Discurso durante a 154ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações sobre a exclusão social e o Relatório das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Humano. O Orçamento da União e a atuação do Congresso Nacional.

Autor
Cristovam Buarque (S/PARTIDO - Sem Partido/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL. ORÇAMENTO.:
  • Considerações sobre a exclusão social e o Relatório das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Humano. O Orçamento da União e a atuação do Congresso Nacional.
Aparteantes
Antonio Carlos Magalhães.
Publicação
Publicação no DSF de 09/09/2005 - Página 30483
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL. ORÇAMENTO.
Indexação
  • APREENSÃO, PERDA, PRIORIDADE, ERRADICAÇÃO, POBREZA, BRASIL, GRAVIDADE, DADOS, RELATORIO, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), INFERIORIDADE, DESENVOLVIMENTO SOCIAL, COMPARAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO.
  • DEFESA, UNIÃO, CONGRESSISTA, ELABORAÇÃO, ALTERNATIVA, ORÇAMENTO, COMBATE, MISERIA, RETORNO, ETICA, POLITICA NACIONAL, DEFINIÇÃO, PRIORIDADE.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Sem Partido - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, antes de qualquer coisa, quero me referir ao tratamento que me foi dado como “Senador sem Partido”. Quero dizer que sou um Senador sem sigla, mas partido eu tenho, e ele continua a ser o mesmo que tenho desde quando imaginei que deveria usar parte da minha energia para lutar por um Brasil diferente. Então, o meu partido é e continua a ser o mesmo.

Um desses dias, eu dizia ao Senador Antonio Carlos Magalhães que despertei para esse partido quando, no dia 24 de agosto de 1954, cheguei à minha casa e vi minha mãe chorando por causa da morte de Getúlio Vargas. E, de lá para cá, o meu partido tem sido o mesmo. A sigla, devemos ter aquela que melhor nos ajude a levar adiante o partido que trazemos no coração.

Mais uma vez, vou me referir ao Senador Antonio Carlos Magalhães quando disse que não podemos desfocalizar os assuntos relativos à CPMI para outros, como por exemplo, o que diz respeito ao Presidente Severino Cavalcanti. Também estou de acordo com V. Exª, Senador Antonio Carlos Magalhães.

Sr. Presidente, quero aproveitar este momento para dizer que nem todos esses escândalos nos devem desviar de um foco maior: que é o foco da luta pela erradicação da pobreza no Brasil. Precisamos construir um País decente, um País sem exclusão social, com menos desigualdade.

Sr. Presidente, vim falar sobre isso, não provocado pela idéia de desviar o foco, mas, sim, por causa de um relatório divulgado, nesses últimos dias, pelas Nações Unidas sobre o desenvolvimento humano. É inacreditável que um País com o porte do Brasil, com o tamanho do Brasil, com o potencial brasileiro, ocupe uma posição tão vergonhosa diante do resto do mundo no que se refere ao desenvolvimento humano.

Creio que foi o Correio Braziliense o responsável por um editorial intitulado “Vergonha”. É uma vergonha! Não há razão que justifique que o Brasil esteja atrás de países como Trinidad Tobago, Panamá, Bulgária, México, Cuba, Bahamas, Catar, Chile, Uruguai, Costa Rica, Argentina! Não há nada que justifique isso, salvo o egoísmo das chamadas elites brasileiras - entre as quais todos nós devemos nos incluir - e também o fato de nós não cuidarmos, Senadora Heloísa Helena, Senador Antonio Carlos Magalhães, de um mensalão permanente na História do Brasil, embutido no Orçamento da União, no Orçamento dos Estados e no Orçamento dos Municípios. O mensalão é uma corrupção no comportamento de políticos. E não podemos tolerar isso. Mas o Orçamento, como é feito, é uma corrupção nas prioridades da política, o que não podemos tolerar também. Creio que uma das maneiras de quebrarmos essa corrupção na política é despartidarizá-la e até mesmo desideologizá-la, colocando ali a razão da moral e do amor ao nosso País.

O próprio Senador Antonio Carlos Magalhães, não me canso de repetir, é a pessoa que levou adiante a idéia do Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza, sem o que o Bolsa-Escola não teria sido levado adiante, sem o que o Bolsa-Família não existiria hoje, e o Presidente Lula se esquece disso. Faço justiça também à Ministra Marina Silva, por entender que S. Exª também teve papel importante naquele momento.

Se a Ministra Marina Silva e o Senador Antonio Carlos Magalhães se juntaram para elaborar um fundo para a erradicação da pobreza, por que não somos capazes de nos juntarmos, Senadora Heloísa Helena, com o P-SOL, para, juntos, elaborarmos uma proposta de orçamento que faça com que essa vergonha que a gente vive hoje seja superada, não no próximo ano, não em cinco anos, mas em dez anos?

As pessoas que viram esse documento talvez não tenham percebido algo que eu, ao observá-lo, por estar inclusive envolvido com a elaboração desse relatório anos atrás, percebi: muitos dos países que estão atrás de nós estão melhorando mais depressa do que nós e vão nos superar dentro de cinco a dez anos. É algo que poucos perceberam. São países bem mais pobres, que estão piores do que nós, mas, ao nos compararmos a eles, desde 1975, quando começou a ser calculado e divulgado esse índice, até hoje, vemos que, nesse período, eles continuam atrás de nós, mas estão melhorando mais depressa do que nós. Nós, brasileiros, costumamos comemorar a nossa velocidade sem a compararmos com a dos outros países. Comemorar taxa de crescimento da economia hoje não é suficiente se a compararmos com a taxa de crescimento de outros países. Comemoramos os avanços que ocorreram nos últimos dez ou quinze anos na educação brasileira; não podemos negar que tenha havido melhora, mas essa melhora é mais lenta do que a melhora na Turquia, no México, na Colômbia e em muitos outros países. Não basta a gente comparar o Brasil de hoje com o Brasil de anos atrás. É preciso comparar a evolução do Brasil com a de outros países, e nisso estamos ficando para trás.

Senador Antonio Carlos Magalhães, pego o gancho do que disse V. Exª, com o que estou de acordo: não devemos mudar o foco da CPMI que já vinha sendo feita para o da CPI do Presidente Severino Cavalcanti, mas devemos fazer as duas CPIS. Quero dizer que também não devemos mudar o foco das preocupações sociais com a pobreza brasileira para concentrar tudo no malcomportamento de alguns políticos. Ou seja, o foco não pode ser apenas na ética do comportamento imoral de alguns políticos, mas deve ser também na ética e na moral das políticas, quando definimos para onde vão os recursos. E o momento é muito propício para isso. A partir das próximas semanas, estaremos aqui analisando o Orçamento de 2006. Se aqui fizermos um bom trabalho, o Orçamento poderá servir de exemplo às 5.561 prefeituras do Brasil e às 27 Unidades da Federação; poderá servir de exemplo para termos uma ética nas prioridades e não apenas uma ética no comportamento. Penso que isso é possível, e é possível suprapartidariamente, como V. Exª provou, ao liderar o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza, naquele momento, com R$4 bilhões. Precisamos chegar a R$40 bilhões, não em 2006, talvez não ainda em 2007, mas em uma data em que isso possa ser feito democraticamente.

Concedo um aparte ao Senador Antonio Carlos Magalhães.

O Sr. Antonio Carlos Magalhães (PFL - BA) - V. Exª faz, talvez, um dos mais objetivos discursos dos últimos tempos. V. Exª aponta, com a inteligência que lhe é própria, o verdadeiro fulcro em que se deve concentrar o Congresso Nacional. Realmente, tudo isso é importante - moralizar a Administração Pública -, mas para se chegar a esse objetivo que V. Exª traduz em relação à pobreza. V. Exª deveria, mesmo com as divergências naturais que sei que seu caráter impõe, fazer com que a Mesa envie esse discurso ao Presidente da República e a alguns Ministros do Governo. Trata-se de uma bússola para um bom comportamento político e ético. Muito obrigado.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Sem Partido - DF) - Agradeço ao Senador. E, já que o Senador Antonio Carlos Magalhães fez uma proposta a mim, deixo uma outra sugestão. Sugiro que uma Senadora como Heloísa Helena, do P-Sol, que um Senador como Antonio Carlos Magalhães, do PFL - e, se quiserem a minha colaboração, com o maior prazer -, assim como, estou certo, o Senador Paulo Octávio também, todos, juntos, tentemos elaborar uma proposta alternativa de Orçamento. Vamos mostrar que é possível haver um Orçamento que respeita claramente a estabilidade monetária, levando adiante a estabilidade social do País. É possível, e depende, Sr. Presidente, de colocarmos o Senado para trabalhar. Não podemos nos desviar do foco: não podemos nos esquecer do que deve analisar a CPI, mas não podemos ficar apenas na CPI. Devemos analisar, também, a ética nas prioridades das políticas públicas no Brasil.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/09/2005 - Página 30483