Discurso durante a 161ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Avaliação do desempenho da missão do Exército Brasileiro no Haiti, durante viagem de S.Exa. àquele país. Sugestão de criação de uma Comissão do Senado Federal para visitar o Haiti e acompanhar o trabalho da referida missão do Exército Brasileiro.

Autor
Cristovam Buarque (S/PARTIDO - Sem Partido/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA.:
  • Avaliação do desempenho da missão do Exército Brasileiro no Haiti, durante viagem de S.Exa. àquele país. Sugestão de criação de uma Comissão do Senado Federal para visitar o Haiti e acompanhar o trabalho da referida missão do Exército Brasileiro.
Aparteantes
José Agripino, Mão Santa.
Publicação
Publicação no DSF de 20/09/2005 - Página 31344
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • ANALISE, BENEFICIO, INTERVENÇÃO, TROPA, EXERCITO, BRASIL, MISSÃO, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), PAIS ESTRANGEIRO, HAITI, OBJETIVO, CONTENÇÃO, GUERRA CIVIL, DEFESA, PERMANENCIA.
  • COMENTARIO, HISTORIA, GUERRA CIVIL, PAIS ESTRANGEIRO, HAITI, REGISTRO, VIAGEM, ORADOR, REGIÃO.
  • SUGESTÃO, CRIAÇÃO, COMISSÃO, SENADOR, OBJETIVO, CONHECIMENTO, ATUAÇÃO, EXERCITO, BRASIL, PAIS ESTRANGEIRO, HAITI, DEFESA, CARATER PROVISORIO, PERMANENCIA, TROPA.
  • ANALISE, SITUAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, REPUBLICA DOMINICANA, RELAÇÃO, HAITI.
  • DEFESA, IMPORTANCIA, ATUAÇÃO, BRASIL, AUXILIO, PAIS ESTRANGEIRO, HAITI, ASSISTENCIA TECNICA, SANEAMENTO BASICO.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (S/Partido - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, eu vim lhe trazer uma sugestão, com base em uma visita que acabo de fazer. Eu cheguei hoje do Haiti. Fui lá, atendendo a um convite do Ministério da Cultura. Mas, sobretudo, eu fui lá querendo testar as conseqüências do voto que eu dei aqui sobre o apoio à decisão do Governo brasileiro de enviar tropas àquele país.

            Eu quero dizer, Sr. Presidente, que eu voltei mais convencido, ainda, de que votei certo ao apoiar a decisão do Governo brasileiro, do Presidente Lula, de enviar tropas àquele país. O que eu vi, acompanhando as tropas brasileiras, é um esforço e um reconhecimento daquele país em relação ao trabalho que está sendo feito. É preciso lembrar que a situação naquele país é uma tragédia raramente vista em qualquer outro país.

O ex-Presidente Aristides aboliu o exército, e os soldados e os oficiais levaram as armas para casa, desempregados. Era absolutamente uma conseqüência óbvia que isso dividiria o país em gangues, cada qual não apenas dona de uma parte do território haitiano, mas cada qual usando as armas que tinham para obter a sobrevivência a partir de atos ilícitos. O país ficou inviável. Como se isso não bastasse, o Presidente Aristides politizou a polícia a tal ponto que nomeou um de seus motoristas como chefe da Polícia, durante algum tempo, e armou os militantes do seu partido, chamado Avalanche, como policiais. Imaginem o caos pelo qual o país passou, além da pobreza gritante de sua população!

A tropa brasileira, em nome das Nações Unidas, chega lá e, apesar de todos os riscos que corre, tem conseguido pôr ordem em algumas áreas daquela cidade. Hoje, há um reconhecimento da população em relação à tropa brasileira, como ficou visível nas conversas que pude ter. Ouvi de algumas pessoas que ninguém quer tropas estrangeiras em seu país, mas que temem ainda mais que essas tropas saiam hoje, antes do tempo.

Temos que estar preparados para as conseqüências graves que poderão ser geradas em função de as tropas estarem lá. Mas não temos o direito, hoje, de abandonar aquele povo, rompendo um acordo das Nações Unidas e saindo de lá antes do tempo.

Há muitos anos, jovem estudante em Recife, fui às ruas protestar contra a intervenção dos Estados Unidos na República Dominicana, país que divide a mesma ilha com o Haiti. Mas é preciso lembrar algumas diferenças. Primeiramente, foi uma intervenção unilateral dos Estados Unidos. Desta vez, o Brasil está fazendo parte de um conjunto de tropas patrocinadas pelas Nações Unidas.

Segundo, naquele momento houve, sim, a destituição de um presidente. Desta vez, o presidente já não estava mais no país. É claro que os países da região lamentaram que os Estados Unidos tivessem interferido para a saída do Presidente Aristide quando ainda tentavam uma alternativa. Quando as Nações Unidas decidiram enviar tropas ao Haiti, o país já estava sem governo, com civis armados espalhados pela cidade e cada grupo dominando uma parte da cidade.

Pude visitar, mas sob a proteção dos soldados brasileiros, tendo de usar capacete, colete à prova de balas, andar uma parte do trecho em Urutu. Mas mesmo assim já se pode ir a esses lugares. Até meses atrás, a prefeita não tinha o direito de entrar naquela região. Foram as tropas brasileiras que conseguiram resgatar essa área. Porque, de todos os países, Senador Garibaldi, o único que tem suas tropas caminhando com infantaria nas ruas é o Brasil. Os outros fazem apenas o que eles chamam de os pontos de cheque nas esquinas ou andam dentro de carros Urutu brasileiros, os carros de combate.

Por isso, Sr. Presidente, vim aqui trazer uma sugestão. Que enviemos um grupo de Senadores brasileiros para ver o que está sendo feito naquele país pelas tropas brasileiras, para ver o que Exército brasileiro está fazendo do ponto de vista de pôr ordem em um país irmão do Brasil, e, ao mesmo tempo, para ver a tropa de engenharia, como está pronta para ajudar aquele país nas obras de estrada, de água, de esgoto com equipamentos, faltando apenas o apoio das Nações Unidas para os insumos de que eles precisam.

Ao mesmo tempo que sugiro essa viagem de um grupo de Senadores, que tenho certeza de que será bem recebido pelo Presidente da República, com quem estive no Haiti, acho que devemos fazer algumas sugestões adicionais ao Governo brasileiro do Presidente Lula. Primeiro que tentemos influenciar as Nações Unidas para que as nossas tropas sejam substituídas no momento preciso, mas que não fiquem lá permanentemente por um período longo.

Ouvi de pessoas que, em menos de dez anos, será impossível ter a situação sob controle. Não podemos ficar dez anos com tropas brasileiras. É preciso haver um esforço para que as nossas tropas sejam substituídas, mas no momento oportuno. Até lá, quero dizer que não me arrependo do voto que dei aqui para autorizar o envio.

Alguns dizem que o Haiti é aqui, que a pobreza é aqui, que precisamos das tropas aqui. É verdade. Mas as tropas do Exército brasileiro não serão usadas para pôr ordem no Brasil. Aqui quem tem que fazer isso é a polícia. E essas tropas estão fazendo no Haiti com a competência que é fato reconhecido hoje das autoridades, lideranças e população haitiana.

Concedo um aparte ao Senador Mão Santa.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Cristovam Buarque, V. Exª é professor, e a história nos ensina. Não estou entendendo um fato, porque a geografia que me vem à cabeça é que é uma ilha junto, ao lado, da República Dominicana. Como a República Dominicana está tão bem, pelo menos para o mundo civilizado, e lá, ao lado? Em relação a esse negócio de autodeterminação dos povos, tenho uma interrogação. Lembro-me de que, na história francesa, havia os legionários e chegaram à conclusão de que não era bom, que cada povo tinha que ter sua auto-suficiência, o seu governo e tal. Não entendo como o vizinho dele não intermedeia uma pacificação, uma democracia. Quero crer que isso tem que ser mais bem analisado. Se isso for um temperamento de Bush, que não deu certo no passado, não deu no Vietnã, não está dando no Iraque, pode não ir lá. Acho que V. Exª iria melhor se fosse como um Barão do Rio Branco. Acho que sua sabedoria, sua inteligência seria melhor do que os canhões. Os canhões irritam. A história ensina isso.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (S/Partido - DF) - Primeiro, Senador, quero lembrar que a República Dominicana ficou independente do Haiti. Aquela ilha inteira, anos atrás chamada “peróla do Caribe”, era Haiti, libertada pelos escravos. Talvez seja o único país do mundo onde o nome do aeroporto é o nome de um ex-escravo, que foi o líder da rebelião que fez a independência em relação à França. Então, há uma animosidade entre o Haiti e a República Dominicana.

Além disso, graças ao desenvolvimento da República Dominicana, hoje há um fluxo muito grande de migração de haitianos em direção à República Dominicana. E isso está criando uma animosidade constante, a República Dominicana se defendendo contra essa migração, como fazem os Estados Unidos em relação aos nossos brasileiros, só que ali é basta caminhar para entrar.

Portanto, a República Dominicana não é o país que vai poder fazer esse trabalho.

Hoje são muitos os países que estão ao lado do Brasil, países pequenos como Nepal, Jordânia, Peru, Chile, Argentina. São muitos países. O Brasil é um deles e é o principal em número e no comando geral de todas as operações.

Quanto à outra parte, quero apoiar sua sugestão - e era a segunda coisa que eu ia propor. Creio que está na hora de começarmos a enviar não apenas militares, mas assistência técnica. Isso foi o que os cubanos preferiram. Os cubanos não aceitaram enviar um único soldado, porque a região do Caribe não está muito de acordo com a saída, como foi feita, do Presidente Aristide. Em compensação, há uma grande quantidade de médicos cubanos. Eu acho que o Brasil poderia enviar, sobretudo, técnicos na área de água e esgoto para construir esse tipo de atividade. O Exército brasileiro está preparado para isso, através do batalhão de Engenharia que tem lá, mas seria muito bom se outros ministérios também pudessem abraçar a causa desse país irmão.

Concedo o aparte ao Senador José Agripino.

O SR. JOSÉ AGRIPINO (PFL - RN) - Senador Cristovam, eu queria cumprimentar V. Exª pela oportunidade do discurso, porque V. Exª propõe em boa hora a oportunidade da visita de um grupo de parlamentares para tentar salvar o programa que é produto da iniciativa da diplomacia brasileira. É alvissareira a lembrança de V. Exª. Veja bem, há coisas que não conseguimos mais recuperar. V. Exª está deixando a Presidência da Comissão de Relações Exteriores, e sabe que o Brasil se meteu em empreitadas malsucedidas no âmbito da política externa. Pleiteou lugar no Conselho de Segurança da ONU e acabou de perder as esperanças, pela manifestação contrária de alguns, dentre os quais depositava expectativas, como é o caso da China. O Brasil chegou, num gesto que no meu entendimento foi no mínimo infantil, a reconhecer a China como uma economia de mercado, retirando do Brasil a possibilidade de argüir a prática de dumping na OMC, com a expectativa de obter o apoio da China para um assento no Conselho de Segurança da ONU. Não conseguiu e, ao contrário, as exportações da China para o Brasil decuplicaram e as exportações do Brasil para a China cresceram em um volume muito pequeno. Pleiteamos a Presidência do BID - Banco Interamericano de Desenvolvimento, para o Dr. João Sayad e fomos fragorosamente derrotados. Expusemos o nome de um bom brasileiro, João Sayad, que foi fragorosamente derrotado. Pretendemos a Secretaria-Geral ou a Direção- Geral da OMC, com a garantia da titularidade da vaga da direção para o Embaixador Luiz Felipe de Seixas Correia, e, mais uma vez, fomos derrotados em um insucesso flagrante da diplomacia brasileira. Fizemos uma reunião malsucedida para instalar a Comunidade Sul-Americana de Nações. Deixaram de vir quatro países em uma claríssima confrontação dos Países da América do Sul com relação à pretensão ou a expectativa brasileira de desempenhar um papel de liderança na região. Nos resta a Força de Paz do Haiti. Depois de tantos insucessos - disputa do BID, OMC, Conselho de Segurança da ONU, insucessos nas relações com a China -, de tantas derrotas, animamo-nos a lutar com as armas de que dispomos para obtermos pelo menos um sucesso, em uma nação que é ícone de pobreza no mundo, o Haiti, onde esperávamos em seis meses estarmos com a situação sobre controle. Temos lá tropas comandando a busca da paz no Haiti sem sucesso. É como V. Exª diz, a missão do Brasil não deve se restringir apenas ao policiamento das ruas e um jogo de futebol. Há muito a ser feito e o Brasil o fará se houver uma boa assessoria. Talvez o grupo parlamentar possa arejar aquilo que deve estar meio opaco: o rol de atitudes do grupo de paz do Brasil, que está ali, mas não se encontra à altura - pelo menos até agora - da capacidade inventiva de ações do Brasil com a sua força militar. Eu quero aplaudir a iniciativa de V. Exª, fazendo esse desagradável registro das derrotas da diplomacia brasileira, que estava, ao contrário, habituada a vitórias no passado. Nós somos um país com um reconhecido brilho no plano internacional, quando se fala em diplomacia, desde os tempos do Barão do Rio Branco. E nos últimos dois anos colecionamos equívocos, desacertos e derrotas que estão puxando para baixo o padrão do Itamaraty, que na minha visão e na do mundo é uma das melhores casas de diplomacia. De toda forma, quero manifestar o meu inteiro de acordo com a proposta de V. Exª.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (S/Partido - DF) - Senador Agripino, que de todos esses pontos que V. Exª levantou das derrotas, sobre as quais o Ministro até veio à Comissão e falou, o único que de fato envolve o Senado é o envio de tropas ao Haiti. Nesse caso nós temos uma responsabilidade, juntamente com o Governo. O Poder Legislativo juntamente com o Poder Executivo. Por isso eu fui até lá. Eu queria saber se o meu voto foi correto. E voltei convencido de que apesar de todos os riscos não devemos enganar. Há riscos, sim, de termos vítimas fatais entre as tropas brasileiras, porque eles estão em guerra. E em dois momentos não houve vítimas fatais por muita sorte. Um capitão levou um tiro na boca e não morreu, arrancou os dentes; outro levou um tiro no peito, perto do coração e não morreu, está se recuperando. Diversos problemas tivemos e ainda vamos ter, como há todos os dias PMs lutando na defesa da ordem dentro do Brasil.

Sugiro, Sr. Presidente, que a comissão seja pluripartidária, que o Senado envie parlamentares de partidos diferentes, para juntos fazermos um balanço da presença. Eu não tenho dúvida de que essa comissão voltará convencida de que o Brasil está cumprindo um papel, desempenhando uma função, de que o Brasil esta correndo um risco e que a nossa tropa, além de muito competente...

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador, V. Exª me permite?

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Sem Partido - DF) - ...está demonstrando grande dedicação e se destaca entre as demais tropas internacionais.

Ouço o Senador Mão Santa.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Quero dar uma sugestão. Fui recentemente ao Panamá, que tem uma sub-sede do Parlatino - a sede principal é em São Paulo. O Presidente do Parlatino, Deputado Federal Ney Lopes, conseguiu do governo do Panamá prédios e instalações justamente para atender aos países do Caribe, da América Central. S. Exª poderia fazer uma reunião com todos os países vizinhos do Caribe, como República Dominicana e Cuba, para auxiliarem nessa missão que supera a todas que o Barão do Rio Branco teve e se destacou. Sem dúvida nenhuma, o País vai ter em V. Exª, no futuro, uma imagem tão grandiosa como o Barão do Rio Branco. Tem sede, funciona direito, é bem instalado. Facilmente, o Presidente do Parlatino, Deputado Federal Ney Lopes, do Rio Grande do Norte, fará uma reunião e outros países ali localizados darão outro subsídio para essa sua inspiração que, sem dúvida nenhuma, visa à paz.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (S/Partido - DF) - Sr. Presidente, fica aqui minha sugestão e creio que seria uma contribuição de Estado muito além do papel do Poder Executivo ou do Poder Legislativo. É a sugestão que faço.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/09/2005 - Página 31344