Discurso durante a 80ª Sessão Especial, no Senado Federal

Comemoração do Dia Mundial pela Erradicação do Trabalho Infantil.

Autor
Cristovam Buarque (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. POLITICA SOCIAL. EDUCAÇÃO.:
  • Comemoração do Dia Mundial pela Erradicação do Trabalho Infantil.
Publicação
Publicação no DSF de 11/06/2005 - Página 19346
Assunto
Outros > HOMENAGEM. POLITICA SOCIAL. EDUCAÇÃO.
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA INTERNACIONAL, ERRADICAÇÃO, TRABALHO, INFANCIA.
  • REGISTRO, EFICACIA, PROGRAMA, ASSISTENCIA, SALARIO-FAMILIA, PERIODO, GESTÃO, ORADOR, GOVERNADOR, DISTRITO FEDERAL (DF).
  • NECESSIDADE, UNIÃO, PODERES CONSTITUCIONAIS, SOCIEDADE, AGILIZAÇÃO, ERRADICAÇÃO, TRABALHO, INFANCIA, SIMULTANEIDADE, INCENTIVO, EDUCAÇÃO, CRIANÇA.
  • IMPORTANCIA, CRIAÇÃO, LEGISLAÇÃO, RESPONSABILIDADE, EDUCAÇÃO, FIXAÇÃO, OBRIGATORIEDADE, PREFEITO, PRESTAÇÃO DE CONTAS, FUNCIONAMENTO, ESCOLA PUBLICA.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente Renan Calheiros, inicialmente, agradeço a V. Exª a presença por estar nesta manhã prestando esta homenagem a essas crianças que hoje trabalham no lugar de estudar. É preciso dizer aos que aqui estão que a sua presença é uma deferência, porque não seria normalmente, regimentalmente necessária. Agradeço bastante a V. Exª a presença e, em seu nome, cumprimento todos os que fazem parte da Mesa.

Encontram-se presentes hoje algumas crianças, mas algumas são especiais. Cito o nome, em primeiro lugar, de Virgílio, um menino que há dez anos tinha doze anos. Hoje está aqui como jovem. Ele dividia a sua infância entre as esporádicas idas à escola e o trabalho infantil nas ruas do Paranoá. Engraxou sapatos e fez trabalhos que deveriam ter sido feitos por adultos.

Aqui está também Jorge Luiz, morador do Paranoá, que há dez anos era um garoto de 14 anos que passava pelas mesmas agruras do Virgílio. Os dois foram vítimas do descaso, da indiferença e da perversidade com que a sociedade trata, complacentemente, o trabalho infantil urbano.

Aqui está também a Cristiane, que há cinco anos tinha treze anos. Todas as manhãs, sem tomar o café, com os pés descalços caminhava cinco quilômetros do casebre onde morava até a escola onde cursava a 6ª série, em Formosa.

Está também Mara, uma adolescente com 14 anos que, na época, cursava a 8ª série, mas, pressionada pelas necessidades de sobrevivência, foi obrigada a ingressar prematuramente na vida produtiva.

Hoje Virgílio é estudante do Terceiro Grau. Cursa o quarto semestre do curso de Segurança da Informação e é o gerente de tecnologia de uma empresa de informática. Jorge continuou estudando, cursou inglês e hoje é comissário de bordo de um jatinho da FAB, Força Aérea Brasileira, que serve aos Ministros em nosso Governo. Mara fez um curso de aperfeiçoamento em informática, trabalha hoje como secretária e é estudante de Pedagogia na Universidade Estadual de Goiás. Cristiane, hoje com 18 anos, está concluindo o ensino médio e prepara-se para o vestibular da Faculdade de Direito na Universidade Estadual de Goiás.

Esses quatro foram salvos do trabalho infantil graças ao Programa Bolsa Escola. Hoje estão aqui não como crianças, mas como pessoas que deram um salto, que saíram de um destino que provavelmente seria absolutamente marginal, salvo raras exceções obviamente, para um trabalho integrado, por meio dos estudos.

Isso se deve no Brasil, nos últimos anos, ao Governo ainda do Presidente Fernando Henrique Cardoso, ao Governo do Distrito Federal, que tive a honra de dirigir, aos diversos prefeitos e governadores do Brasil inteiro, que foram, pouco a pouco, implantando programas e transformando uma realidade trágica em uma realidade saudável para as crianças brasileiras. Lamentavelmente, o que estamos fazendo é devagar demais, e milhões estão se perdendo ainda por falta de uma ação mais rápida, mais efetiva.

Vejo pessoas que foram envolvidas nisso, como a Senadora Lúcia Vânia, como o meu amigo Osvaldo Russo, que, hoje, dirige o programa que cuida do Bolsa Família. Posso dizer que nós, ela, Russo, eu e outros que aqui estão, fazemos parte de um grupo que não assistiu calado à realidade vergonhosa do trabalho infantil e lutamos para que isso fosse superado. Mas não temos muito o que comemorar enquanto esse problema não for resolvido para a totalidade das crianças brasileiras.

Daqui, lutamos também pelas crianças de fora do Brasil. Hoje ainda são 250 milhões de crianças que trabalham no lugar de estudar, no mundo inteiro, um número que precisaria de programas que o Brasil mostra que funciona e de uma parcela mínima dos US$40 trilhões, que é a renda mundial. Ainda mais: bastariam apenas 13% do que os países pobres pagam, anualmente, sobre o conceito da dívida externa aos países ricos, aos seus bancos - 13% apenas -, para resolver, de uma vez por todas, essa coisa que vem do passado e que se perpetua no mundo de hoje chamada trabalho infantil.

Não podemos comemorar aquilo que fizemos, embora o tenhamos feito. Temos que ter a consciência de que estamos agindo contra o trabalho infantil com a mesma velocidade com que atuamos na luta contra a escravidão. Passamos 300 anos com a escravidão legitimada, aberta e permanente. De repente, começamos uma luta proibindo tráfico, depois houve a Lei do Ventre Livre e outra lei que permitia que os sexagenários fossem libertados. Foram 70 anos entre o começo da luta contra a escravidão e a sua conclusão, em 1888. Será que vamos esperar 70 anos entre o começo da ênfase na luta contra o trabalho infantil e a conclusão desse esforço? Não temos o direito de sacrificar três gerações que seriam aquelas que durariam 70 anos.

Há, sim, a possibilidade de esse assunto ser resolvido de uma maneira rápida se o Brasil inteiro se unir em torno dele, mas, lamentavelmente, ainda não estamos unidos. No Governo, a preocupação com o trabalho infantil está dispersa em quatro órgãos, sem falar no Ministério da Educação, que, por incrível que pareça, de acordo com a legislação brasileira, não tem relação com o trabalho infantil, pois só tem que se preocupar com aqueles que já estão na escola e não com aqueles que nela não entraram ainda.

Sugiro que o Presidente Lula - bastava Sua Excelência, mas talvez seja necessário ainda um Presidente - diga: trabalho infantil é inadmissível num país decente no século XXI. Em nome disso, o nosso Presidente, o Congresso e o Judiciário, todos juntos assumiríamos não apenas esses compromissos formais assinados todos os anos e não cumpridos, mas uma vontade ferrenha de resolver o problema. E se essa vontade vier, a primeira coisa que o Governo precisa fazer é definir um coordenador central incumbido de carregar com toda a força a solução do problema. Enquanto houver o Ministério do Trabalho preocupado em impedir que firam a lei que proíbe o trabalho infantil, querendo às vezes regularizar, às vezes proibir; enquanto houver o Ministério do Desenvolvimento Social financiando programas como o Bolsa-Família; enquanto houver o Ministério da Educação sem se envolver plenamente no assunto; enquanto tivermos isso disperso, o problema não será resolvido. O problema só será resolvido quando houver um encarregado neste País de resolver o problema do trabalho infantil.

Além disso, deve haver um prazo. Não é possível que continuemos trabalhando com todos os problemas do povo sem prazo para resolver: a alfabetização com programas e não com metas de erradicação do analfabetismo; o trabalho infantil com programas e não com metas para resolver o problema. No que se refere à economia, marcamos prazos e cumprimos, assim como ocorre na construção de uma represa, como Itaipu, que teve prazo para começar e para terminar, e havia os recursos necessários. Não há prazo para acabar com o trabalho infantil; não há prazo para acabar com o problema do analfabetismo de adultos; não há prazo para que todas as crianças recebam educação até o final do ensino médio.

O Governo Lula precisa, de imediato, definir que esta deve ser sua meta. No início, eu defendia que isso fosse para o primeiro mandato. Tenho dúvidas, agora, se será possível, em um ano e seis meses, fazê-lo, sobretudo iniciando o Programa de forma enfática apenas agora. Sua Excelência tem que tentar fazer isso com o nosso apoio.

O segundo ponto é vincularmos o fim do trabalho infantil à educação. Não basta retirar a criança do trabalho, jogando-a na ociosidade. Lugar de criança não é apenas fora do trabalho. Lugar de criança é na escola!

Para isso, é preciso que, na luta contra o trabalho infantil, o Presidente da República se decida a dar um passo que deixamos de dar, ou seja, voltar a federalizar a educação básica no Brasil. Criança é um problema, um fenômeno, uma necessidade nacional, e não municipal. Lamentavelmente, nas últimas décadas, estabeleceu-se que ensino universitário é uma questão federal e o básico, que diz respeito à criança, é uma questão municipal. A conseqüência está aí.

A diferença entre alguns Municípios ricos e pobres é de 30 vezes. Como deixar que uma criança participe, com o seu nascimento, de uma espécie de loteria? Se nascer em uma cidade, receberá boa educação; se nascer em outra, receberá educação de má qualidade. É preciso que o Governo Federal diga que educação básica é uma preocupação e uma responsabilidade da República brasileira, e não do Município A, B ou C.

Se fizermos isso, será fácil definir metas para cada um dos objetivos da educação, desde que, Sr. Presidente, complementemos com uma Lei de Responsabilidade Educacional no País.

Um dos grandes avanços da administração pública brasileira foi a Lei de Responsabilidade Fiscal, que apoiei desde o primeiro momento, iniciada no Governo anterior, pois não devemos ter Prefeitos irresponsáveis no Brasil. Mas por que não podemos ter Prefeitos irresponsáveis nas finanças e toleramos Prefeitos irresponsáveis na educação?

Vamos complementar a Lei de Responsabilidade Fiscal com uma Lei de Responsabilidade Educacional. Dessa forma, o Prefeito será obrigado a pagar aos bancos, mas também será obrigado a manter as bancas das escolas funcionando bem. Atualmente, um Prefeito que não paga aos bancos torna-se inelegível, mas um que fecha escolas continua elegível. Uma Lei de Responsabilidade Educacional que obrigue cada Prefeito, Governador e o Presidente da República a cumprir metas educacionais, ao lado da federalização da educação, permitiria não apenas retirar as crianças do trabalho, mas colocá-las também na escola, que é o lugar delas.

Olho para as crianças aqui presentes e penso: que bonito vê-las com seus uniformes, sabendo que estão protegidas! Por que não fazer isso com as outras crianças do Brasil? Foi com esse intuito, Sr. Presidente que eu e um grupo de Senadoras e Senadores, entre os quais vejo as Senadoras Heloísa Helena, Patrícia Saboya Gomes, Serys Slhessarenko, Fátima Cleide e os Senadores Paulo Paim e João Capiberibe, convocamos esta sessão a fim de que não passe desapercebida esta data em um País que não se conforma em ter dado o primeiro passo no Século XXI em tantas áreas e ter deixado um pé no Século XIX no que se refere ao trabalho infantil.

Ainda é tempo, Sr. Presidente. Temos a obrigação de fazer o nosso papel. Nesta sexta-feira, com um evento; nos próximos dias, com luta, com trabalho, a fim de que o Brasil possa se orgulhar.

Lugar de criança é na escola!

(Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/06/2005 - Página 19346