Discurso durante a 133ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Denúncias de corrupção contra o PT. Expectativa quanto ao pronunciamento que o Presidente Lula fará hoje à nação.

Autor
Cristovam Buarque (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA PARTIDARIA. ATUAÇÃO PARLAMENTAR.:
  • Denúncias de corrupção contra o PT. Expectativa quanto ao pronunciamento que o Presidente Lula fará hoje à nação.
Aparteantes
Mão Santa, Paulo Octávio.
Publicação
Publicação no DSF de 13/08/2005 - Página 27348
Assunto
Outros > POLITICA PARTIDARIA. ATUAÇÃO PARLAMENTAR.
Indexação
  • ANALISE, PERDA, REPUTAÇÃO, CLASSE POLITICA, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), DENUNCIA, CORRUPÇÃO, GOVERNO, CRITICA, CONGRESSO NACIONAL, DEMORA, APROVAÇÃO, AUMENTO, SALARIO MINIMO.
  • DETALHAMENTO, ATUAÇÃO PARLAMENTAR, ORADOR, QUALIDADE, MEMBROS, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), OCORRENCIA, DIVERGENCIA, ESPECIFICAÇÃO, PERIODO, EX MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA EDUCAÇÃO (MEC), REDUÇÃO, PRIORIDADE, EDUCAÇÃO, SUGESTÃO, AUTONOMIA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, RESPONSABILIDADE, LIDERANÇA.
  • NECESSIDADE, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), RECUPERAÇÃO, ETICA, DIFICULDADE, RETOMADA, COMPROMISSO, IDEOLOGIA, QUESTIONAMENTO, FILIAÇÃO PARTIDARIA, ORADOR, EXPECTATIVA, DISCURSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, ESCLARECIMENTOS, POPULAÇÃO.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, eu gostaria de falar depois do pronunciamento do Presidente da República, Senador Mão Santa. Eu gostaria de falar depois de saber o que Sua Excelência vai dizer à Nação. Não sei se o discurso de Sua Excelência vai começar enquanto eu estiver falando ou não, mas não posso adiar, porque o tempo não permite, e a minha inscrição era para agora.

Quero dizer, Colegas Senadores, que não sei se V. Exªs têm o mesmo sentimento, mas eu me sinto profundamente envergonhado. Talvez mais do que muitos dos senhores e senhoras, porque sou militante do Partido dos Trabalhadores, sou membro do Governo. Mas não é só pelo que está acontecendo em torno do meu Partido e do Governo que ajudei a eleger. Sinto-me envergonhado com tudo isso que temos visto nos últimos dias, semanas e alguns meses, relacionado a mensalão, a contas no exterior. No entanto, sinto-me envergonhado também por aquilo que vimos fazendo aqui paralelamente a isso.

Nessa semana, demoramos dias para votar um aumento de salário mínimo de R$300,00 para R$384,00, quando o próprio Senador Mão Santa e o próprio Senador Aloizio Mercadante disseram e lembraram que a diária, um dia de viagem de um Senador quando vai ao exterior, é de US$470,00. E perdemos tempo discutindo se o salário mínimo seria R$300,00 ou R$384,00. Paciência! Um aumento de pouco mais de R$2,00 por dia enquanto nós recebemos R$1 mil por dia quando viajamos. E fico muito à vontade, porque não fiz uma única viagem; não sabia quanto era essa diária, porque as minhas viagens são pagas por quem me convida. Não fiz uma viagem, nesse um ano e meio, pelo Senado.

Estou envergonhado de saber que, além de gastarmos tanto tempo em torno de assuntos vergonhosos na ética, gastamos tanto tempo com assuntos vergonhosos nas prioridades do uso dos recursos públicos.

Agüentei muitos momentos nesse período do meu Governo. Fui demitido de uma maneira que não foi explicada e não fiz nada, nem disse nada. Vi os projetos que iniciei no Ministério da Educação serem desfeitos, um a um, sem o menor respeito pelas prioridades da educação. Vi este Congresso assistir à Oposição bater, com razão, porque comprávamos um avião desnecessário. Vi aqui sermos levados a aprovar estatuto de ministro ao Presidente do Banco Central, não apenas, claramente, para evitar que o Presidente do Banco Central fosse à Justiça, mas, também, criando uma mistura entre Governo e Banco Central, que não defendo. Sou, sim, favorável a que o Banco Central pertença à República e não ao Governo.

No Império, Senador Mão Santa que conhece tanto essas questões, o Banco Central era no quarto do rei; ele guardava o cofre dele debaixo da cama. Na República, o Banco Central é da Nação. Não pode ser nem do Governo.

Mas assisti a tudo isso e continuei aqui. Continuei aqui quando o meu Partido decidiu que não deveríamos assinar a CPI, e eu não assinei, porque disse que, enquanto estivesse no Partido Trabalhadores, votaria conforme o Partido dos Trabalhadores decidisse. Eu sou dono da minha voz, mas não sou dono do meu voto.

Não fiquei omisso em nenhum desses momentos. Fiz discursos, falei, escrevi artigos, conversei, respondi a correspondências dizendo tudo o que eu pensava, todas as críticas necessárias. Alertei o Presidente diversas vezes. Aqui mesmo, o meu primeiro discurso, quando cheguei aqui, foi: liberte a esperança, companheiro Presidente, sugerindo que Sua Excelência se livrasse daquele entorno que o impedia de se relacionar com o conjunto da Nação e que fazia com que, nesta prisão, Sua Excelência se afastasse do Brasil, ficasse numa gaiola, ficasse enjaulado, do ponto de vista das idéias, e terminasse tolerando, por conivência ou por omissão - o que, no Líder, é um pecado quase igual. Eu me assusto quando um líder chega e diz: “Eu não sabia”. Entendo que isso vale do ponto de vista ético, mas não vale do ponto de vista político. Não saber diminui o pecado, mas não elimina a responsabilidade. Líder tem de saber tudo o que é feito pelos seus liderados.

Eu alertei, Senador José Agripino. Eu falei, eu disse, eu insisti. Mesmo assim, eu não me precipitei, em momento algum, na minha decisão partidária. Não me precipitei, porque há 40 anos pertenço ao partido da justiça social, ao partido da distribuição da renda, ao partido da revolução educacional, ao partido da soberania no Brasil, ao partido da diminuição da desigualdade regional. E, nos últimos 15 anos, faço parte da sigla do Partido dos Trabalhadores, única sigla a qual eu pertenci.

Muitos acham que fui do Partido Democrático Trabalhista. Não, eu votei em Brizola e continuei brizolista até o último instante de Brizola. E continuo ainda, pelo que ele representou à minha geração.

No entanto, nunca fui de outra sigla a não ser do Partido dos Trabalhadores. Não me precipitei, tomando todos os cuidados. Tenho percebido nas discussões, nas correspondências, nos telefonemas, que grande parte da militância hoje, para continuar no Partido, começa a falar em sair da sigla, como se ser da sigla hoje impedisse alguém de defender, Senador Arthur Virgílio, as suas causas fundamentais. E isso não será recuperado com a punição dos responsáveis pelos gestos antiéticos cometidos, porque uma coisa é a ética, e outra coisa é a causa. O PT perdeu a ética, a honra, mas vai recuperá-las, Senador Pedro Simon, porque a imensa maioria dos nossos companheiros são decentes, honestos, militantes firmes. Lamento dizer, contudo, que a causa não será construída nos próximos 15, 20 anos ou mais. Vamos voltar a ser éticos, mas vamos ser éticos sem uma bandeira. Ético sem bandeira não precisa ser militante, não precisa ser político; ética sem bandeira é um direito do cidadão comum. Ser ético sem bandeira não é suficiente para quem quer fazer política, não em causa própria, mas em causa do seu próprio País.

Sem nenhuma precipitação, com todo cuidado, escutei e vi pela televisão o Líder Mercadante - um homem de grande seriedade que terminou sendo afetado sem ter nada a ver com isso - dizer que este Partido dos Trabalhadores não é o Partido dos Trabalhadores dele. Isso foi dito por um líder como o Mercadante, com a história dele, fundador do partido. Tenho mais anos de militância do que ele, posso dizer que foi minha única sigla - vinte anos antes dele eu já militava na política, na clandestinidade durante algum tempo, em movimentos como a Ação Popular, na Igreja Católica. Tenho mais anos que ele, mas ele é fundador; eu não sou. Ele disse, do fundo do coração e com toda a razão, que esse PT não é o partido dele.

Não tenho a menor dúvida de que essa sigla não é mais a sigla da ética nem da causa com que tanto sonhamos, Senador Pedro Simon, a causa da soberania, da igualdade. Não soubemos nos ajustar às mudanças pelas quais este País passou de 80 para cá. De 80 para cá, as bandeiras tiveram de mudar, acabou o país fechado, acabou a luta entre duas potências, acabou a idéia de estatização, mas não acabou a necessidade de fazer mudanças sociais. Nós nos ajustamos ao que a realidade nos obrigava, mas não soubemos formular nada novo. É como se, em vez de nos ajustar, nos entregássemos. Ajustar-se é uma necessidade do realismo político; entregar-se é uma traição com os compromissos dos ideais.

Esse sentimento que, ontem, o Mercadante manifestou, Senador Crivella, é o sentimento de todos. Apesar disso, não vim aqui, como muitos devem estar pensando, dizer que estou saindo, hoje, do Partido dos Trabalhadores. Não estou, Senador Tourinho, Senador Paulo Octávio, Senador Mão Santa, porque hoje, apesar de não sentir relação política com a sigla PT, sinto uma relação de afeto. Sinto afeto por essa militância com a qual convivi, essa militância que me elegeu duas vezes e que, ainda uma vez, tendo lutado igualmente, eu não me elegi. É uma relação de afeto. Relação de afeto, a gente...

(Interrupção do som.)

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PT - DF) - ...para as relações pessoais. Para a política não basta a relação de afeto.

Preciso, ainda quero e ainda vou esperar algumas horas para, além de manter o afeto, tentar recuperar o compromisso político. Essas horas, Srs. Senadores, vão ser as horas próximas; estarei ouvindo, pensando, refletindo sobre o que vai dizer o Presidente Lula e como é que ele vai olhar nos nossos olhos. Dependendo do seu discurso, que terá início em instantes - verei depois na gravação -, ainda poderei ...

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Cristovam...

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PT - DF) - Um minuto, Senador.

Eu ainda poderei sentir a volta de uma chama de esperança, que desejo que volte, para casar o meu afeto com essa sigla, com o meu compromisso político com o povo brasileiro e não com a sigla. Se tiver de escolher entre o partido e a sigla, ficarei com o partido.

O SR. PRESIDENTE (Valdir Raupp. PMDB - RO) - Eu gostaria de informar que o tempo normal já foi esgotado. Já dei um minuto, mas vou dar mais um minuto para que o nobre Senador Cristovam Buarque conclua o seu pronunciamento. Se os apartes se restringirem a esse tempo, poderão ser concedidos.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PT - DF) - Sr. Presidente, um minuto basta. Não quero jamais ser indelicado com os apartes. Só me permita fechar em alguns segundos.

Entre o partido e a sigla, a nossa obrigação é ficar com o partido, porque o partido a gente traz dentro da gente desde a adolescência, e a sigla a gente está com ela durante algum tempo. Com o partido estou e continuarei sempre; com a sigla, só enquanto ela for comprometida com o partido. Hoje eu não sinto esse compromisso, mas o afeto me impede de me afastar dela.

Senador Pedro Simon, vou esperar as próximas horas para ver se o Presidente, seguindo o seu conselho de falar ao povo, vai olhar nos meus olhos como um dos telespectadores e vai dizer aquilo que espero para me convencer de que ele não tem responsabilidade com isso, que ele tomou as medidas contra isso, e que ele vai trazer uma causa para ajudar a mudar o Brasil, porque sem uma causa, não basta ética...

(Interrupção do som.)

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PT - DF) - ...da política é a ética da causa.

Sr. Presidente era isso que tinha a dizer aos colegas. Se houver tempo para dar o aparte, além do meu tempo, por concessão da Presidência, ficaria muito feliz, mas não sou o dono dos destinos da sessão. (Pausa.)

Concedo o aparte ao Senador Mão Santa.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Cristovam Buarque, o País todo atentamente ouve V. Exª. Quando, com brevidade se situou e deu o seu currículo político, V. Exª igualou-se a Rui Barbosa, que se casou com a justiça - e V. Exª, com a educação. A educação é a raiz de todos os bens. E V. Exª falou que ganhou e perdeu as eleições, como Rui Barbosa, mas nunca perdeu a vergonha, a dignidade e a ética. Isso faz renascer a esperança da democracia brasileira.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PT - DF) - Obrigado, Senador Mão Santa.

Passo a palavra ao Senador Paulo Octávio, da minha cidade, do Distrito Federal, com quem eu tenho a satisfação de compartir não só a banca, mas também a amizade.

O Sr. Paulo Octávio (PFL - DF) - Senador Cristovam, sinto, no pronunciamento de V. Exª, uma profunda angústia neste momento tão grave pelo qual passa a Nação brasileira. V. Exª falou com o coração, expressou seus sentimentos. Eu, que conheço a sua forma, a sua conduta pessoal em tantos anos em Brasília, a sua lisura, o seu trabalho por esta cidade, o seu trabalho pelo País, quero dizer que estou sensibilizado com o seu pronunciamento, com a sua busca pela transparência, com a sua busca pela verdade. Certamente sei que o partido em que V. Exª tanto acredita não é o partido que está sofrendo o que sofre hoje. Quero aqui, portanto, deixar registrado que o seu pronunciamento me tocou profundamente pela sinceridade, pela honestidade de suas palavras.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PT - DF) - Muito obrigado, Senador.

Quero dizer, Presidente, que estou inscrito para falar segunda-feira, quando virei dizer se o discurso do Senhor Presidente me convenceu ou se ele não me convenceu.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/08/2005 - Página 27348