Discurso durante a 152ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Comemoração dos 183 anos de Proclamação da Independência do Brasil, no próximo dia 7 de setembro.

Autor
Cristovam Buarque (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. POLITICA SOCIO ECONOMICA.:
  • Comemoração dos 183 anos de Proclamação da Independência do Brasil, no próximo dia 7 de setembro.
Aparteantes
Marco Maciel.
Publicação
Publicação no DSF de 06/09/2005 - Página 30164
Assunto
Outros > HOMENAGEM. POLITICA SOCIO ECONOMICA.
Indexação
  • HOMENAGEM, DATA NACIONAL, INDEPENDENCIA, BRASIL, ANALISE, HISTORIA, NECESSIDADE, CONTINUAÇÃO, COMBATE, DEPENDENCIA, ESPECIFICAÇÃO, FALTA, DESENVOLVIMENTO SOCIAL, DIVIDA EXTERNA, IMPORTAÇÃO, CIENCIA E TECNOLOGIA.
  • CONCLAMAÇÃO, SENADOR, UNIÃO, COMPLEMENTAÇÃO, INDEPENDENCIA, BRASIL, AREA, EDUCAÇÃO, PESQUISA, SEGURANÇA PUBLICA, REFORÇO, FORÇAS ARMADAS.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Marco Maciel, sei que nestes dias, nestes meses, falar de qualquer outro assunto que não seja CPI, mensalão, corrupção e escândalos é fora de moda. No entanto, dentro de dois dias, o Brasil vai comemorar 183 anos da proclamação de sua independência.

Mesmo correndo o risco de falar a respeito de um assunto que não interessa, já que a independência caiu de moda, já que a história, na sua permanência, parece-nos que sumiu, insisto em falar de coisas permanentes e não ficar preso ao calendário conjuntural das corrupções, dos mensalões, das CPIs.

Quero lembrar, Sr. Presidente, Srs. Senadores, que vamos comemorar 183 anos de uma independência incompleta, de uma independência que não foi completada porque, no seu início mesmo, nasceu de uma forma diferente do que seria uma independência. Em vez de elegermos um presidente brasileiro para levar adiante a nossa independência, escolhemos o filho do próprio rei da metrópole da qual queríamos ser independente e fizemos dele imperador.

Erramos por começar um império em vez de uma república e erramos por escolher como nosso Chefe de Estado do primeiro governo alguém que nada tinha de independente. Mas não foi por aí que a nossa independência ficou incompleta. Durante mais 70 anos tivemos uma independência com escravidão. Que independência é essa em que se reserva a uma parcela da população o estatuto de escravo como se o País pudesse ser independente dividido em dois? O País fez sua independência incompleta.

Mas não paramos aí. Quando entramos no século XXI, e já com a República proclamada, continuamos com uma independência incompleta. Incompleta porque depende dos credores internacionais; uma independência que depende, embora nos últimos anos tenha diminuído, depende do fornecimento de energia vinda do exterior; uma independência incompleta, Sr. Presidente, porque temos que importar quase todo o conhecimento científico e tecnológico de que necessita nossa indústria e nossos sistemas sociais.

Que independência é essa de um País que morre se parar de importar conhecimento, porque não produz aqui dentro conhecimento necessário? Que independência é essa de um parque produtivo que criamos quando quase todas as empresas são oriundas do exterior, com capital estrangeiro, com tecnologia importada? Que independência é essa que, 183 anos depois de proclamada, tem 70 milhões dos habitantes vivendo na pobreza, na exclusão, sem serem parte do mesmo País que se disse independente 183 anos atrás?

É triste, mas, na véspera de completar 183 anos de independência, o assunto não merece a atenção diante das circunstâncias conjunturais de problemas relacionados ao comportamento equivocado de alguns políticos. E, ainda mais grave, 183 anos depois de proclamada, ela continua incompleta.

Sr. Presidente, venho aqui falar de um assunto que não interessa a quase ninguém no mundo político de hoje porque acho que nossa responsabilidade, além das CPIs, além das procuras que temos que ter de punir os responsáveis por atos de corrupção, também é de, 183 anos depois, fazer alguns gestos que levem a completar o que não fizeram as gerações anteriores. Senadores hoje que nós somos, 183 anos depois daquele 7 de setembro, temos a obrigação não apenas de resolver os problemas circunstanciais e conjunturais do momento, mas também de levar adiante, com firmeza, a construção de um País independente.

É nossa tarefa completar a independência. E completar a independência significa, em primeiro lugar, antes de qualquer outra coisa, dizer que este País é de todos, e ele não vai ser de todos enquanto tivermos quinze milhões de adultos que não sabem ler; enquanto apenas um terço dos nossos jovens terminam o ensino médio, e mesmo esses, ensino médio sem qualidade; enquanto as nossas universidades estão abandonadas e não são capazes de produzir a ciência e a tecnologia, que é o instrumento fundamental da independência no mundo do século XXI.

Completar a independência significa este País ter Forças Armadas capazes de garantir a segurança de uma Nação que tem um dos maiores territórios do mundo, que tem um dos maiores litorais de todo o mundo, que tem dentro do mar a fonte fundamental da nossa reserva energética, que tem o quarto maior espaço aéreo dos Países. Que independência é essa que abandona suas Forças Armadas, anos depois de anos, sem dar a elas os equipamentos, a formação e o respeito que elas merecem?

Que independência é essa que tem um sistema econômico que depende a cada dia de saber como andam as bolsas de valores no exterior? Uma economia que treme quando a taxa de juros sobe em outros países?

Nós, Senadores, estaremos traindo o mandato, se prisioneiros do dia-a-dia das CPIs não percebermos que tão importante quanto agir no dia-a-dia de hoje contra a corrupção é tomar as decisões necessárias para completar a independência que as gerações anteriores não souberam fazer.

Dentro desta Casa, muitos acham que não temos poder para agir porque o Poder Executivo é o responsável pelas decisões nacionais, o que é um grave equívoco. O Senado, isoladamente, e cada Senador nenhum poder tem, mas em conjunto, formando um grande bloco, transformando o mandato num movimento pela verdadeira independência nacional, podemos, sim, ter um papel.

Nenhum ato fundamental da história do Brasil saiu de qualquer Partido isoladamente. Todos os nossos grandes feitos saíram de movimentos nacionais: o movimento que fez a independência, o que fez a abolição, o que fez a República ou o que fez a democratização. Sempre movimentos que uniram pessoas de partidos diferentes e pessoas que nem partido tinham, na defesa daquilo que é a essência da Nação, e não a superficialidade que toma conta do dia-a-dia dos jornais de uma Nação, como temos visto nos últimos meses.

Vim aqui para falar contra a corrente do dia-a-dia, para falar de um tema que não interessa hoje aparentemente a ninguém. Eu vim falar da independência nacional. Vim falar de uma independência incompleta e manifestar a crença que eu tenho de que, apesar dos 183 anos de independência incompleta, daqui a 17 anos, vamos comemorar o segundo centenário da proclamação da Independência. E não temos o direito de chegar a esse segundo centenário ainda de forma incompleta.

Hoje, posso dizer que as gerações passadas não fizeram o dever que deveriam para completar a independência brasileira, mas, daqui a 17 anos, os Senadores que aqui estiverem, quando falarem das gerações passadas, vão nos incluir e vão lembrar que, pelo menos no ano de 2005, em vez de falarmos da Independência, falamos das CPIs; em vez de falarmos da História, falamos de corrupção; em vez de tentarmos construir o futuro, estamos tentando consertar erros do presente.

Sr. Presidente, ante de concluir, concedo um aparte ao nobre Senador Marco Maciel.

O Sr. Marco Maciel (PFL - PE) - Nobre Senador Cristovam Buarque, quero, ao tempo em que felicito V. Exª pelo registro referente à passagem, na próxima quarta-feira, do dia 7 de setembro, dizer que essas datas paradigmáticas servem para que façamos uma reflexão, não somente sobre o passado, mas também sobre o futuro. Diria que a nossa Independência, conquistada há 183 anos, foi produto de uma série de circunstâncias, não apenas do idealismo de muitos, mas também de circunstâncias externas que fizeram com que o processo se antecipasse. Não foi por outra razão que um analista da questão, o padre Belchior, que escreveu um livro três ou quatro anos após a Independência, disse uma frase a meu ver concisa e, ao mesmo tempo, expressiva: “Os fatos se anteciparam aos homens”. Na realidade, um conjunto de fatores fez com que os fatos ocorressem, sem desconhecer o trabalho de muitos, ao longo da história, para a qual vários deram sua contribuição, inclusive de Pernambuco. Devo aproveitar a ocasião para também observar a V. Exª que esse instante de celebração da passagem da data máxima da Pátria é também um momento para pensarmos um pouco o futuro, que pode ser construído, desde que nos preparemos e tenhamos consciência de que o futuro depende muito de um crer coletivo, de um projeto de nação. A exemplo do que outras nações fazem, é fundamental que já nos preparemos para o bicentenário. Mas, quando falo em preparação para o bicentenário, não me refiro somente à celebração festiva do evento. Penso, antes, em uma reflexão crítica que deveria começar logo. Ainda tenho presente a lembrança de quando ocorreu, por exemplo, o bicentenário da Revolução Francesa. Na França, os trabalhos começaram a ser preparados com muita antecedência. O mesmo ocorreu, para dar um outro exemplo de grande signficação, quando houve o bicentenário da Independência dos Estados Unidos ou, mais especificamente até, o bicentenário da Constituição daquele país, que é de 1787. O Governo e as instituições norte-americanas começaram a trabalhar com décadas de antecedência. As universidades foram mobilizadas 25 anos antes. E eles conseguiram produzir não somente análise sobre o passado capaz de iluminar o futuro, mas também uma série de estudos que levaram a que o país construísse um projeto compatível com suas aspirações. Então, o mesmo afirmo com relação ao Brasil. Está na hora de nós - em que pese o momento difícil que vive a Nação, em face dessa grave e grande crise que infelizmente marca o País nestes nossos dias -, sem prejuízo da análise dessas questões conjunturais, tentarmos pensar um pouco o futuro, ou seja, ter um projeto de Brasil que extrapole meros períodos administrativos do Poder Executivo ou mesmo das legislaturas do Congresso Nacional.

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

O Sr. Marco Maciel (PFL - PE) - Sem querer alongar-me, eu diria a V. Exª que o Brasil reclama um projeto desse tipo. Vejo nações como a China, a Índia fazendo estudos prospectivos. Já nem me refiro aos países mais afluentes, que são também os mais influentes, os chamados países de primeiro mundo. E penso que é necessário fazermos o mesmo. Quando o Presidente Fernando Henrique Cardoso tomou posse, nos idos de 1995, foi criada uma Secretaria de Assuntos Estratégicos, presidida na época pelo atual embaixador do Brasil junto às Nações Unidas, Ronaldo Sardenberg, em que se votou - participei, inclusive, de muitas reuniões - para elaborar-se um projeto de vinte anos, a exemplo do que outros países fazem.

(Interrupção do som.)

O Sr. Marco Maciel (PFL - PE) - E o mesmo cabe recobrar agora: tentar fazer um projeto de Brasil. Talvez, tendo em vista a celebração do bicentenário da nossa Independência, daqui a 17 anos - não está tão longe assim; se não é tanto para a vida de uma pessoa, muito menos o é para a vida de uma nação -, esteja na hora de elaborarmos um projeto que pense o Brasil, para vê-lo menos desigual, mais justo, com mentos déficit de governabilidade, com maior inserção internacional. Acredito que isso é possível, se houver a consciência de um querer coletivo e, certamente, uma forte adesão as lideranças nacionais. Era o que tinha a dizer a V. Exª em seu pronunciamento nesta tarde.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PT - DF) - Agradeço o pronunciamento.

Peço dois minutos mais, Sr. Presidente, para concluir, dizendo ao Senador Marco Maciel que conheço e considero muito louvável a sua preocupação quanto à comemoração do segundo centenário. Temo que, se cada um de nós, que somos lideranças nacionais, não fizermos corretamente o nosso dever de casa neste País - e não o estamos fazendo, nem o Legislativo, nem o Judiciário, nem o Executivo -, daqui a 17 anos, teremos uma grande festa vazia. Teremos um aniversário em que vamos comemorar o nada; vamos comemorar uma Independência incompleta, como ela é hoje.

Ainda há tempo, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, como o próprio Senador Marco Maciel mencionou, mas hoje o povo não está vendo um trabalho na direção desse projeto. Para mim, o mais frustrante do Governo do Presidente Lula não são esses fatos ocorridos nos últimos meses, referentes a alguns de seus colaboradores. Para mim, o mais frustrante é que ele poderia ter sido o primeiro Presidente de um novo ciclo, o primeiro Presidente que inauguraria uma reorientação nacional em direção a um futuro diferente.

Mas não vimos isso acontecer nesses últimos três anos. E, se isso não aconteceu nesses três anos e se não estamos fazendo o dever de casa, como líderes nacionais, talvez também não vejamos acontecer nos próximos três, nem nos próximos 17 anos. E vamos comemorar duzentos anos de uma Independência incompleta, como estaremos comemorando, daqui a dois dias, 183 anos de uma falsa e incompleta Independência.

Era isso, Sr. Presidente, que eu tinha a dizer, para não deixar passar em branco - por causa de tantos outros assuntos considerados mais importantes, como mensalões e corrupção - algo que pode parecer muito menor, que é a história de um País e sua luta pela Independência, que nunca chega.

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/09/2005 - Página 30164