Discurso durante a 151ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Comentário sobre pronunciamento do Senador José Maranhão. Análise sobre o momento político atual, enaltecendo a necessidade de ser feito um movimento sério pela ética e manifestando contrariedade com a conduta que vem sendo adotada pelo Partido dos Trabalhadores.

Autor
Cristovam Buarque (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DESENVOLVIMENTO REGIONAL. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. POLITICA PARTIDARIA.:
  • Comentário sobre pronunciamento do Senador José Maranhão. Análise sobre o momento político atual, enaltecendo a necessidade de ser feito um movimento sério pela ética e manifestando contrariedade com a conduta que vem sendo adotada pelo Partido dos Trabalhadores.
Aparteantes
Mão Santa.
Publicação
Publicação no DSF de 03/09/2005 - Página 30076
Assunto
Outros > DESENVOLVIMENTO REGIONAL. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. POLITICA PARTIDARIA.
Indexação
  • COMENTARIO, DISCURSO, AUTORIA, JOSE MARANHÃO, SENADOR, REFERENCIA, PROJETO, TRANSPOSIÇÃO, AGUA, RIO SÃO FRANCISCO.
  • ELOGIO, DECISÃO, POPULAÇÃO, BRASIL, ELEIÇÃO, LUIZ INACIO LULA DA SILVA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, EXPECTATIVA, TRANSFORMAÇÃO, PAIS.
  • IMPORTANCIA, UNIÃO, CLASSE POLITICA, INTELECTUAL, CONSCIENTIZAÇÃO, NECESSIDADE, AMPLIAÇÃO, CONHECIMENTO, CRISE, POLITICA NACIONAL, MOBILIZAÇÃO, DEFESA, ETICA, CONDUTA, ESCOLHA, PRIORIDADE, DESTINAÇÃO, DISTRIBUIÇÃO, FUNDOS PUBLICOS.
  • COMENTARIO, DIVERGENCIA, ORADOR, ATUAÇÃO, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT).

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidente Heloísa Helena, Srªs e Srs. Senadores, o tema do discurso do Senador José Maranhão justifica perfeitamente o tempo de que precisou. O rio São Francisco, o Nordeste e esse projeto tão arriscado, chamado transposição, também merecem muitas horas de estudo.

Srª Presidente, eu vim falar de um assunto completamente diferente. Vim lembrar o que todos nós sabemos: que, em 2002, o povo brasileiro deu prova de uma grande sabedoria e de uma grande ousadia. A sabedoria de perceber que o futuro do Brasil não dependia apenas de mais um presidente igual aos outros. O futuro do Brasil exigia mudanças, exigia uma verdadeira revolução. E também a ousadia do povo brasileiro de, ao entender isto, votar no Presidente Lula. Um presidente que tinha todas as características diferentes dos outros do passado, que vinha das camadas mais populares, sem curso superior, pobre, da esquerda. Então, o povo brasileiro deu prova de sabedoria, ao entender a necessidade de mudanças, e de ousadia, ao correr o risco de elegermos um presidente diferente.

Quase três anos depois, temos de reconhecer que nós, os políticos - obviamente, em primeiro lugar, o Presidente e o seu Governo -, não tivemos nem a ousadia nem a sabedoria do povo brasileiro.

Nesta semana eu ouvi declarações de que intelectuais consideram que é hora de fazer silêncio. O silêncio é o túmulo do intelectual. Nós, aqui dentro, nos dedicamos ao imediatismo, e o imediato é o túmulo do estadista. Nós não estamos com a sabedoria nem com a ousadia do povo. E lamento que não vejo condições - e tenho repetido isto - para que o Partido dos Trabalhadores seja o caminho para retomarmos a sabedoria e a ousadia.

Também não vejo, neste momento, que nenhum partido isoladamente vai conseguir ter a sabedoria e a ousadia. A sabedoria de entender que o que acontece no Brasil não é um problema apenas de economia, nem de crescimento, mas de uma revolução de um tipo novo que precisamos inventar, não aquela do começo do Século XX, nem mesmo do Século IXX. Mas não basta uma evolução; é preciso uma transformação.

Nós vivemos um descompasso entre uma massa que quer entrar na escola e governos que não querem dar as condições para que a escola salte. Um descompasso entre um país que quer crescer e as amarras internacionais que não o deixam fazê-lo. Um descompasso entre uma população que quer emprego e uma economia que gera desemprego. Esse é o descompasso que vejo, Senadora Heloísa Helena, que o povo entendeu: é preciso algo mais do que simples administradores; é preciso transformadores. Não uso a palavra revolucionários para não chocar demais.

O povo entendeu isso. O povo percebeu e teve ousadia. E nós todos, uns mais, outros menos, sobretudo o Governo, não estamos entendendo que é preciso compreender a dimensão da crise - ela é mais profunda do que parece no dia-a-dia - e ter a ousadia de arriscar algumas mudanças. Para isso, creio que precisamos criar um movimento nacional por algo novo, cujo nome ainda não sei. Seja uma ética nas prioridades, seja uma reforma de base, seja uma revolução, mas um movimento que transcenda os partidos. Que tenha dentro dele, sim, o próprio Partido dos Trabalhadores, mas não mais liderado por ele. Que tenha o seu Partido, o P-SOL, Senadora Heloísa Helena, que tem papel fundamental ao gritar alto o que o povo quer dizer. Que tenha os outros partidos daquele bloco que sempre chamamos, no Brasil e no mundo, de esquerda. E se quiserem inventar outro nome para ela, que o façam. Mas são aqueles inconformados com a realidade e que sabem que a simples evolução não leva a mudanças. São aqueles que percebem que não basta evoluir lentamente, vegetativamente, como o Brasil até faz, porque este é um país que, se ninguém fizer nada, faz por si mesmo, mas ficando atrás dos outros, aumentando a brecha entre pobres e ricos ou a distância entre nós e os outros países.

Precisamos entender - e é um apelo a cada um de nós, de qualquer partido que seja - que está na hora de um grande movimento não só pela ética, que é o que mais aparece hoje do comportamento, mas também pela ética nas prioridades, pela ética de para onde vão os recursos públicos, pela ética de políticas públicas que possamos levar adiante.

Aproveito esta sexta-feira para dizer do meu descontentamento em sentir aqui dentro e nas amarras do Partido ao qual ainda estou filiado as dificuldades de ajudar a construir esse grande movimento. Daí a reafirmação de que considero que meu papel como senador eleito pelo povo do Distrito Federal é, sem dúvida alguma, graças à militância do PT, por carregar as minhas bandeiras. Não posso negar! Tenho que reconhecer, e isso vai ficar escrito para sempre. Mas a militância que carregou essa bandeira era a do partido de 1994, de 1998 e de 2002. Não são aqueles que não podemos sequer chamar de militantes no partido de hoje. Ao mesmo tempo, são aqueles que, lamentavelmente, perderam a capacidade de sonhar e o sentimento de que partido é meio. Partido não é fim. Fim é o país e o povo do país. Senador Mão Santa, o seu partido, o meu e qualquer outro são meios, são exércitos de uma revolução de transformação da sociedade brasileira.

Em nosso partido - porque foi também o seu, Senadora Heloísa Helena -, há pessoas muito jovens, que começaram na política agora e costumam ver o partido como a finalidade e não como instrumento.

Há aqueles que são petistas desde antes de o PT existir. Costumo dizer que o sou desde o dia 24 de agosto de 1954, quando cheguei em minha casa e vi minha mãe chorando pela morte de Getúlio Vargas. Ela era uma tecelã de uma pequena fábrica de Recife. Ali comecei a ser de esquerda e a ser petista. Nós, que temos uma história, que vemos que o partido é meio e que a revolução, a transformação, a mudança são a finalidade, temos mais facilidade apesar de sofrer muito ao tomar essas decisões. No entanto, a nossa militância mais jovem não consegue nem tomar a decisão - e entendo perfeitamente - porque, para eles, o partido é a finalidade e não o meio. Às vezes, os partidos, que são o meio, perdem o rumo. Nesse momento, é preciso reencontrar o rumo.

Hoje, temo que esse povo que teve o entendimento, que nos deu uma lição, aos intelectuais, e que teve a ousadia de nos dar uma lição, aos políticos, de, em 2002, eleger o Lula Presidente caia na frustração e que isso se transforme em alienação, em perda total de esperança.

Por isso, é preciso carregar a bandeira, desde já, da esperança outra vez, mostrando que é possível, cada um no seu Partido e alguns sem Partido, carregarmos essa bandeira de um grande movimento nacional. O Brasil tem condições para isso. Tudo que o País fez de grande saiu de movimentos, não de Partidos: a Independência, a Abolição, a República, as duas redemocratizações, a anistia, tudo saiu de movimentos. Os Partidos ajudaram, do ponto de vista legal, mas quem fez a mudança foi o povo na rua, insuflando os políticos.

Nós precisamos ser insuflados hoje. Precisamos fazer com que os intelectuais não fiquem no silêncio, nem os políticos no imediatismo, porque, sem isso, o povo não vai demorar a gritar: “Todos fora!”

Era o que eu tinha a dizer, Srª Presidente. Agradeço também a V. Exª a generosidade do tempo.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Cristovam Buarque, concede-me V. Exª um aparte?

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PT - DF) - Com prazer, se a Presidente assim autorizar.

A SRª PRESIDENTE (Heloísa Helena. P-SOL - AL) - Pois não, Senador.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Professor Cristovam, quero confessar que, quando V. Exª se candidatou à reeleição, eu fiz campanha contra V. Exª.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PT - DF) - É verdade.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - V. Exª foi muito importante para uma aliança, no Piauí, contrária à minha candidatura. Eu vim a Brasília, onde há uma grande colônia do Piauí, e votamos no adversário de V. Exª. Porém, o destino nos colocou nesta Casa, que deve ser o degrau máximo da sabedoria que V. Exª representa. Quero dizer que, quando começou o Governo do Lula, em quem votamos - nós nos unimos -, e V. Exª assumiu o Ministério da Educação, eu aqui fiz vários pronunciamentos admirando o seu comportamento. E creio que não houve só um erro do Lula. Aí está o sacrifício. Ele não respeitou a liberdade da líder Heloísa Helena e castrou aquilo que era mais importante ao demitir V. Exª. Senador Cristovam Buarque, V. Exª passou pouco tempo no Ministério, mas ninguém o excedeu. Eu via seu interesse. Um quadro vale por dez mil palavras: aquela imagem que a imprensa brasileira divulgou de V. Exª, o Magnífico Reitor, o ex-Governador, o professor, o mestre. Atentai bem: a humanidade só chama de mestre o professor; não chama assim o Senador, o Presidente, o banqueiro, os pilantras, os marreteiros. E V. Exª fez jus ao título de mestre. Quando vi a fotografia de V. Exª com a mocidade estudiosa, foi como reviver Cristo, pregando o caminho da verdade e do saber. Acredito que o Presidente Lula ainda tem uma saída. Nós votamos nele. Só não há jeito para a morte. Está no livro de Cervantes, Dom Quixote de La Mancha, quando se dá a Ilha de Baratária para Dom Quixote governar. Depois de ter dito “case bem, seja honesto, trabalhador, asseado, justo”, ele volta e dá o último ensinamento: “Esqueci de uma coisa. Só não tem jeito a morte!” Então, Lula, há jeito: seja humilde, convide Cristovam Buarque para ser seu Richelieu e levar este Brasil à paz, à ordem e ao progresso, que nós merecemos. E merecemos também o seu respeito e a sua hombridade. Convide-o! Está aí um Richelieu que pode orientá-lo, porque não há caminho algum com essa ignorância que o rodeia!

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PT - DF) - Senador, se houver esse convite, vou colocar uma condição: só aceito se V. Exª e a Senadora Heloísa Helena forem comigo também, porque, senão, não haverá jeito.

Gostaria de concluir, Senador, dizendo que o se vê naquela foto e em outras que V. Exª cita - eu sentado no meio de estudantes - sempre foi meu costume, como Reitor, como Ministro e também como Senador. Por quê? Porque era o meu teste. No dia em que não conseguisse fazer aquilo, teria chegado a hora de sair do cargo. Então, sempre fiz isso, porque, além de gostar e de aprender com a convivência com os jovens, era um teste para saber se ainda merecia estar no cargo. Quando não me puder sentar com os jovens, não vou merecer estar no cargo.

Agradeço a V. Exª, Senador Mão Santa. Só não lhe agradeço a sugestão que deu ao Presidente.

Muito obrigado, Srª Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/09/2005 - Página 30076