Discurso durante a 85ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Início desacertado da CPI dos Correios.

Autor
Arthur Virgílio (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AM)
Nome completo: Arthur Virgílio do Carmo Ribeiro Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELEGRAFOS (ECT). GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. POLITICA PARTIDARIA.:
  • Início desacertado da CPI dos Correios.
Aparteantes
Mão Santa.
Publicação
Publicação no DSF de 18/06/2005 - Página 20276
Assunto
Outros > COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELEGRAFOS (ECT). GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. POLITICA PARTIDARIA.
Indexação
  • ACUSAÇÃO, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), GOVERNO FEDERAL, TENTATIVA, CONTROLE, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELEGRAFOS (ECT), NECESSIDADE, IDONEIDADE, ISENÇÃO, CONDUTA, COMISSÃO, ATENDIMENTO, INTERESSE, OPINIÃO PUBLICA.
  • QUESTIONAMENTO, OBJETIVO, DEMISSÃO, JOSE DIRCEU, EX MINISTRO DE ESTADO, DEPUTADO FEDERAL, COMENTARIO, DIVERGENCIA, ORADOR, CONGRESSISTA.
  • APREENSÃO, CRISE, POLITICA NACIONAL, DIVERGENCIA, RELACIONAMENTO, EXECUTIVO, LEGISLATIVO, NECESSIDADE, PRESIDENTE DA REPUBLICA, DEMONSTRAÇÃO, AUTORIDADE, LIDERANÇA, ACEITAÇÃO, INVESTIGAÇÃO, CORRUPÇÃO, GOVERNO FEDERAL.
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, AUTORIA, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, SUGESTÃO, CONDUTA, GOVERNO FEDERAL, ATUALIDADE.
  • COMENTARIO, RELACIONAMENTO, DIVERGENCIA, MEMBROS, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT).

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Líder do PFL, Senador José Agripino, fez, hoje, uma referência muito sensata ao início desacertado dos trabalhos da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito que investiga a corrupção no Governo Lula, envolvendo, possivelmente, setores do Parlamento brasileiro.

O Líder pefelista abriu o jornal O Estado de S. Paulo e mostrou uma foto do Presidente, Senador Delcídio Amaral, do Relator da CPI, ilustre Deputado paranaense, de uma vice-Líder do Governo na Casa e dos técnicos de assessoria da Direção da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito.

Dizia o Senador José Agripino - é claro que o PSDB endossa esse ponto de vista e parece-me que as pessoas de bom senso o farão também - que era um começo ruim, porque passava a impressão de vinculação, do tipo “Nós, do Governo, reunidos para traçar estratégia”, quando é fundamental que essa Comissão Parlamentar Mista de Inquérito, até para não perder a credibilidade e chegar a algum lugar, deve procurar refletir a ansiedade da Nação por respostas efetivas e não fictícias em relação às denúncias que estão avassalando a consciência dos brasileiros.

No atropelo de anteontem e ontem, deixei de registrar da tribuna a repercussão, captada pela mídia que a Radiobrás envia para os Srs. Senadores, da eleição de dois membros do Governo para dirigir a CPMI.

Srª Presidenta, todos os jornais captados pela mídia da Radiobrás - com exceção de um jornal que cuida, basicamente, de Economia e, portanto, dos reflexos na política, a partir da economia, que é o Valor Econômico, e de um jornal do Rio de Janeiro, O Dia, que, na primeira página, cuidou do escândalo mas não fez referência à expressão que agora vou citar -, de Pernambuco, da Bahia, o Zero Hora, que, me pareceu, com o mais agudo editorial, das dezenas de editoriais que foram publicados nos principais órgãos da imprensa brasileira, mencionaram as palavras “CPI chapa branca”, “Governo tenta controlar a CPMI”, “PT comandando a CPI”, ou algo parecido. Ou seja, o trabalho da Direção da CPI tem que ser o mais rigorosamente próximo da verdade, para que não desabe o descrédito, porque, se isso acontecer, será pior. Para a Nação, sem dúvida, um grande prejuízo. Ela quer a verdade. Para a Oposição, extremamente desagradável, porque será obrigada a adotar outras atitudes. Pior para o Governo. O grande perdedor de uma investigação deturpada haveria de ser o Governo, porque as cobranças estão sendo cada vez mais fortes na direção do Governo do Presidente Lula da Silva.

Digo isso porque a repercussão da CPI mostrou que o Governo perdeu uma batalha de opinião pública. Tentar passar como vitória o que na verdade foi uma vitória de Pirro, o Governo não conseguiu. Conseguiu passar a idéia da vitória de Pirro, aquela que não vale a pena.

Mais ainda, chamo a atenção para a desarticulação grave. Quero fazer um pronunciamento grave, um pronunciamento sóbrio. A desarticulação, que começa a intranqüilizar todos nós no Parlamento, intranqüiliza também a sociedade brasileira.

O Governo pode, eventualmente, dizer que uma rebelião no Plenário da Câmara, votos contra o Governo, e o Governo, não contando com isso, pode dizer que isso aí não depende dele, não depende do talento ou da falta de talento de seus articuladores. A mesma coisa no Senado. Afinal de contas, o Governo não elegeu os Senadores nem os Deputados; cada um se elegeu pelas articulações próprias. Mas o Governo pinçou do Plenário do Senado e do Plenário da Câmara 19 pessoas, Senadora Heloísa Helena, para o representarem na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito. As Oposições, 13 pessoas.

O Governo escolheu a dedo 19 pessoas e as colocou para atuarem na CPMI. Na primeira votação, os 19 do Governo caíram 17 e os 13 da Oposição viraram 15. Indago se isso é ou não é falta de controle, se isso é ou não é falta de pulso e de comando sobre uma situação que se está transformando em crise extremamente grave. Crise grave porque vimos, no episódio Collor, o Parlamento, de camarote, a cavaleiro, intervindo sobre o desdobramento da crise. Não estava em xeque naquele momento a autoridade do Parlamento. Vimos o episódio dos Anões do Orçamento, com o trauma da suspeição sobre 10 ou 12 pessoas, que foram cassadas, alguns foram absolvidos, envolvendo, quem sabe, 20 Parlamentares. Foi um escândalo, algo extremamente grave. Vimos o Executivo, a cavaleiro, observando a cena do Parlamento. Desta vez, estamos vendo uma crise do Executivo com reflexos muito profundos, marcados pelas acusações a três partidos políticos da Base de Sustentação ao Governo e, portanto, teoricamente, colocando sob suspeita mais de 100 Parlamentares federais, algo que é complicado e grave do ponto de vista da matemática; algo que é complicado e grave do ponto de vista de um Congresso, que não tem como não dar as satisfações todas à opinião pública; algo que é extremamente grave e delicado do ponto de vista de um Governo que, até pela sua própria sobrevivência, precisará mesmo tomar atitudes. Jamais vi um Governo que acionasse tão mal ou até que não acionasse os seus mecanismos de sobrevivência.

Digo a V. Exª, Srª Presidente, que os acontecimentos de ontem, a mim, provocaram sensações diversas, porque pude analisá-los ou, pelo menos, receber o primeiro impacto deles, olhando para mim mesmo - para dentro da minha alma, para dentro da minha vida pública - como alguém que tem obrigações a cumprir como homem público.

Então, o homem público que sou diz sobre a demissão do Sr. Ministro José Dirceu que ela era inevitável, chegou atrasada. Deveria ter vindo há mais de um ano, quando explodiu o escândalo Waldomiro Diniz.

Desta tribuna, dezenas de Senadores já se manifestaram quanto a não ser o Ministério mais o lugar adequado para a permanência do Sr. Ministro José Dirceu.

O homem público que sou, Líder de um partido de Oposição, insiste em que temos dois vieses para percorrer nessa luta pela apuração dos fatos. O primeiro viés, que interessa muito de perto à Nação, é darmos uma grande e cabal resposta às inquietações que pesam hoje sobre o segmento político como um todo. O Congresso está com a sua credibilidade no chão. O Governo está com a sua credibilidade no chão. O Presidente Lula está ameaçando jogar fora o patrimônio que construiu ao longo de uma vida de 60 anos de idade. O Partido dos Trabalhadores está em xeque. Uma história bonita de 23 anos de idade não deveria estar sendo arriscada em dois anos e meio de ação de governo. O homem público que sou diz que é preciso defender esta instituição secular que é o Congresso brasileiro. E só se defende o Congresso brasileiro com respostas e não com evasivas, com atitudes e não com meias palavras. Só se defende a saúde da governabilidade sem panos quentes e sim com apuração efetiva dos fatos, com atitudes e não com gestos de propaganda por parte do Presidente da República.

O ser humano que sou, ontem, deixou de lado todas as desavenças até pessoais com o Ministro José Dirceu e se pôs a pensar no fato de que, sendo o Ministro uma pessoa da minha geração e tendo ele trilhado, em algum momento, caminhos, de certa forma, afins com os meus; em outros momentos, não... A partir da redemocratização, felizmente, cada um pôde, sobretudo, tomar o seu próprio caminho. Era possível já aqueles que lutaram contra a ditadura se dividirem, porque a democracia nos sugere isso. Não tem que se trabalhar frente ampla, frente única. Se temos a democracia, esta é exatamente para os segmentos da sociedade exporem as suas divergências muito claramente. Mas dizia que, por mais divergências que tenha tido com a linha adotada pelo Ministro José Dirceu ao longo até do período da ditadura, uma visão, a meu ver, demasiadamente radical, às vezes, sectária do processo de enfrentamento da ditadura, mas eu dizia que foi ele um líder de sua geração, alguém que sonhou os seus sonhos e tinha o direito de sonhá-los, alguém que tinha até o dever de lutar pela realização dos seus sonhos. Chega ao poder e de maneira retumbante, porque foi o principal articulador de um Partido que ele havia sobremaneira ajudado a construir, o PT. Chega com legitimidade, força, para ser não um Ministro a mais, mas para ser o Ministro do Governo Lula. Chega para ser o grande articulador político de um projeto que, não tenho dúvida, ele e o Presidente Lula, supunham de efetivas mudanças no País.

Não me alegrei, não me contentei, não me dei por feliz com esse desfecho, não sei se momentâneo ou se é para sempre a duração desse crepúsculo. Pessoalmente, não me contentei, como adversário, porque estava muito acostumado a enfrentar o Ministro todo-poderoso. Não enfrento ex-Ministros. Não me contentei como alguém que supunha a intensidade dos sonhos que devam ter sido sonhados pelo Ministro José Dirceu, porque eu dizia para mim mesmo: afinal de contas, a tentativa terminou sendo desvirtuada e não foi o final brilhante que imagino que muitos dos que têm idade assemelhadas às nossas pudessem supor e desejar.

O Ministro alega que vem para o Congresso, e virá dentro da diretriz que melhor lhe aprouver. Não estou aqui para me imiscuir em questões internas ao Partido dos Trabalhadores. Estou para dizer que a adversidade logo, logo retornará.

Recebo o Ministro, sem prejulgamentos, no Congresso Nacional, de volta, como seu adversário. Estou inteiramente a sua disposição para tocarmos a luta; ele na sua trincheira, eu, na minha.

Afastando essa digressão sobre a questão pessoal, concentro-me nesse momento grave de crise, que, se Deus quiser, não se transformará em crise institucional.

Digo isso, Senadora Heloísa Helena, porque me criei num ambiente de contestação à ditadura militar e tenho raízes familiares. Meu pai foi Líder do Governo João Goulart no Senado, durante todo o tempo em que durou aquele Governo, acumulando com a Liderança do PTB da outra tradição, o Partido Trabalhista Brasileiro de Vargas.

Meu pai foi o primeiro Líder de oposição à ditadura militar. Portanto, aprendi que nunca fez bem à minha saúde pessoal e política nem fez bem à saúde política e de qualquer sorte da minha família a figura do golpe. Nunca fez bem. Nunca estivemos do lado dos que, no golpe, mandam prender. Nosso lado sempre foi dos que o golpe mandava prender.

Portanto, não brinco com a questão institucional. O meu ambiente é o da luta democrática, da efervescência da troca de idéias, mas, sob a égide de uma Constituição que jurei e juro respeitar, procurando mudá-la, atualizá-la e adequá-la aos tempos que surgem, mas não à idéia do clima de vivandeira, a idéia do clima de inquietação... Louvo termos hoje as Forças Armadas que não se manifestam, a não ser internamente - o cidadão tem o direito de fazer isso. Não se vê mais militar da ativa fazendo manifestações, até porque, em obediência à hierarquia e ao espírito das Forças Armadas, o ambiente é de absoluta normalidade democrática. Coloco-me e sei que essa é a posição do meu Partido, a posição de cobrarmos com clareza, com isenção e com força a apuração de todas as responsabilidades, isentando inocentes, indicando culpados, mas sem a preocupação de insuflarmos a crise, de querermos crescer na crise, de querermos fazer da crise um trampolim para nossas supostas aspirações de poder. Jamais me beneficiou crise, que pode desembocar no imponderável e jamais beneficiaria algum democrata neste País. Pode servir a aventureiros, e meu Partido não é de aventureiros. Pode servir a populistas, e meu Partido não é de populistas. Digo que esta crise assume proporções preocupantes.

Ainda há pouco, aparteando o Senador Delcídio Amaral - eu citava Heiner, escritor alemão tão festejado. Às vésperas de o III Reich se consolidar, ele dizia: “Quando de noite penso na Alemanha, eu perco o sono”. Tenho perdido o sono pensando no Brasil do Presidente Lula da Silva. Corrupção por todos os lados, e ninguém esperava essa licenciosidade por parte de um governo dirigido pelo Partido dos Trabalhadores. Desacerto administrativo, incapacidades, falta de autoridade. O Presidente não está exercendo seu comando sobre a Nação. Às vezes, demonstra um certo autoritarismo, uma certa impaciência com a crítica, mas não está sendo forte para comandar uma Nação que precisa de alguém forte para comandá-la, sobretudo porque, infelizmente, a meu ver, vivemos sob um sistema presidencialista.

O Presidente precisa perceber que seu papel é fundamental para que não fiquem dúvidas. Precisa mostrar que seu Governo, Sua Excelência principalmente, não tem rabo preso com quem quer que seja. Precisa mostrar que está mesmo disposto a ver todos os escaninhos das denúncias nas repartições públicas abertos, para que se possa fazer um julgamento muito preciso, passando o País a limpo.

Ainda há pouco, o Senador Delcídio Amaral - já concedo o aparte ao Senador Mão Santa -, Líder do PT e Presidente da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito dos Correios, dizia aqui que a denúncia sobre ele, publicada no jornal O Estado de S.Paulo de hoje, tem nome e sobrenome: Ildo Sauer, professor e diretor da Petrobras, homem muito festejado. Eu era Líder do Governo Fernando Henrique e me lembro que não havia um só evento do PT discutindo privatizações, sobretudo do setor energético, em que a palavra do Sr. Pinguelli Rosa não fosse convocada pelo PT e que o Sr. Ildo Sauer não fosse chamado a opinar.

Hoje, o Senador Delcídio Amaral disse para todos da imprensa, ali fora, e para mim pessoalmente, que o Sr. Ildo Sauer é um intrigante, forjador de dossiês e que não teria respeitabilidade pessoal. Eu disse para o Senador Delcídio Amaral que me espanto com esse tipo de comportamento, porque o Sr. Ildo Sauer poderia ter dito ao Presidente da Petrobras, que por sua vez teria de ter dito ao Presidente da República, da dificuldade que o Sr. Sauer poderia ter de conviver num governo com o Sr. Delcídio Amaral. Poderia dizer: Presidente, leal a Vossa Excelência, agradecido pela oportunidade de trabalhar para o País, eu, Ildo Sauer, saio se esse moço ficar.

Não essa coisa da intriga que está mostrando um principado decadente, um reinado decadente, algo de muito podre para tão pouco tempo de governo. Há intriga: nenhum gosta do outro, todos querem o lugar de cada um, todos entendem que é hora de boicotar alguém. A Oposição sente-se desempregada porque não consegue, nem que queira, impor crises a um governo que fabrica crises dentro das suas entranhas. Essas crises nascem dentro das entranhas do Governo.

Senador Mão Santa, já ouvirei V. Exª. Esse Governo vai ter de se pronunciar agora, se é que não se pronunciou. Ou demite o Líder, Presidente da CPI, ou demite o Sr. Ildo Sauer. A falta de comando gerará indisciplina em massa, e o fato de estarmos, graças a Deus, numa democracia, não sugere que partidos devam ser indisciplinados, não sugere que governos devam ser desorganizados, não sugere que devamos ter todos os dias essas demonstrações de quebra de disciplina, de quebra de hierarquia, arrostando e enfrentando a autoridade do Presidente da República.

Estou muito preocupado com isso, porque, de repente, o céu se turvou. O Presidente Fernando Henrique Cardoso, em um de seus artigos mensais publicados em dois jornais do País - O Globo e O Estado de S.Paulo - escreveu uma frase típica de quem viveu oito anos de governo, como ele. Recomendava ao Governo mais cautela, mais previdência, menos ufanismo, menos triunfalismo, dizendo que o quadro internacional não é ruim, que o quadro interno não é desfavorável, que nenhuma crise sistêmica está abalando o País e que não há nenhuma aposta contra a moeda brasileira. Ele dizia, Srª Presidente, que, neste mundo de hoje, as crises aparecem quando o céu está mais azul. Quanto mais azul o céu, maior a surpresa que governos e presidentes podem ter diante da crise. E o Governo passado foi obrigado a conviver com sete delas e obrigado a apreender a conviver com a crise durante uma sucessão de crises. E foi forjando sua experiência nos seus erros e nos seus acertos. Este Governo não sabia esta verdade, de que as crises aparecem quando o céu está mais azul, e houve a crise da economia americana na sua aterrissagem, na sua hard landing. Não sei nem se será uma hard landing. Pode ser uma aterrissagem soft, leve. É a crise da economia chinesa, que, em algum momento vai ter que se ajustar, cambialmente, por exemplo; o recrudescimento da crise na Argentina, ao contrário, pois a Argentina hoje está vivendo um momento não sei se de definitiva saída - não sinto que seja assim -, mas de algum alívio. Voltou a ser um grande comprador dos produtos brasileiros, que havia deixado de ser no segundo Governo do Presidente Fernando Henrique. Não sei.

A crise não é de fora para dentro. É uma crise das empresas brasileiras? Não. É uma crise da sociedade brasileira? Não. É uma crise do Governo, marcada por denúncias fundas, fortes, graves, de corrupção; é uma crise marcada por uma relação promíscua entre o Executivo e o Legislativo, ameaçando a estabilidade de dois poderes; é uma crise que a todos nos desmoraliza, Senador Mão Santa, e que tem de ser resolvida e decidida a partir do bom-senso, da firmeza de caráter e de gestos a favor do país.

Ouço, com prazer, o Senador Mão Santa.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Arthur Virgílio, hoje o País deve ter gratidão a V. Exª pelo seu comportamento. Entendamos o to be or not to be dessa questão, o ser ou não ser. Só há Governo e Oposição. V. Exª cumpre seu papel. Não há democracia sem isto: os três Poderes, por inspiração de Montesquieu, um freando o outro. V. Exª tem dado esse freio, o que também cabe a nós, que estamos na Oposição. Estamos na nossa trincheira: a Senadora Heloísa Helena, na Presidência; V. Exª, na tribuna; e eu, no plenário. Mas o que povo nenhum, em regime algum, pode viver é a esperança. O Apóstolo Paulo disse: amor, fé, esperança. E, hoje, na democracia, a esperança é a alternância de poder. Essa alternância é uma conquista, está dentro da democracia. A própria Senadora Heloísa Helena propõe isso; S. Exª é essa esperança de alternância, na Oposição, oferecendo um novo Partido e seu nome à Presidência. E V. Exª tem dado essa confiança ao País, essa esperança, pela autoridade com que tem feito uma oposição preparada, consciente, correta. Nunca vi V. Exª dizer “Fora, Lula” - aí, sim, estaria tudo acabado. Não, V. Exª está pregando a essência da democracia, uma Oposição forte, que ainda dá ao povo esperança na alternância de poder.

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM) - Muito obrigado, Senador Mão Santa, pela fraternidade com que sempre se dirige a este seu companheiro e admirador.

            Procuro marchar para o encerramento, Srª Presidente, dizendo que a cena de ontem, do Palácio do Planalto, que seria - e foi apresentada assim - de despedida do Ministro José Dirceu - que retornaria para assumir seu mandato, conquistado nas urnas de São Paulo, primeiro me causou um grande impacto. Praticamente os Ministros todos, um deles, uma figura que sempre respeitei e com quem sempre lidei muito bem, um deles com um risinho no canto da boca. Atrás, não entendi: um risinho meio alvar, atoleimado; quero creditar que não por satisfação pelo episódio, mas talvez pelo impacto emocional do momento. Estranho, aquilo ali dava para tudo, até para chorar - e alguns choraram -, mas, para rir, não. Posso estar enganado, podia ser algum cacoete.

O que me preocupou naquele evento - fui Ministro Chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República; vivi, digamos assim, o peso daquela liturgia do poder, algumas coisas que podem acontecer, não no Congresso, mas no Palácio, porque é outra a cultura - é que percebi, naquela despedida, uma cena inusitada: o Ministro José Dirceu não me dava a impressão de ser um Ministro demissionário, mas, sim, um presidente renunciante. Para mim, aquilo teve um forte simbolismo; foi carregado de marcas, de símbolos fortes. Todo o Ministério, diretrizes, enfim, aquilo me deixou com alguma pulga atrás da orelha.

Olhei a figura do Presidente Lula, onde estava Sua Excelência. A pergunta era: cabia, ou não, o Presidente Lula ali? Mas, no Palácio, não caber o Presidente? Uma festa no PT, quem sabe? Não é razão para festa, mas uma reunião no PT quem sabe coubesse? Ali, no Palácio, onde já trabalhei, parece-me que não cabia. Parece-me que se mostrava algo que pode ser parte da explicação psicológica que buscamos para essa crise de poder, de legitimidade, de autoridade.

No mais, digo da minha preocupação e do meu compromisso com meu País. Cada um haverá de contribuir para a solução dessa crise da melhor maneira. O PSDB saberá fazer do seu jeito o seu papel. O PSDB será inflexível nas apurações e procurará ser justo o tempo inteiro. O PSDB tem compromisso com as instituições democráticas brasileiras; não tem o compromisso de apadrinhar quem se tenha envolvido em ações malfeitas. O PSDB tem compromisso com a estabilidade da democracia, e isso é inarredável. O PSDB tem, por outro lado, a plena consciência de que está integrado a instituições que não podem silenciar neste momento, e uma delas é o Congresso Nacional.

O Ministro José Dirceu haverá de fazer a sua parte. O Presidente Lula que faça a sua. Que cada um cumpra com o seu dever. É a sensação mais nítida que me vem à cabeça. Que cada um cumpra estritamente com seu dever. Que cada um dê o melhor de si. Que cada um faça a sua parte. Que cada um seja o mais generoso que conseguir. Que cada um seja o mais bravo possível, usando a mistura da sua inteligência com a sua bravura, a favor do País. O Brasil, a depender de mim, terá rotina de governos que se sucederão uns aos outros, em eleição, e com a faixa presidencial passada de um Presidente para outro, em praça pública, como aconteceu de Itamar para Fernando Henrique Cardoso, como aconteceu de Fernando Henrique para Lula. Não importa se gosta, se não gosta, se está satisfeito ou não: é dever de um Presidente governar do primeiro ao último dia do seu governo e passar a faixa presidencial para quem venceu as eleições. Esse é um dever e ninguém pode fugir dele, se porventura investido na Presidência da República.

Não cabem mais aquelas molecagens do passado. Não cabem aquelas fragilidades, coisas do tipo Figueiredo não gosta de Sarney, então sai pela porta dos fundos. Não cabem mais situações, por exemplo, como o Senador Silvestre Péricles de Góes Monteiro* Governador de Alagoas, espalhando fezes pelo palácio do governo, para não homenagear o eleito pelo povo, o depois Senador Arnon de Mello*. Não cabe mais isso. É dever de um Presidente governar do primeiro dia, já nas festividades, até o último minuto, na entrega da faixa presidencial. Isso significa que o Presidente deve ser o principal guardião da legalidade. Deve ser ele o principal zelador da governabilidade. Cabe aos demais segmentos dar o seu quinhão de contribuição. Mas o peso da governabilidade recai sobre as costas do Presidente da República no presidencialismo.

Se o regime fosse o parlamentarismo, Srª Presidente Heloísa Helena, Sr. Senador Mão Santa, teríamos uma solução simples. O Brasil não está - sou parlamentarista e respeito quem não é - pronto para o parlamentarismo, até porque seu povo não o deseja, e eu, como parlamentarista, não prego esse regime como solução do tipo que é remendo para crises que possam estar ocorrendo. O parlamentarismo tem de vir, ou não, de acordo com a maturação histórica do povo brasileiro.

Mas, se fosse uma crise no parlamentarismo, o Presidente da República estaria às voltas com as suas obrigações de Chefe de Estado, com a orientação da política externa, e o Primeiro-Ministro teria caído. Com a sua queda, o parlamento seria dissolvido, e haveria uma nova eleição para todos nós. Nós iríamos para uma eleição. E veja, Srª Presidente, como o parlamentarismo poderia oferecer uma saída sábia (cassa, não cassa, vai cassar trinta, vai cassar dez, não vai cassar nenhum, vai cassar cem, não sei): uma convocação de eleição para daqui a dois meses daria ao povo oportunidade de cassar todos esses que supostamente não mereceriam retornar ao Parlamento, por estarem crivados de desconfiança no campo ético. Poderíamos rapidamente resolver essa questão. Um novo ministério entraria, sangue novo, compromissos com a democracia renovados, compromissos com a ética por exigência do próprio povo, a figura do gastador de campanha eleitoral, das campanhas muito caras, esse também seria apenado, porque cada dissolução de gabinete - e pode acontecer uma agora e outra daqui a quatro anos, mas também daqui a três meses. E eles perceberiam que, no parlamentarismo, não valeria a pena gastar tanto dinheiro assim, para se eleger. Mas, não, estamos sob a égide do presidencialismo, que deploro mas aceito e cabe ao Presidente exercer a liderança, e a liderança é dele, não é do Sr. Duda Mendonça, Senador Mão Santa; a liderança é dele, não é do ex-Ministro José Dirceu, Srª Presidente; a liderança é do Presidente, não é minha, a liderança não é do meu partido, a liderança não é de ninguém do PT, a liderança não é de nenhum segmento da sociedade, a liderança não está em o Presidente encher o seu Ministério de medalhões, está em encher o seu Ministério de pessoas corretas, pessoas competentes, ele comandando essas pessoas, ele articulando essas pessoas, ele dizendo a essas pessoas qual é o caminho pelo qual ele pretende fazer o Brasil trilhar, para dar satisfação a 53 milhões de pessoas que o colocaram, tão cheias de esperanças, no Palácio do Planalto.

Portanto, se eu pudesse hoje dirigir algum tipo de prece em favor de alguém, orar, me dirigir a Deus pedindo por alguém, eu pediria pela lucidez do Presidente Lula, eu pediria para que o Presidente Lula olhasse para dentro do seu coração, sinceramente para dentro do seu coração, sem dichotes, sem risos de meia boca, aquele riso em que metade está preocupado com a crise e outra metade finge que sorri, sem isso. O Presidente Lula precisa olhar de frente para si próprio, olhar de frente para a Nação, o Presidente Lula precisa prezar e preservar a bela biografia que fez tantos de nós discordarmos dele, passarmos a vida toda entre alianças e entre discordâncias, mas admirando a figura do Presidente Lula, respeitando a sua integridade, respeitando toda a sua trajetória de vida, tudo que passou, tudo que sofreu, tudo que viveu.

Está nas suas mãos, Presidente, neste momento, até salvar o seu Partido, que não é o mais importante para o País, mas está nas suas mãos, Presidente, tomar uma atitude pelo Brasil, uma atitude que, ao mesmo tempo - isso também não é o mais importante - resgatará a sua biografia. Mas, sobretudo, Presidente Lula, pense no País. O País não pode, por falta de liderança de sua parte, interromper essa série que já se vem tornando bonita na história brasileira, essa série de presidentes que começam o seu mandato no primeiro dia, terminam no último dia, e terminam no último dia cumprindo com o seu dever, com erros e acertos, e passam a faixa para o próximo Presidente da República, diante do povo. Isso acontecendo durante 50, 100 anos, é que vai criar a cultura de que o Brasil é uma democracia inarredável. Isso é que vai criar a cultura de que o Brasil é um país de regras fixas, não é um país aberto para aventureirismos e para experiências que se podem casar com o caos.

Portanto, se eu tenho o dever - e o faço por dever - de criticar e fiscalizar o Presidente Lula, eu diria que, talvez, em nenhuma das vezes em me tenha dirigido a S. Exª da tribuna possa ter usado de tanta boa-fé e de tanta sinceridade.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/06/2005 - Página 20276