas nomes de esquerda, buscando inspiração. Ele falava: não encontro mais inspiração em nenhum dos intelectuais brasileiros. Para mim, por contraditório que seja, o motivo é o de que a universidade aprisionou o pensamento. De tanto formar profissionais, não pensa mais pensadores; de tanto oferecer doutorados, não forma mais intelectuais capazes de pensar alternativas para os problemas que aparecem. Assim, procuramos soluções e pensamentos dentro do marco vigente e não dentro de uma alternativa radical.

Por que, Sr. Presidente, trago essa homenagem a Dom Luciano e ao Professor Cândido Mendes? Por algo que tem tudo a ver com hoje em dia: o primeiro, por meio de uma militância séria e ética, consegue cumprir seu papel político ao lado do religioso; o outro, ao lado de uma heterodoxia que rompe com o dia-a-dia do pensamento da universidade, consegue pensar alternativas que vão mais longe do que os que vêem perto.

E nós, Senador Mão Santa, Senador Jefferson Péres, Sr. Presidente, nesta Casa, estamos prisioneiros do dia-a-dia, sem pensarmos o médio e o longo prazo do Brasil. Estamos tão prisioneiros de noticiários, tão prisioneiros daquilo para o qual votamos “sim” ou “não”, como o fizemos ontem, que não pensamos que o Brasil vive um problema mais profundo do que a falta de coordenação política. Vivemos, sim, a falta de aglutinação política do Brasil.

O Senador Jefferson Péres e também o Senador Marco Maciel também têm falado muito na necessidade de refundarmos a República. Acho que estamos perdidos no dia-a-dia, discutindo a superficialidade de uma crise seriíssima, porque às vezes o superficial é sério, mas deixamos de discutir o mais profundo dos nossos problemas.

Este ano completamos 20 anos de democracia. Nesses 20 anos, qual foi a resposta que demos ao povo, para justificar a existência de uma democracia, além da necessária liberdade de que precisamos aqui? A liberdade é uma condição fundamental à democracia, mas não é condição suficiente. Não adianta, nem sobrevive a democracia que não for capaz de dar respostas aos problemas do povo. E não resiste democracia cujo governo não tiver a legitimidade de cumprir algumas condições.

A primeira condição é a de manter a economia funcionando. E o Governo do Partido dos Trabalhadores, do meu Partido, a meu ver, com todas as dificuldades, está cumprindo esse lado. E sempre defendi essa posição do Governo, inclusive aquelas mais polêmicas e impopulares, no que se refere à política econômica. Mas existem mais três condições.

A segunda, é cumprir as promessas assumidas na campanha. Aí cometemos algumas falhas: ou porque o Governo não as cumpre ou porque não explica por que não cumpre. O povo vai ficando impaciente diante de promessas não-cumpridas.

A terceira condição é a de fazer as reformas sociais que o nosso País precisa. Quando vemos problema arrebentando na Bolívia, no Equador, na Argentina há algum tempo, é preciso ouvir o aviso que vem das calles desses países. O aviso de que o povo não espera eternamente, diante do show democrático dos políticos, se não houver uma mudança concreta na realidade das condições de vida. E não estamos fazendo essas reformas.

A quarta, é passar com clareza a idéia de que somos governos honestos. A corrupção não apenas deteriora o governo, mas transforma a impaciência do povo em rebeldia, e a rebeldia, em revolução. E, às vezes, sem esperar, acordamos num clima de conturbação. Esse clima, nos últimos tempos, tem surgido, em nosso continente, não contra o Governo, nem contra a Oposição: contra todos, e esse é o perigo para o qual precisamos acordar no Brasil. O slogan na Bolívia, no Equador e na Argentina era “que se vayan todos” (em espanhol), ou seja, que não fique nenhum; é o que se dizia nesses países. Não faziam diferença entre situação e oposição.

Esse, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, caros colegas, é um risco que podemos estar começando a viver. O povo está impaciente, nas ruas, com aquelas quatro condições necessárias para manter a democracia funcionando: as reformas, a clareza de honestidade, o cumprimento de compromissos de campanha e o funcionamento correto da economia.

Passo a palavra ao Senador Jefferson Péres, que citei, lembrando que S. Exª vem sendo, ao lado do Senador Marco Maciel - e coloco-me junto a S. Exªs também -, um defensor desta idéia da refundação da República brasileira.

O Sr. Jefferson Péres (PDT - AM) - Senador Cristovam Buarque, parabéns pela sua tentativa de elevar o debate neste Senado. Além da corrupção generalizada, preocupa-me muito a mediocrização da vida pública brasileira, inclusive no Parlamento. A política está-se restringindo a uma luta pelo poder, pela conquista e pela manutenção do poder, com o patrimonialismo predominante, com os Governos, o passado e o atual, reféns do fisiologismo do Congresso, sem um projeto de nação, sem rumo e sem prumo. Aquilo que V. Exª chama de refundação da República seria, talvez, até a fundação da República, que foi proclamada e nunca realmente implantada. E digo República no sentido de um país onde se implante a cidadania e onde haja uma disputa entre forças políticas com diferentes visões do país, com diferentes programas, visando ao melhor para todos, com uma sociedade efetivamente participativa, integrada e cidadã. Neste País, infelizmente, ainda predomina uma mentalidade, uma cultura de casa grande e senzala. Na verdade, é a casa grande integrada por patrimonialistas que olham a coisa pública apenas para tirar proveito para si, para seus correligionários, para seus conterrâneos, para seus parentes - nada mais do que isso. A grande massa fica amorfa, excluída, e a elite política fica sem projeto para resgatar isso. Lamento que o que estamos tentando fazer - V. Exª, eu e outros - não repercuta e não tenha conseqüência.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PT - DF) - Obrigado, Senador Jefferson Peres. Acredito que houve uma piora: antes era casa grande e senzala; agora é condomínio e ponte. Escravo não vivia debaixo de ponte - só os que fugiam; eles viviam na senzala. E eram bem perto as senzalas das casas grandes; agora, afastamo-nos. Mas, em vez de refundação, como eu disse, e de fundação, como disse V. Exª, talvez seja completamento da República.

Quero completar o meu discurso, Sr. Presidente, como eu o comecei. Iniciei citando duas pessoas: Cândido Mendes e Luciano Mendes de Almeida, dois aristocratas de origem, mas duas figuram que honram o Brasil e que mostraram que temos como fazer para construir a República, que não foi construída ainda.

Nos 35 segundos que me faltam, trago uma sugestão, Sr. Presidente, para que o Presidente Renan Calheiros nos convide um dia para sairmos dessas discussões do dia-a-dia e fazermos uma pergunta entre nós: para onde nós, líderes brasileiros, queremos levar este País? Onde queremos definir que esteja o Brasil em 2022, quando estivermos completando o segundo centenário da República?

O Sr. Heráclito Fortes (PFL - PI) - V. Exª me permite um aparte?

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PT - DF) - Com o maior prazer, eu lhe concederei o aparte se o Presidente ceder...

O Sr. Heráclito Fortes (PFL - PI) - S. Exª já deu o sinal, democrata que é. V. Exª fez um discurso extraordinário, de um sentimento suprapartidário, de quem busca, desesperadamente, caminhos para a solução desse impasse que começamos a enfrentar e que nos pode levar a um despenhadeiro. Temos todos de rezar para que isso não aconteça. Sobre a comparação de casa grande e senzala, ponte e condomínio, se V. Exª abrir os jornais de hoje, verá um diálogo fantástico, ocorrido entre os dois Líderes do Partido de V. Exª na casa do Senador Luiz Otávio anteontem. O Senador Mercadante, que, além de economista, é sociólogo, conhecedor das coisas da vida, disse que o que estava acontecendo no Brasil era exatamente o movimento das elites querendo derrubar o Governo. E o Senador Delcídio, homem de pé no chão, conhecedor do Brasil de norte a sul, responde que a elite somos nós, que basta procurar os caminhos, reconhecendo a posição de cada um. Esse diálogo é fantástico nesse momento, porque serve, inclusive, para que cada um de nós, que temos responsabilidade, no Legislativo e no Executivo, façamos um exame de consciência sobre o que somos e o que queremos ser.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - O diálogo não é fantástico, mas qualificado.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PT - DF) - Sr. Presidente, peço-lhe permissão apenas para responder ao Senador Heráclito Fortes.

Senador Heráclito Fortes, pensei que V. Exª iria me perguntar se eu estava de acordo com a afirmação de que a elite quer derrubar o Governo e eu já tinha preparado a resposta: “Não precisa”. Essa resposta está dentro da linha do que fala o Senador Delcídio Amaral. Isso não é preciso, porque hoje o nosso Governo faz parte dessa elite. Mas não fazia mal ser parte da elite, desde que olhasse para como resolver os problemas do povo.

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PT - DF) - Joaquim Nabuco fazia parte da elite, mas conseguiu trazer para esta Casa a possibilidade de abolir a escravidão. Não faz mal que o Partido dos Trabalhadores seja da elite dos trabalhadores, como nós somos. Não somos do povo, mas podíamos, sim, elaborar um projeto de completar a abolição e a República.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/05/2005 - Página 15816