Discurso durante a 79ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reflexões sobre as questões ambientais, no transcurso do Dia Mundial do Meio Ambiente e da Ecologia.

Autor
Cristovam Buarque (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • Reflexões sobre as questões ambientais, no transcurso do Dia Mundial do Meio Ambiente e da Ecologia.
Publicação
Publicação no DSF de 10/06/2005 - Página 19332
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • COMEMORAÇÃO, DIA INTERNACIONAL, MEIO AMBIENTE, ANALISE, PROBLEMA, MUNDO, AUMENTO, DESIGUALDADE SOCIAL, CONCENTRAÇÃO DE RENDA, DESRESPEITO, NATUREZA, POLUIÇÃO, LIXO.
  • DEFESA, SOBERANIA NACIONAL, RECURSOS NATURAIS, ESPECIFICAÇÃO, FLORESTA AMAZONICA, RESPONSABILIDADE, COMPROMISSO, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL.
  • PROTESTO, FALTA, PROJETO, LONGO PRAZO, POLITICA DE DESENVOLVIMENTO, INFERIORIDADE, INVESTIMENTO, EDUCAÇÃO, SANEAMENTO BASICO, MINISTERIO DO MEIO AMBIENTE (MMA), QUESTIONAMENTO, PRIORIDADE, AGRICULTURA, EXPORTAÇÃO, SOJA, DESMATAMENTO, REGIÃO AMAZONICA, IMPORTANCIA, INCLUSÃO, DISCIPLINA, ENSINO FUNDAMENTAL, CAMPANHA EDUCACIONAL, PROTEÇÃO, MEIO AMBIENTE, AVALIAÇÃO, FRUSTRAÇÃO, ATUAÇÃO, GOVERNO BRASILEIRO, EXPECTATIVA, MELHORIA, PROVIDENCIA.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PT - DF. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o século XXI herdou do século XX um contencioso de questões de difícil resolução. Ao contrario do que se esperava, aumentou a disparidade entre ricos e pobres; cresceu a exclusão social; a paz não foi alcançada como uma condição estável e natural da humanidade; cada vez mais, menos pessoas detêm mais riqueza e consomem mais recursos da natureza; melhoramos a eficiência energética a partir da crise do petróleo da década de 1970, mas não aprendemos a valorizar as fontes renováveis de energia; seguimos sacrificando a natureza, em nome de um ideal de progresso que compromete as condições de vida das futuras gerações.

Desde o final da segunda guerra mundial muitos autores têm alertado sobre os riscos da adoção de práticas produtivas predatórias do meio natural. E alertaram também para a insanidade de se seguir na corrida armamentista que caracterizou a guerra fria. Hoje somos capazes de provocar destruição em grande escala e em pouco tempo, com um formidável arsenal bélico. Somos capazes de cobrir o planeta de lixo, resíduos de nosso perdulário consumismo. Ao mesmo tempo em que resolvemos desafios notáveis, como conquistar o espaço sideral, não resolvemos questões básicas, como o provimento de alimentação, educação, saúde e saneamento à metade da população do planeta.

Nesse dia mundial do meio ambiente convido meus nobres colegas, Sr. Presidente, a uma reflexão sobre nossa qualidade de vida, sobre a responsabilidade que temos no sentido de compatibilizar o desafio do desenvolvimento com o compromisso de legarmos às futuras gerações condições de vida e de existência melhores que as nossas. A persistirem os padrões atuais, sem duvida nosso legado será tenebroso. Fala-se hoje em crise da água no século XXI, como falava-se em crise energética no século XX.

O Brasil tem aparecido de forma recorrente no noticiário internacional como devastador da floresta amazônica. De fato, esse é um tema candente, que inspira inclusive teses exóticas, como a da internacionalização da Amazônia.

Certa vez, em debate público nos EUA, fui interrompido por um jovem, que argumentava sobre a incapacidade dos brasileiros em governar a Amazônia e me perguntava se eu concordava com uma gestão internacional da mesma. Minha resposta foi de que todos os grandes patrimônios da humanidade, não só a magnífica floresta tropical, mas também o Museu do Louvre, a estátua da Liberdade e outros grandes acervos deveriam ser internacionalizados. Mas enquanto isso não ocorre, que se deixasse a Amazônia sob nossa soberania.

Estou seguro de nossa capacidade em gerir nosso patrimônio natural, que é o capital de que dispomos para construir nosso futuro. Estou consciente de nossa responsabilidade em promover um projeto nacional de desenvolvimento que, diferentemente dos paises hoje enquadrados no primeiro mundo, se dê em bases sustentáveis. Não temos hoje o direito de depredar a natureza como o fizeram aqueles que hoje estão preocupados com nosso comportamento predatório. Mas não podemos renunciar a um projeto nacional de desenvolvimento sustentável.

Nesse dia mundial do meio ambiente, Sr. Presidente, quero chamar a atenção para o fato de que não estamos fazendo nosso dever de casa: não estamos pensando (nem muito menos implementando) um projeto nacional de desenvolvimento; e estamos persistindo em praticas econômicas e políticas que comprometem nossa capacidade de lançar mão de um projeto de longo prazo. Não estamos investindo devidamente em educação, condição essencial a qualquer estratégia de futuro, nem estamos protegendo nosso pródigo patrimônio natural. Ao contrario, estamos devorando de forma insana esse capital. Estamos devorando a galinha dos ovos de ouro.

Ao mesmo tempo em que aumentamos nossas exportações de soja, que serve para alimentar o gado em outras partes do mundo, não alimentamos satisfatoriamente nossa população. E praticamos uma espécie de dumping ambiental, ao permitirmos que a competitividade de nossas lavouras se dê em detrimento de degradação dos solos e dos recursos hídricos; e também estejamos praticando dumping social, com desconcertantes episódios de trabalho escravo.

Sr. Presidente, as notícias que vêm sendo veiculadas nos últimos dias não são muito otimistas, se pensamos em desenvolvimento sustentável.

Não é possível conviver com uma realidade que indica uma sucessão de equívocos por descaso, complacência ou omissão demonstrados pelos fatos a seguir:

1. Desmatamento recorde na Amazônia: entre 1º de agosto de 2003 e 1º de agosto de 2004, a floresta perdeu outros 26.130 quilômetros quadrados. A área é semelhante a do estado de Alagoas. O número é uma projeção do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) feita a partir de 103 imagens de satélite, cobrindo 93% da área onde se concentra a derrubada da floresta, na região do chamado Arco do Desflorestamento. Os estados que mais desmataram a Amazônia, foram Mato Grosso (20%) e Rondônia (23%) . De acordo com os dados do Inpe, Mato Grosso seria responsável por 48% do desmatamento no último período. Nesses mesmos três estados também estão os municípios que mais desmataram. Em Paranaíta, no Mato Grosso, o desflorestamento verificado cresceu 137%, passando de 88 para 209 quilômetros quadrados, enquanto que em Jacareacanga, no Pará, houve um incremento de 688% na derrubada da floresta em relação a 2003, passando de 15 para 118 quilômetros quadrados. É importante observar que novas áreas protegidas (Unidades de conservação) foram criadas no Pará e MT, este último apresentou as maiores taxas de desmatamento. Fica evidente que os governos (mesmo o atual) só sabem responder reativamente aos fatos (desmatamento por falta de ação de controle e fiscalização) criando áreas protegidas que, depois, não consegue proteger; mais importante do que apenas criar novas Unidades de Conservação seria criar condições para que se pudessem conservar tais unidades.

2. O principal problema ambiental no Brasil é decorrente da falta de saneamento. Segundo pesquisa do IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, mais da metade dos 5 mil 507 municípios brasileiros, existentes em 2000, não dispunha serviço de esgotamento sanitário. A falta de saneamento é responsável, inclusive, pelos altos índices de mortalidade infantil. Em 20% dos municípios do país (1.159) a cada mil crianças nascidas vivas, 40 morrem antes de completar um ano por contraírem doenças endêmicas. Os dados constam do suplemento sobre Meio Ambiente do Perfil dos 5.560 municípios, divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Para reforçar, a necessidade de adoção urgente de um plano emergencial para cuidar do saneamento nas nossas cidades, podemos citar um estudo recente feito pela Coordenação de Pós-graduação e Pesquisa em Engenharia da UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro, demonstrando que 68% das internações nos hospitais públicos são decorrentes de doenças provocadas por água contaminada. Tenho insistido há vários anos, desde que governei o DF, que é um direito legítimo de todos os brasileiros ter um "endereço limpo", que consiste de local para morar, com água, esgoto, coleta de lixo e acesso à educação, saúde e ao local de trabalho.

3. a imprensa tem noticiado os sucessivos cortes orçamentários do governo, que obedecem - apesar da dinâmica positiva de nossa economia - a compromisso de geração de superávit fiscal. Indiscriminadamente, são sacrificadas ações necessárias a um projeto de futuro para nosso país. É determinante um compromisso efetivo com o cumprimento da destinação dos recursos orçamentários para as ações ambientais. Lamentavelmente, não só o orçamento efetivamente desembolsado em 2004 tenha sido ínfimo, como também, tenha havido a determinação do Ministério da Fazenda de realizar um corte de 38% nos recursos do MMA, em especial da Secretaria de Recursos Hídricos (SRH) e da Agência Nacional de Águas (ANA). A decisão do governo compromete o objetivo do próprio governo de estender os serviços de abastecimento de água potável e saneamento para toda a população. [atenção: saneamento é da alçada do ministério das cidades.... que, aliás, também não está resolvendo o problema...]

4. Ao lado disto, é preciso cumprir a disposição para fazer valer, efetivamente, a legislação que obriga o ensino fundamental a introduzir em seu currículo conteúdos de educação ambiental. Educação é condição necessária à mudança de mentalidades. É só mudando mentalidades, que conseguiremos vencer a batalha do pela preservação do meio ambiente. Não dá para querer que tudo se resolva apenas enchendo uma Amazônia de fiscais... A educação para a sustentabilidade e a conscientização pública sobre as questões ambientais são essenciais. Sem um forte apoio educacional para uma mudança, baseado na escola pública e privada haverá poucas chances de se abandonarem realmente as atuais práticas contrárias ao desenvolvimento sustentável.

Conclusão:

Concluindo, Sr. Presidente, quero ressaltar que o Brasil embora tenha elaborado sua agenda 21 (dez anos depois de ter se comprometido, por ocasião da rio-92) ainda está muito longe de estar quites com a gigantesca dívida ambiental que acumulamos e que aumenta a cada ano.

O governo do Lula, que inspirou grande expectativa em matéria de avanços na área ambiental, tem sido frustrante. Apesar de termos como ministra do meio ambiente marina silva, ícone do ambientalismo mundial, estamos retrocedendo. As propostas de transversalidade lançadas por marina logo no inicio do governo, e que buscavam internalizar a questão ambiental em todos os vetores de ação governamental, estão sendo sufocadas. Isso se dá pela persistente prática de que os fatos consumados e a lógica do curto prazo ditados pela cultura tradicional dos órgãos setoriais de governo sempre prevalece sobre a visão de longo prazo, tão necessária ao desenvolvimento sustentável. Da mesma forma que na educação, cujos frutos só se colhem no longo prazo, a conservação do meio ambiente sempre acaba relegada a um nível de menor importância nas decisões governamentais. Esperava-se que este governo, de inspiração mais popular, rompesse com essa fatalidade que compromete um projeto nacional para o Brasil. Estamos, até aqui, frustrados. Nem a educação, nem o meio ambiente, parecem ser prioridades. Seguimos agindo como se os resultados econômicos de curso prazo, por si só, conduzissem a um futuro desejável de bem-estar.

Sr. Presidente, quero aqui registrar minha contrariedade diante do fato de não estarmos comemorando, nesse dia do meio ambiente, fatos e resultados positivos. Repudio o aumento do desmatamento na Amazônia e o fato de que lamentavelmente o estado chega sempre atrasado (quando chega) nos locais onde a irresponsabilidade de devastadores não está sendo regulada pelo poder público; repudio o fato de que seguimos apenas criando áreas protegidas, mesmo quando nem sequer conseguimos proteger as que já existem; repudio o desprezo com que o próprio governo trata a área ambiental, promovendo iniciativas que provocam degradação; repudio o fato de que ainda não é desta vez que estamos encarando a dívida com os muitos milhões de brasileiros que não têm sequer acesso à água e esgoto; repudio o fato de estarmos sacrificando a biografia da ministra marina silva, infringindo-lhe sucessivas derrotas frente ao imediatismo da razão econômica.

Enfim, Sr. Presidente, quero registrar que não temos motivos para comemorar o dia do meio ambiente. E mais, gostaria que esse governo, que é do meu partido, fosse, de fato, um marco de mudanças, de compromisso com causas tão incontestáveis como a educação e o meio ambiente. Gostaria de poder estar aqui a comemorar que no governo do pt todo dia é dia do meio ambiente. Lamentavelmente, estamos bem longe disso.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/06/2005 - Página 19332