Discurso durante a 134ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Voto de pesar pelo falecimento do ex-Governador Miguel Arraes, ocorrido no dia 13 do corrente, em Recife-PE.

Autor
Sergio Guerra (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/PE)
Nome completo: Severino Sérgio Estelita Guerra
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Voto de pesar pelo falecimento do ex-Governador Miguel Arraes, ocorrido no dia 13 do corrente, em Recife-PE.
Publicação
Publicação no DSF de 16/08/2005 - Página 27560
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, MIGUEL ARRAES, EX GOVERNADOR, EX-DEPUTADO, ESTADO DE PERNAMBUCO (PE), PRESIDENTE, PARTIDO POLITICO, PARTIDO SOCIALISTA BRASILEIRO (PSB), ELOGIO, VIDA PUBLICA, LUTA, BENEFICIO, POPULAÇÃO, REGIÃO NORDESTE.

O SR. SÉRGIO GUERRA (PSDB - PE. Para encaminhar a votação. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, tenho hoje a oportunidade de fazer um discurso que jamais pensei em fazer. Nunca trabalhamos com a hipótese da morte do Dr. Miguel Arraes. Deve ser assim com pessoas com as quais convivemos, que reconhecemos, admiramos, respeitamos e estimamos e das quais gostamos. Nunca na minha vida imaginei qualquer cenário sem Arraes: em Pernambuco ou no Brasil. Devo dizer que não consigo pensar isso agora. Também não tive como refletir sobre isso.

Venho de uma família de políticos da antiga UDN, que tinha relação pessoal com Arraes. Entre as suas muitas marcas, uma foi a capacidade de conviver com adversários. A atitude pessoal de Arraes jamais foi radical, foi sempre conciliadora, do começo aos últimos momentos da sua vida pública.

Sempre soube distinguir, com muita clareza, os seus compromissos reais de outros compromissos e de outras relações cuja natureza não era exatamente o fundamento da sua vida.

Como político, Arraes foi, sobretudo, alguém que se voltou, às vezes de maneira irracional, para as demandas da maioria do povo, dos pobres de uma maneira geral, dos nordestinos em particular.

Há uma frase dele que repeti centenas de vezes: “No Brasil, não há apenas um Nordeste; há nordestes pelo Brasil inteiro”. Nesse sentido, as condições de pobreza e de discriminação, para parcela dos brasileiros, não eram privilégio do Nordeste, mas se reproduziam em todas as áreas do País. O Nordeste, para Arraes, mais do que as outras regiões, era uma concentração de pobreza; em outras áreas, a pobreza não era tão disseminada e tão concentrada como lá.

O seu compromisso com a pobreza parece-me ter sido, de todos os seus verdadeiros compromissos na atuação política, o mais relevante. Associado a esse, tinha o compromisso nacionalista, numa versão internacional de que países emergentes deveriam se unificar numa política para forçar concessão, mudança dos países hegemônicos.

Estes dois pólos - pela pobreza, pela maioria dos brasileiros, e pela parcela do povo que, em vários países, tinha a mesma posição central de pobreza do Brasil, a mesma dependência estrutural dos grandes países - adensavam toda a atuação política de Miguel Arraes, no curto, no médio e no longo prazo.

Partido para ele nunca deixou de ser importante, mas nunca foi central. Sempre foi favorável às frentes, às alianças. Fundou a Frente do Recife, unificando, pela primeira vez no Nordeste, em Pernambuco, forças verdadeiramente de esquerda e outras que não o eram. Os objetivos e projetos dessa luta geraram mudanças relevantes para o Recife, quando ele foi prefeito e, depois, governador. Houve realizações como o Movimento de Cultura Popular, comandado por Paulo Freire, que vinculou, pela primeira vez no Brasil, de forma contundente, a educação e a luta da população para melhorar as suas condições de vida, a educação e a politização das massas, numa versão construtiva de reforma de baixo para cima da sociedade inteira.

Arraes teve a vida marcada pela coerência, não essa coerência superficial! Alguém reclamava, porque ele se juntava ora com a direita, ora com a direita até mais extremada, ora com conservadores, ora com setores progressistas, ora com setores do centro, ora com liberais, ora com representantes da centro-esquerda, ora com os sociais-democratas. Ele se juntava com todos, mas jamais houve uma perda milimétrica dos seus compromissos de homem vinculado à luta da população, da maioria do povo, e à luta dos países que sofrem exploração por parte dos países mais poderosos.

Eu o conheci bastante. Praticamente comecei a minha vida pública com ele. Fui Deputado Estadual, Líder do PMDB, quando ele era a figura central do PMDB pernambucano, por três anos. Fui seu Secretário da Indústria e do Comércio, no seu segundo governo. Fui seu Secretário da Ciência e Tecnologia, no seu segundo governo. Depois, na Câmara dos Deputados, fui Líder do PSB, Partido que ele presidia. Posteriormente, novamente, fui Secretário da Indústria, Comércio e Turismo, no seu terceiro governo.

Era um homem absolutamente seguro das suas convicções. Aparentemente, não tinha um coração de fácil visibilidade. Alguns, precariamente, diziam que ele era frio, que não era capaz de sentimentos na condução da questão política e da questão pessoal, principalmente da questão política. Nada menos verdadeiro! Era homem de coração exuberante, mas de poucas palavras. Sabia administrar como ninguém o seu silêncio e sabia afirmar, no momento oportuno, a sua palavra. Administrava com enorme sabedoria, no sentido integral da expressão, a sua liderança política.

Firme, absolutamente coerente, não terá sucessores na vida brasileira. Não quero dizer que não haverá continuadores, haverá muitos, mas ninguém terá, como ele, a capacidade de reproduzir um pedaço da história do Brasil outra vez, até porque isso não é possível. Cumpriu uma tarefa que poucos teriam, como ele, capacidade de executar.

Essa questão do Arraes mito é uma simplificação. A sua capacidade de se vincular ao povo nasceu do seu primeiro governo, quando se deu um aumento absolutamente atípico no preço do açúcar internacional. Por conta da crise cubana, os aumentos do açúcar, sempre drenados para os usineiros e para os produtores de cana, não foram para esse endereço, foram para o povo, pela intervenção política de Arraes. Ele ajudou o povo a se organizar e a se fazer na Zona da Mata de Pernambuco pelo salário, pela organização dos sindicatos, pela transferência de grandes preços no açúcar internacional e no preço nacional do açúcar. Com isso, houve uma imensa transferência de renda para setores absolutamente empobrecidos de Pernambuco, com imensa importância na psicologia, na economia e na base social da sociedade pernambucana.

Arraes deu a mão a esses camponeses de forma concreta, por meio da melhoria nas suas condições de vida. Essa capacidade de libertar econômica, política e socialmente gente que vivia escravizada é a origem do chamado “Mito Arraes”. Foi esse braço para os camponeses que excedeu a rebelião que, por exemplo, Francisco Julião propôs e a que Arraes deu resposta como Governador, como líder dos pernambucanos, em seu primeiro governo antes de 1964.

Banido, em nenhum momento deixou de afirmar a sua coerência, sua coragem, sua determinação.

Volta ao Governo...

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

O SR. SÉRGIO GUERRA (PSDB - PE) - ...com a mesma idéia, com o mesmo compromisso. Alguns viram nisso um político retrogrado. Nada disso! Um político de compromissos, isso sim. Quando tantos esqueceram do povo, ele não esqueceu, como Brizola também não esqueceu.

Essa massa, que não tem nome, que está espalhada pelo Brasil, não necessariamente organizada, teve em Arraes, de maneira concreta - e em Brizola também - um líder de fato. O compromisso com ela e a determinação de fazer a sua luta nunca lhe faltaram. Terá não sabido compreender as mudanças culturais da classe média brasileira, certas transformações recentes, que resultaram do impacto do sistema de comunicação de massa, sobre todo esse público?

Mas isso tudo é irrelevante diante da afirmação do seu compromisso histórico com a massa, com a pobreza, com o povo e também com o Brasil, um País que muitos defendem da boca para fora e que Arraes entendia como parcela essencial da sua razão de viver, da sua razão de ser político.

Tenho imensa tristeza em falar da morte dele e afirmo, com certeza, que aqueles que desejam fazer um Brasil melhor, moderno, devem caminhar o caminho de Arraes, para fazê-lo atual, crescentemente compatível com o novo mundo, mas com os compromissos essenciais honrados com o povo e com a Nação.

Quero dar a minha palavra de solidariedade a seus amigos, que também são meus amigos; a seus parentes, que também são meus amigos; e dizer que, seguramente, tentarei, como político que teve a sua colaboração, honrar o compromisso da sua luta no Senado Federal.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/08/2005 - Página 27560