Discurso durante a 134ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Voto de pesar pelo falecimento do ex-Governador Miguel Arraes, ocorrido no dia 13 do corrente, em Recife-PE.

Autor
Cristovam Buarque (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Voto de pesar pelo falecimento do ex-Governador Miguel Arraes, ocorrido no dia 13 do corrente, em Recife-PE.
Aparteantes
Eduardo Suplicy.
Publicação
Publicação no DSF de 16/08/2005 - Página 27564
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, MIGUEL ARRAES, EX GOVERNADOR, EX-DEPUTADO, ESTADO DE PERNAMBUCO (PE), PRESIDENTE, PARTIDO POLITICO, PARTIDO SOCIALISTA BRASILEIRO (PSB), ELOGIO, VIDA PUBLICA, LUTA, DEMOCRACIA, AUXILIO, POPULAÇÃO, REGIÃO NORDESTE.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PT - DF. Para encaminhar a votação. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, sexta-feira, quando eu aqui disse que hoje iria falar sobre o meu papel no futuro das forças progressistas brasileiras, não imaginava que, no dia seguinte, teria a notícia do falecimento do Dr. Miguel Arraes e que hoje eu estaria falando mais do meu passado que do meu futuro. Do passado de um jovem que, há 43 anos, deu o primeiro voto, o primeiro voto ao Dr. Miguel Arraes para Governador do Estado de Pernambuco. E também o jovem que, poucos anos depois, foi à praça pública, em frente ao Palácio das Princesas, manifestar-se para tentar impedir o golpe militar e enfrentar os militares que haviam aprisionado o Governador Miguel Arraes. O jovem que viu o gesto de dignidade do Dr. Miguel Arraes negando-se a renunciar ao cargo, mesmo sob o risco de ficar preso - e, naquela época, ninguém sabia até se não seria pior do que a prisão - e, depois, o exílio. No seu regresso, eu, já não tão jovem, convivi com ele.

Travei uma longa conversa com o Dr. Miguel Arraes, talvez uma semana, no máximo duas semanas antes de ele ficar doente. O que fica do Dr. Arraes, em primeiro lugar, é a coerência. Esteve em quatro siglas partidárias diferentes e nunca mudou uma vírgula do seu discurso e dos seus compromissos. Um político que morre aos 88 anos em plena atividade e sem ter mudado nada dos compromissos que assumiu desde a adolescência.

O segundo aspecto que nos deixa refere-se à natureza dos compromissos mencionados anteriormente. Enquanto uma parte das esquerdas brasileiras, influenciadas pelo que vinha do exterior, adotava ideologias que não eram brasileiras, o Dr. Arraes ficou com aquilo que se caracterizava pelo pensamento brasileiro. Enquanto, depois, uma parte da esquerda evoluiu na defesa dos interesses dos trabalhadores do setor moderno, das corporações trabalhistas, dos sindicatos, o Dr. Arraes continuou afeito aos compromissos relacionados com as massas excluídas. Enquanto alguns acharam que a esquerda era o desenvolvimento a qualquer custo, o Dr. Arraes continuou com o firme compromisso com a região nordestina. Por isso, ele é um exemplo. Não há futuro para nenhum de nós que deseja mudar o Brasil a não ser olhar para o exemplo, o discurso, as propostas, os compromissos do Dr. Miguel Arraes.

Mas, para não dizer que não falei do futuro, quero deixar claro aqui, Sr. Presidente, que o que fica hoje é um sentimento profundo de vazio. Vazio porque, de repente, temos a sensação de que desapareceu o último dos líderes das forças progressistas brasileiras; o último daqueles que nos acostumamos a chamar de líder de esquerda no Brasil. Não ficou mais nenhum daqueles velhos, que, desde o ano de 1962, assumiram a bandeira de que era possível um Brasil diferente, um Brasil soberano, que distribuísse a renda, que fosse capaz de reduzir a desigualdade regional. Não ficou mais nenhum elemento daquele grupo de pessoas que sonharam que a democracia era o caminho para construir essa justiça e não ditadura do proletariado.

E o que fica para o futuro e o que acho que vai fazer falta ao Brasil, a partir de Dr. Arraes, é que esses sonhos que ele defendeu, que Brizola defendeu, com visões até às vezes diferentes, não vão sair de nenhum dos partidos que temos hoje na esquerda brasileira, nem vão sair apenas dos políticos que fazem parte desses partidos chamados de esquerda. Temos hoje um verdadeiro caos partidário e ideológico. Temos um vazio de idéias e de propostas que vai exigir que tentemos refundar o que se chama de esquerda, seja qual for o entendimento que se tenha disso e com todas as contestações até mesmo quanto ao uso dessa palavra. Não será do meu Partido dos Trabalhadores, mas não será também de nenhum dos outros partidos isoladamente, nem será excluindo qualquer pessoa de qualquer dos outros partidos, inclusive aqueles cuja tradição são...

(Interrupção do som.)

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PT - DF) - (...) posições conservadoras. Hoje, não há monopólio em nenhum partido do que significam as bandeiras do futuro de um país soberano com justiça social e democracia. Em todos os partidos há pessoas que não comungam com isso; em todos os partidos há pessoas capazes de defender essas bandeiras.

Eu, que dei o meu primeiro voto ao Dr. Miguel Arraes há 43 anos, não perdi, em nenhum momento, o meu respeito, o meu carinho, nunca tive arrependimento por aquele voto. Vou continuar na minha vida pública olhando para ele como um exemplo; um exemplo de quem é comprometido com uma causa e não necessariamente com uma sigla. Um político que nunca abriu mão de nenhum de seus princípios e que foi capaz de militar em quatro siglas diferentes. Não vou abrir mão de que o principal compromisso não é com as forças corporativas dos trabalhadores organizados mas, sim, com as massas excluídas deste País. Vou manter o meu compromisso, mesmo sendo representante do Distrito Federal, com o Nordeste, não só porque de lá sou originado, mas também porque é a região mais sofrida deste País.

Morreu uma figura exemplar; mantém-se o seu exemplo. Farei o possível para ser um dos políticos deste País que aprendeu com ele e que tenta levar adiante o seu sonho, que não morreu ainda, tentando ajudar a refundar não o meu partido apenas, mas a esquerda brasileira, consciente de que, para fazê-lo em seu conjunto, é preciso pensar bem qual das siglas melhor permite isso.

Mas esse é um assunto, Sr. Presidente, de que não gosto de tratar no dia em que estamos comemorando a partida, a entrada na história do Dr. Arraes.

Passo a palavra ao Senador Eduardo Suplicy, que pediu um aparte.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Prezado Senador Cristovam Buarque, V. Exª, de Pernambuco, professor da Universidade de Brasília, Governador e Senador pelo Distrito Federal, mantém suas raízes com Pernambuco, com o Nordeste e com pessoas como Miguel Arraes, que se tornou um dos maiores símbolos do povo nordestino e brasileiro. Como se pôde ver ontem, lá estava V. Exª, percebendo como o Governador, o Deputado Federal, o Presidente do PSB, Miguel Arraes, era uma das pessoas mais amadas na história do povo de Pernambuco. Quem viu as imagens pela televisão - e foi mostrado V. Exª - pôde observar as manifestações seja das autoridades entrevistadas, seja das pessoas do povo, que diziam o quanto ele significava e como colocara em prática programas que tiveram fundamental impacto para a transformação da vida da população, sobretudo a do interior, que mais estava distante dos benefícios do desenvolvimento até a chegada dele. V. Exª descrevia o compromisso que ele tinha de, chegando ao poder, realizar uma transformação de acordo com aqueles ideais que nutriu desde jovem. O fato de ter ele conseguido realizar essa transformação na direção do que tanto acreditava fez com que, ao final de sua vida, fosse tão amado. Enquanto V. Exª iniciava seu pronunciamento, telefonei para D. Magdalena Fiúza, sua esposa, para transmitir que V. Exª aqui falava sobre Miguel Arraes, a fim de que ela pudesse ouvir. Disse-lhe disse que eu era estudante em 1963 e 1964, quando, certo dia, Miguel Arraes veio para São Paulo. Ele tinha um amigo, Marcus Pereira, já falecido, que, ali na cidade, era como seu representante. Marcus Pereira se tornou muito conhecido, por ser um pesquisador da música popular brasileira, da música sertaneja, de Luiz Gonzaga, da música do folclore brasileiro; era uma pessoa que, quando Miguel Arraes vinha a São Paulo, reunia os amigos para que o conhecessem. Quando, certo dia, Miguel Arraes veio para falar no Pinga Fogo - um programa como hoje é o Roda Viva, muito assistido -, de Aurélio Campos e outros jornalistas, como Tico-Tico, eis que um grupo de direitistas, alguns ligados ao CCC da época, foi para a emissora, no Sumaré, tentando impedi-lo, e eu e alguns amigos fomos lá, justamente para assegurar seu direito a dar a entrevista. E, desde aqueles momentos, pude acompanhar a vida coerente, a assertividade de Miguel Arraes na busca de que o Brasil caminhasse na direção dos ideais de democracia, de liberdade, de maior igualdade de direito para todos os brasileiros. E V. Exª aqui confirma isso. Vemos em Miguel Arraes um exemplo de coerência em busca do que considera mais importante. E, sobre a decisão que V. Exª está por tomar, agradeço muito a oportunidade de dialogarmos um pouco. Vendo a pessoa que queremos homenagear, Miguel Arraes, como exemplo de trajetória e por ideais que o fizeram tantas vezes apoiar o Presidente Lula, sobre isso quero ter a oportunidade de dialogar com V. Exª, como irmãos de Partido, como companheiros de princípios e objetivos que desejamos para o Brasil.

O SR CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PT - DF) - Agradeço ao Senador Eduardo Suplicy e peço ao Sr. Presidente poucos segundos para concluir.

Em primeiro lugar, lembro, Senador, que, entre as coisas que vi na madrugada de sábado para domingo, perto do corpo do Dr. Arraes, naquela fila de homens e mulheres simples, foi um homem que, trazendo na mão uma pequena lâmpada, olhou para ele e disse “obrigado, Dr. Arraes”, por causa do programa de eletrificação que fez.

Veja como é pouco o que esse povo precisa para mudar a sua vida. Ao mesmo tempo, pensei: mas ele morre, como tantos outros que lutaram por reformas de base, sem vê-las realizadas 50 anos depois; como morreu Rui sem deixar completa nem a República, nem a abolição; como morreram todos, sem verem completada a independência. E este País se nega a completar a independência, a abolição dos escravos, a república. Essa é a tarefa que o Dr. Arraes deixa inconclusa e que temos a obrigação de levar adiante.

Sr. Presidente, estou falando da morte do Dr. Miguel Arraes com muita tristeza, mas, ao mesmo tempo, com orgulho, por saber que morreu um homem que levou sua vida, sem abrir mão de um único dos princípios que nortearam sua trajetória pública, um exemplo para todos nós.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/08/2005 - Página 27564