Discurso durante a 138ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Satisfação com a aprovação, ontem, na Comissão de Educação de projeto de autoria da Senadora Ideli Salvatti, que obriga o uso da Língua Brasileira de Sinais na escola básica.

Autor
Cristovam Buarque (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO. LEGISLATIVO.:
  • Satisfação com a aprovação, ontem, na Comissão de Educação de projeto de autoria da Senadora Ideli Salvatti, que obriga o uso da Língua Brasileira de Sinais na escola básica.
Aparteantes
Mão Santa.
Publicação
Publicação no DSF de 20/08/2005 - Página 28478
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO. LEGISLATIVO.
Indexação
  • ELOGIO, APROVAÇÃO, SENADO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, IDELI SALVATTI, SENADOR, OBRIGATORIEDADE, SINALIZAÇÃO, LINGUAGEM, DEFICIENTE FISICO, AUDIÇÃO, CURRICULO, EDUCAÇÃO BASICA.
  • ANALISE, IMPORTANCIA, ATUAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, DEFESA, CONSCIENTIZAÇÃO, MOBILIZAÇÃO, AMBITO NACIONAL, INCORPORAÇÃO, PARTICIPANTE, DIVERSIDADE, PARTIDO POLITICO, RETOMADA, ETICA, COMPORTAMENTO, PRIORIDADE, BRASIL, GARANTIA, RETORNO, CONFIANÇA, POPULAÇÃO.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Obrigado pelo “coração”, Presidente, mas meu coração entenderá perfeitamente que V. Exª cumpra o Regimento.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ontem aprovamos em uma das Comissões do Senado Federal um projeto da Senadora Ideli Salvatti que obriga a escola básica no Brasil a usar a Língua Brasileira de Sinais, de tal maneira que possamos trazer para dentro da sala de aula o idioma que nossas crianças portadoras de deficiências auditivas possam compreender.

Eu disse ali, como Relator, Sr. Presidente, que deveríamos também ter a obrigatoriedade de ter a Libras aqui no Congresso Nacional, para que, no momento em que for preciso, quando tivermos Congressistas portadores de deficiências auditivas, eles possam também conversar conosco.

Mas eu disse mais, Sr. Presidente, e é o que venho dizer aqui: que está precisando se dar um curso aos Parlamentares brasileiros de Libras. Não para entender os gestos com os dedos que nos indicam a linguagem de que se servem aqueles que não ouvem. Está precisando, Sr. Presidente, se ensinar Libras a nós para que entendamos a linguagem corporal do povo pobre brasileiro, que não conseguimos ler, porque passamos numa esquina com crianças pedindo esmola na hora que deveriam estar na escola e não conseguimos ler que, naquele corpo sofrido, está uma linguagem, está uma palavra chamada “miséria”. Não conseguimos ler, e é triste isso, a linguagem corporal dos pobres brasileiros que dormem em calçadas. Não conseguimos ler a linguagem corporal daqueles que ficam na fila durante dias, noites muitas vezes, para terem um atendimento médico. Não conseguimos ler a linguagem corporal de pessoas idosas que, para receber as aposentadorias, têm que dormir no frio, sentadas em calçadas. Está na hora, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, de que nós, os Parlamentares deste País, entendamos a linguagem corporal da miséria, a linguagem corporal que os pobres brasileiros falam todos os dias para nós, nas esquinas, no campo, nos lugares onde a pobreza está vivendo.

Falo, Sr. Presidente Tião Viana, do belo projeto da Senadora Ideli Salvatti sobre Libras, Língua Brasileira de Sinais, sendo adotado nas escolas para crianças, dizendo que precisamos também aprender Libras, mas não para aprender os gestos e sim para aprender os gestos corporais dos pobres quando gritam para nós, e não entendemos, que eles estão passando fome, que gritam para nós, e não entendemos, que eles não sabem ler.

Senador Mão Santa, se prestássemos atenção nas paradas de ônibus aos gestos como alguns adultos olham para o ônibus, perceberíamos que ali, naquele gesto, estariam dizendo que não sabem ler. Estariam procurando sinais que lhes indiquem para onde vai aquele ônibus. Felizmente, hoje, graças à Senadora Ideli Salvatti, começa a ser aprovado o projeto de usar Língua Brasileira de Sinais nas escolas. Mas eu não vejo nenhum gesto para que coloquemos os nossos Parlamentares para aprenderem a Língua Brasileira de Sinais falada nos corpos dos povos brasileiros. E tenho impressão de que isto não vai sair de nenhum dos nossos partidos.

Nenhum partido conseguiu levar adiante, Senador Mão Santa, nenhuma reforma para valer no Brasil. Todas as nossas mudanças substanciais vieram de movimentos populares, sociais e até de corporações, até dos militares, mas nenhuma veio de partido - nem a Independência, nem a República, nem a Abolição, nem a redemocratização, nem o próprio desenvolvimento, nada. O que mudou o Brasil não veio de nenhum dos partidos, e o meu, o Partido dos Trabalhadores, foi o primeiro a encarnar a idéia de que era um partido para a transformação social. Nós temos que reconhecer que nesses mais de 30 meses de Governo, Senador Tião Viana, nós frustramos essa idéia de sermos os vetores da transformação social. Fizemos até bons projetos. Não há dúvida de que fizemos. Demos continuidade a bons projetos que herdamos. Isto já é um mérito. Mas ser vetor de transformação, deixar um legado, uma marca que diz que o Brasil de quando nós saímos é diferente do Brasil de quando nós entramos, isto nós não vamos fazer.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - V. Exª me permite um aparte, Professor Cristovam Buarque?

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PT - DF) - Ouço o aparte do Senador Mão Santa.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - V. Exª é a grande dádiva que Deus deu ao PT. Quero lhe dizer que respeito o seu currículo, e todo o Brasil respeita, mas V. Exª não foi prefeitinho. O Lula também não o foi.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PT - DF) - Fui prefeitinho do Distrito Federal.

O SR. MÃO SANTA (PMDB - PI) - Sou orgulhoso porque fui prefeitinho. Então, quando saí do tempo de trabalho, de uma sala de cirurgia, para ser prefeito, comecei a estudar. Nós acreditamos no estudo. Estamos aqui pelo estudo e pelo trabalho, com as pernas do estudo e do trabalho. Então, fui estudar uma revista especializada no âmbito municipal. Vi um programa de uma mulher - mulher sempre sabe - do Rio Grande do Sul. Atentai bem, Senador Tião Viana! Ela tinha um programa, chamado Nenhum Brasileiro Analfabeto, que coloquei em minha cidade, Parnaíba. Era um programa simples, de voluntários evangélicos e católicos, em que cada um era responsável por um analfabeto. Quando eu lancei o programa, uma pessoa que eu tinha operado, filho de um carroceiro, que não tinha mais baço e estava com o fígado estragado, viu-me e disse: o meu professor vai ser o Prefeito. Eu não pude evitar; assumi aquela responsabilidade e o alfabetizei. Era o Pedro. Lembro-me muito bem de que, aos sábados e domingos, preocupado, ia buscar o Pedro para levá-lo à praia para ler os livros, porque eu tinha que prestar contas e dar o exemplo. Esta é a única tese, pelo seguinte: se Cristovam Buarque colocar o melhor prédio, a melhor informática, a melhor professora, o analfabeto não se apresentará, porque é envergonhado. Aquilo é uma doença que o envergonha, então ele se apresenta para um próximo, para um parente, para um amigo. Se cada um assume esse compromisso, nós alfabetizamos milhares e milhares. Depois eu fiz isso como Governador do Piauí. Mas vou falar sobre o dia mais belo da minha vida política, Senador Tião Viana. Eu levava os que colavam grau dentre os alfabetizados para o melhor clube, e na festa havia um orador. Quando era Governador do Estado, a festa era nos salões do Karnak. Alfabetizava, havia festa. Eu me lembro de um discurso da oradora. Foi o melhor dia da minha vida, no Igara Clube, dos ricos da minha cidade. Ela disse: “O senhor é um doutor, um operador. Mas não é. O Prefeito é um oftalmologista, porque eu era cego, não tinha visão.” Então, continue com o seu sonho, e eu lhe passo essa experiência. V. Exª, ou o Senador Tião Viana, ou o Senador Paulo Paim deveria ser recrutado agora - há três para se escolher - para ser o Richelieu que o Lula está precisando.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PT - DF) - Muito obrigado, Senador. V. Exª mostra que despertou porque soube ler no corpo de algum pobre analfabeto a necessidade que ele tinha.

Sr. Presidente, volto ao meu pronunciamento e peço um pouco de generosidade no tempo. Quero falar dessa frustração que sentimos hoje e que trouxe desencanto ao povo brasileiro. Podemos aceitar o desencanto no povo, mas não podemos aceitar o desencanto entre nós que somos os líderes nacionais. Nós precisamos, de dentro desta Casa, retomar o encanto que o povo perdeu. E esse encanto não virá de um partido ou de outro. Ele só virá de um movimento nacional que incorpore pessoas de todos os partidos, mas que tenham metas, sonhos, propósitos que possamos ter certeza de realizar.

Não vejo por que haja diferença nesses sonhos em pessoas de Partidos tão diversos: entre V. Exª, Senador Mão Santa, a Senadora Heloísa Helena, o Senador Alvaro Dias. Não vejo por que haja diferença entre nós em relação a alguns grandes objetivos para este País que reencantem o povo brasileiro, que tirem o povo desse desencanto.

Sinceramente, estamos sendo modestos quando concentramos o nosso sonho na luta contra a corrupção do comportamento de políticos. É preciso travar essa luta, Senadora Heloísa Helena, mas também é preciso fazer um movimento pela ética nas prioridades das políticas públicas. V. Exª foi um exemplo, com o seu projeto voltado para a primeira infância. V. Exª sabe como foi difícil aprová-lo, como Partidos ficaram contrários a ele. Foi preciso V. Exª criar uma espécie de movimento que trouxe para aquele objetivo pessoas de diversos Partidos.

Precisamos - dispomos de pouco tempo - criar um movimento pela ética nas prioridades no Brasil. Nos últimos dias, o povo tem ido às ruas protestar contra a falta de ética no comportamento. Em breve - espero que ocorra -, o povo vai às ruas protestar contra a vergonha das prioridades equivocadas no uso do dinheiro público.

Nós, Líderes deste País, não temos o direito de deixar que o povo continue desencantado, nem temos o direito de enganá-lo, fazendo-o acreditar que cada um de nós, prisioneiros em nossos “partidinhos” - Senador Mão Santa, uso uma expressão semelhante à de V. Exª quando diz “prefeitinho” -, liberará a força criativa do povo brasileiro.

            É por meio de um grande movimento pela ética nas prioridades, pela ética social, a partir da linguagem lida no corpo dos pobres brasileiros, que vamos poder colocar junto pessoas como o Senador Mão Santa, como o Paim, como o Tião, como a Heloísa, como tantos outros aqui, e levar o povo a sair do desencanto, voltando a acreditar que ainda é possível sonhar um Brasil diferente.

A frustração destes meses não justifica o desespero histórico. A história vai muito além dos governos e exige de nós pensarmos historicamente e não apenas politicamente nos momentos das grandes crises.

Muito obrigado, Sr. Presidente, pelo tempo que me concedeu além do que eu tinha direito.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/08/2005 - Página 28478