Discurso durante a 76ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Análise de pesquisa sobre o Governo Lula, publicada no jornal Folha de S.Paulo. A necessidade da instalação de CPI para apurar denúncias de corrupção no governo.

Autor
Cristovam Buarque (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. POLITICA PARTIDARIA.:
  • Análise de pesquisa sobre o Governo Lula, publicada no jornal Folha de S.Paulo. A necessidade da instalação de CPI para apurar denúncias de corrupção no governo.
Publicação
Publicação no DSF de 07/06/2005 - Página 17929
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. POLITICA PARTIDARIA.
Indexação
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), PESQUISA, APROVAÇÃO, POPULAÇÃO, ATUAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA.
  • ANALISE, ATUAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, FAVORECIMENTO, BANQUEIRO, EMPRESARIO, EXPORTADOR, INDUSTRIA AUTOMOBILISTICA, PREJUIZO, SERVIDOR, SETOR PUBLICO, MILITAR, PROFESSOR, MEMBROS, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT).
  • CRITICA, ATUAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, ASSISTENCIA SOCIAL, EDUCAÇÃO, ACUSAÇÃO, INEFICACIA, ATENDIMENTO, EXPECTATIVA, POPULAÇÃO, MEMBROS, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT).
  • DEFESA, IMPLANTAÇÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR MISTA DE INQUERITO, INVESTIGAÇÃO, DENUNCIA, CORRUPÇÃO, EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELEGRAFOS (ECT), PRESERVAÇÃO, LEGITIMIDADE, GOVERNO, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), REPUTAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, vim falar de uma pesquisa publicada ontem na Folha de S.Paulo, a qual tentarei analisar sob uma ótica diferente.

As pessoas analisaram a pesquisa em função da aprovação ou da desaprovação, de tendência de aprovação ou de desaprovação, do Governo do Presidente Lula. Vim analisá-la sob outra ótica. Vim analisá-la no sentido de observar o humor da população brasileira: quem está contente e quem está descontente nesses últimos dois anos e meio na República brasileira. Ao mesmo tempo, quero perguntar por que uns estão contentes e outros descontentes.

Sabemos que estão contentes aqueles que estão conseguindo aumentar de forma substancial as exportações. Portanto, os exportadores estão contentes. Estão contentes, sem dúvida alguma, os banqueiros no Brasil. Os donos do capital financeiro têm toda a razão para estarem contentes. Estão contentes os produtores de automóveis, não apenas porque aumentaram sua produção, mas porque aumentaram a fatia da produção que vai para o mercado internacional. É claro que estão contentes aqueles que defendem uma política externa independente do Presidente Lula. Estão contentes, também, os que têm conseguido aumentar a exportação de madeira neste País. 

No entanto, é importante tentar analisar quem está descontente no Brasil de hoje. Estão descontentes, sem dúvida nenhuma, os servidores públicos civis. Estão descontentes os servidores públicos militares. Estão descontentes os professores. Estão descontentes os profissionais liberais. Estão descontentes todos aqueles que não se conformam com o noticiário sistemático sobre formas diferentes de corrupção, que nos surpreendem a cada dia, não apenas pela ousadia, mas pelo tipo diferente de fazer corrupção. Estão descontentes os militantes do Partido dos Trabalhadores. Senador Paulo Paim, esta é uma constatação que precisamos fazer: a militância do Partido dos Trabalhadores não está contente.

Um contingente da população está descontente sem saber, porque se satisfaz com migalhas, sem perceber que, a longo prazo, o destino deles não vai mudar. Por exemplo, é claro que estão descontentes, sem saber, os que recebem o Programa Bolsa Família. Eles não sabem que estão descontentes, porque, no presente, há um benefício para eles, mas, no longo prazo, nenhuma mudança virá de um programa de transferência de renda que não for vinculado a um programa educacional. Estão descontentes, sem saber, aqueles milhões de brasileiros que não foram alfabetizados nesse período.

Sr. Presidente, Senador Tião Viana, se o programa Brasil Alfabetizado, iniciado em 2003, tivesse continuado neste mês de julho completaríamos dez milhões de brasileiros ou alfabetizados ou em processo de alfabetização.Esses não estão descontentes porque não sabem disso.

Mas o que mais interessa, Sr. Presidente, nessa conversa é a percepção de que trocaram os sinais entre contentes e descontentes, de acordo com que esperávamos do nosso Governo.

Esperávamos que estivessem contentes os professores, os servidores públicos, os servidores militares; que estivessem contentes as crianças na escola, que teria melhorado. Esperávamos que estivessem talvez até descontentes - melhor que continuassem contentes eles também - os banqueiros, que há tanto tempo têm uma participação tão alta na renda nacional. Esperávamos que estivessem descontentes, embora fosse melhor que eles também estivessem contentes, os produtores de bens de luxo no País. Mas eles estão contentes.

Houve uma troca de sinais no humor em relação à expectativa que tínhamos nesse período do nosso Governo. É claro que há aqueles que têm razão de estar contentes, pois analisam e percebem que o Governo Lula mantém a estabilidade monetária, que poderia ser um descontentamento muito mais trágico para todos nós.

Mas quero chamar a atenção, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, para um grupo especial de descontentes, que, se continuarem descontentes por muito tempo, teremos a perda da esperança no Brasil. Os companheiros do Partido dos Trabalhadores e de outros Partidos da Base de Apoio na Esquerda, não a base de apoio - de que precisamos - de Direita, circunstancial base de apoio.

Falo daqueles que sonharam, que carregaram bandeiras, que acreditaram, que lutaram e que, de repente, sentem hoje uma frustração e um profundo descontentamento. É trágico perceber que os contentes são aqueles que esperávamos iam ficar descontentes e descontentes são aqueles que esperávamos seriam os contentes.

As últimas notícias - que eu acredito não são verdadeiras e que vamos provar isso - geraram uma crise profunda no humor e na crença das bases dos militantes do Partido dos Trabalhadores. E se isso não for apurado rapidamente, esse humor, esse sofrimento, essa angústia ficarão permanentes e estaremos jogando, eu não diria no desespero, mas na descrença, quase uma milhão de jovens, sobretudo, brasileiros, militantes do Partido dos Trabalhadores.

A minha preocupação como brasileiro, não apenas como militante do Partido dos Trabalhadores, é sobretudo com essa quantidade de jovens que carregaram bandeiras, que acreditaram e que, hoje, talvez não estejam ainda estão desacreditando, mas estão perplexos, estão incomodados, estão impacientes, estão cheios de dúvidas sobre se é ou não verdade tudo aquilo que estamos a assistir, de saber quem são os contentes e quem são os descontentes, de saber que entre os descontentamentos o maior de todos é a possibilidade de que haja corrupção no nosso Governo.

Por isso, é preciso um esforço muito grande de dentro para fora do Partido, do Governo para a sociedade, no sentido de esclarecer tudo isso. E não há outro caminho hoje a não ser por meio da CPI.

Sou daqueles que tecnicamente acredita que, por princípio, é preciso apurar, não importa quem; daqueles que tecnicamente acreditam que o órgão mais competente é a Polícia Federal; mas sou daqueles que acreditam que, do ponto de vista político, ou é a CPI ou a militância e o povo brasileiro não vão acreditar. E se perdermos essa crença, quantas décadas mais necessitaremos, não para reeleger um governo nosso, porque isso nós conseguimos, mas para reconstruir um Partido que tanto esforço custou para ser feito?

O que está em jogo, hoje, é muito mais, Senadores Paulo Octávio e Paulo Paim, do que uma crise circunstancial do Governo. É uma crise institucional do descrédito com o Congresso, que aparece para a opinião pública como sendo uma casa que recebe “mensalão” e que ninguém aqui pense que está livre da imagem de que faz parte desses. Nenhum de nós, na opinião pública brasileira, está excluído. E, ao mesmo tempo, o descrédito nesta Casa, que é a base da democracia, e o descrédito nos Partidos - e preocupo-me especialmente pelo meu, o Partido dos Trabalhadores, não por ser melhor do que os outros, mas porque representava uma esperança que, hoje, está ameaçada. E temo que não haja consciência plena nos dirigentes partidários do Partido dos Trabalhadores, hoje, para perceberem essa crise.

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PT - DF) - Acho que tão concentrados estão eles em abafar, como se diz, a CPI; tão convictos estão de que não há nada e que por isso não precisam todos acreditarem que não há nada, que estão deixando de lado a chance de salvar um dos grandes patrimônios do Brasil, que é o Partido dos Trabalhadores, o maior patrimônio político que este País tem, que é o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Hoje, não se trata de salvar apenas o Governo Lula, trata-se de salvar o patrimônio que a democracia construiu nesses 20 anos, em torno do Presidente Lula, em torno de cada um de nós políticos deste País, em torno da crença da militância do Partido dos Trabalhadores.

Essa, Sr. Presidente, é a análise que fiz da pesquisa divulgada ontem pela Folha de S.Paulo, muito menos preocupado em quem é aprovado ou não e muito mais preocupado em quem acredita ou não, quem está contente e quem não está contente e essa surpresa de que os sinais se trocaram entre quem ficou contente e quem ficou descontente.

Era o eu que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/06/2005 - Página 17929