Discurso durante a 166ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Reflexões sobre a democracia no Brasil atual e críticas ao Presidente Lula.

Autor
Mão Santa (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PI)
Nome completo: Francisco de Assis de Moraes Souza
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • Reflexões sobre a democracia no Brasil atual e críticas ao Presidente Lula.
Publicação
Publicação no DSF de 27/09/2005 - Página 33013
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • COMENTARIO, HISTORIA, DEMOCRACIA, MUNDO, ANALISE, CRISE, NATUREZA POLITICA, GOVERNO FEDERAL, ESPECIFICAÇÃO, ATUAÇÃO, PODERES CONSTITUCIONAIS.

O SR. MÃO SANTA (PMDB - PI. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Tião Viana; Srªs e Srs. Senadores; brasileiras e brasileiros aqui presentes ou que nos assistem pela televisão, ou acompanham pela Rádio AM e FM do Senado; Professor Cristovam Buarque, tem aquela música “Quando entrar setembro”, mas setembro chegou e veio com muita confusão e tempestade para o Brasil. Realmente, temos de agradecer a Deus, Senador Papaléo, porque aqui não temos aqueles vulcões, aqueles terremotos, aquelas tempestades e furacões que assolam o mundo. Mas, Senador Cristovam, a nossa democracia está doente, podre, e V. Exª, o mestre, sabe muito bem que, desde os primórdios da civilização, um filósofo disse que o homem é um animal sociável. O homem é um animal político, Senador Papaléo. Aristóteles disse: o homem é um animal político. Desde então, o mundo vem-se conscientizando, estudando, e a própria universidade da vida, Senador Alvaro Dias, fez com que o animal político procurasse o melhor regime.

O primeiro adotado por este mundo de Deus tinha de ter uma inspiração divina. Não era assim, Professor Cristovam? Buscavam-na nos reis. Os reis seriam deuses na terra, enquanto Deus seria um rei no céu. Então, esse homem tinha poderes divinos, que se resumem, Tião Viana, naquela frase do mais iluminado de todos eles - V. Exª conhece Versailles, não é? Que beleza! -, Luís XIV, que disse, Alvaro Dias: “L’État c’est moi”. Traduzindo: “Eu sou tudo, o Estado sou eu”. Mas, no L’État c’est moi, o povo sofria, era desprezado, era esquecido. Era bom mesmo para quem estava em Versailles, Tião - eu fui lá ver, era bom -, na Corte, quem estava ao lado do rei. Até o bufão, que era o palhaço do rei, tinha mordomia e tal, mas o povo estava desencantado.

Então, Senador Alvaro Dias, esse povo decepcionado vai às ruas e dá um grito. Esse grito, nós repetimos, todos nós que defendemos o melhor Governo: liberdade, igualdade e fraternidade! Esse é o grito do povo, o povo nas ruas. Como Ulysses disse: “Ouça a voz rouca das ruas”. Então, a voz foi essa. E derrubaram todos os reis - ficaram apenas uns, como simbolismo. Então, em busca de outra forma de governo, apareceu este, nascido do povo, que Abraão Lincoln definiu inteligentemente: governo do povo, pelo povo e para o povo. Nasceu aí a democracia, que, quer dizer, é do povo. Foi o povo que a fez, que foi às ruas.

Evidentemente, não é fácil; é complicado. Para os ingleses, penso que pelo temperamento e civilização, não houve sobressaltos. Deixaram até uma rainha simbólica. Na França, houve muitos sobressaltos. Teve a guilhotina, onde rolaram as cabeças até dos criadores - Danton, Robespierre e muitos outros.

Depois, voltou um misto, com um homem de muita coragem, muita iluminação: Napoleão Bonaparte, a quem o mundo reverencia não pelas vitórias de guerra, mas porque instituiu o primeiro Código Civil. E Napoleão Bonaparte deu um grande ensinamento. Ó, Lula, sei que é complicada a vida do francês, a vida militar, de estadista, mas aprenda pelo menos esta, Lula. Napoleão Bonaparte, Senador Alvaro Dias, atentai bem, disse assim: “A maior desgraça de um homem é exercer um cargo para o qual não está preparado”. Ô baixinho danado!

Não ouviste este ensinamento do Napoleão Bonaparte, não é Lula? “A maior desgraça de um homem é exercer um cargo para o qual ele não está preparado.”

Mas, ele tinha visto isso, Professor Cristovam Buarque, porque Sócrates, que era tido como sábio, Senador Alvaro Dias, disse que só tinha um bem, um grande bem: o saber; e só tinha um grande mal: a ignorância.

Atentai bem, brasileiros e brasileiras: tem-se que estudar mesmo, tem-se que se preparar. Temos exemplos aí. Um quadro vale por dez mil palavras. Estão aí o “Lulinha, paz e amor” e o “Severininho do meu Nordeste”.

Maquiavel, Senadores Alvaro Dias e Tião Viana, já dizia: “tem que ter fortuna” - fortuna é sorte -, “mas tem que ter virtù” -virtudes. Se você tem fortuna e não tem sorte, é como o caboclo diz: passa o cavalo selado e você monta e cai. E está caindo um toda hora.

Então, foi o grande quadro para a nossa mocidade estudiosa, nossa mocidade que ouviu Rui Barbosa em seu último discurso, Senador Alvaro Dias, “Oração aos moços”, paraninfo, velhinho. É hoje um livro de todos os jovens. Ele dizia: estudai, trabalhai, lutai e acreditai que o amanhã, com certeza, vai ser mais lindo.

O nosso Presidente, em um momento infeliz, disse que era chato ler livro; que era chato ler. Não, é fundamental, necessário; sem o saber, não vai.

Fortuna e virtù. Mas a democracia está aí, Senador Cristovam Buarque, e está doente. Senador Tião Viana, V. Exª, que conhece doenças infecto-contagiosas e é professor, sabe que a doença dela não é aguda, mas crônica, como a lepra, a tuberculose, a osteomielite crônica. Não é como uma urgência em apendicite - caso em que o cirurgião opera e, em três minutos, o homem está curado - ou como uma hérnia estrangulada.

Agora, essa democracia foi melhorada pelo sábio Montesquieu, que criou entre elas três Poderes: o Poder Executivo, que é o Lula, o Poder Legislativo, de que somos o ápice, e o Poder Judiciário. Eles devem equilibrar-se; um deve frear, controlar o outro.

Aliás, os três não são Poderes, no meu entendimento, embora o fossem no de Montesquieu. Penso que poder é o povo. O povo é o poder. O povo é que paga a conta. Entendo serem eles, Senador Alvaro Dias, instrumentos da democracia. Mas esses instrumentos ou Poderes estão podres, doentes, e a doença é crônica, demora a ser curada. Não vai ser ligeiro, não. Agora, são todos os três. Não pense, Senador Tião Viana, que se trata apenas do Legislativo. O Legislativo está “na cara”, porque somos mais abertos, mais vulneráveis. Nós discutimos aqui, logo alguém contradiz o que foi dito, diz que não é, e tal. Há esse debate, essa transparência. O Legislativo não está pior, não.

O Executivo está pior. Está podre, mas porque é blindado pelo dinheiro do povo em suas mãos. E ele dispõe da mídia, das televisões, dos jornais, da imprensa.

E o Judiciário? É aquele a que se refere Maquiavel, quando diz: procure ser amado ou temido. Não sendo possível ser amado, seja temido. Aí ele pressiona.

Oh, Senador Tião Viana, atentai bem: o Presidente do Judiciário precisa defender-se disto: “A fraude de Nelson Jobim”. Antes de morrer, Brizola, o maior estadista deste País, o mais puro gaúcho... E V. Exª escolheu um grande Partido. Aliás, mulher só tenho uma, a Adalgisa, mas Partido tenho o PMDB e uma amante - o PDT é uma amante perigosa minha. Eu convivo com ele ao longo da vida. Aliás, recebi Brizola na minha cidade como Prefeito.

Então, Brizola, antes de morrer, nos tijolaços: “A fraude de Nelson Jobim”. Publica a Folha de S.Paulo: “Jobim deve afastar candidatura, diz manifesto.” Sessenta juízes do seu Estado firmam o manifesto. O Supremo deve ser exemplo.

Então, tudo é nosso, tudo é pátria, a democracia é nossa, ó povo! Quem não tem culpa é só o povo, que paga a conta. O poder é o povo, que merece respeito. A democracia é dele. Não é do Lulinha, não é nossa, nem do Judiciário: é do povo. Foi o povo que, com sua coragem e bravura, foi às ruas e, gritando liberdade, igualdade e fraternidade, derrubou todos os reis do mundo.

Nesse processo demorado - ele não vai ser ligeiro -, temos de implantar aqui, em cada um de nós, virtudes: ética, vergonha na cara, decência. Temos de começar por nós.

Senador Tião, V. Exª é religioso. Qual é a religião de V. Exª? Católico. Pois seja qual for, tudo é bem-vindo, tudo nos leva a Deus. Está lá escrito que a quem muito é dado muito é cobrado. E foi dado muito a nós. Nós temos muitos privilégios. Senadores, pais da Pátria, salário muito bom. O Judiciário, também. É magnífico e causa até injustiça social, salarial. Temos de ser muito cobrados. A quem muito é dado muito é cobrado. Portanto, tem de ser cobrado mais de nós. Temos de purificar-nos, de purgar-nos. Somos o contrapoder e temos de frear os outros.

Mitterrand, que sofreu de um câncer durante 14 anos e escreveu um livro com um colega que ganhou o Prêmio Nobel, desabafou, afirmando que queria deixar uma mensagem aos novos governantes: fortaleçam os outros contrapoderes. Um deve respeitar, fortalecer e não desmoralizar o outro, como tentaram fazer com o Legislativo. Somos um contrapoder para frear.

Se está assim o País, não é a mentira que nos vai levar a lugar nenhum, Senador Alvaro Dias. Aliás, meu pai nos ensinava que quem mente rouba. Como dizia Goebbels - cujo similar esteve aqui, Duda Mendonça -, uma mentira repetida poder-se-á transformar em verdade. Não! Se o País está com suas instituições, seus instrumentos ou Poderes doentes, cronicamente doentes, é mentira dizer que nós vemos.

Um dos homens que melhor entende e um dos mais libertários da imprensa hoje, como foi Machado de Assis, Castro Alves, Carlos Lacerda e Rui Barbosa, é Sebastião Nery. Senador Alvaro Dias, Sebastião Nery era um animal político e iluminado, ninguém foi eleito mais do que ele. Foi eleito em três Estados diferentes; parece-me que na Bahia, no Rio de Janeiro e em Minas Gerais. Ninguém sabe mais sobre história política do que Sebastião Nery. Escreveu um livro sobre folclore. Quem quiser saber como Collor venceu as eleições deve lê-lo; ninguém conta melhor do que ele. Possui uma coluna.

Como um País... tudo é mentira. Este País nunca esteve tão ruim. Está doente, com osteomielite crônica. Ulysses dizia, Senador Alvaro Dias, que a corrupção é o cupim da democracia. Nunca houve tanto cupim neste País, nunca houve tanta corrupção. O País está doente. Que negócio é esse de dizer que vamos bem? Sebastião Nery foi o maior.

Falarei do Brasil e de Botswana É um artigo de hoje.

Nestes tempos de copas e olimpíadas, o Brasil é imbatível em miséria e desigualdade social, e falta uma mínima distribuição de renda. O último relatório do Bird (Banco Mundial) traz o criminoso placar. Piores do que o Brasil só a Namibia, Botswana, República...

(Interrupção do som.)

O SR. MÃO SANTA (PMDB - PI) - Sr. Presidente, um minutinho, com a bondade e a grandeza do Acre e de V. Exª, que é do tamanho do Brasil, maior do que o Acre.

...Botswana, República Centro Africana e Suazilandia, que quase ninguém sabe onde ficam, só que é na África.

Melhores do que o Brasil, para suprema vergonha nossa, o Zimbabue, Gambia, Malawi, Zambia, Lesoto, Bolivia, Paraguai, Colombia, Equador e o resto da humanidade. E o mais grave: depois de três anos do governo Lula, que só ganhou porque jurou começar a mudar isso, nada melhorou. E piorou.

É o Banco Mundial quem diz por que está cada dia pior. (sic)

O Banco Mundial não deveria nem fazer parte das nossas palavras, porque ele é culpado disso, mas essa é a denúncia de Sebastião Nery e esse é o Brasil.

Senador Alvaro Dias, cristão que sou, como o Presidente Tião Viana acabou de se declarar católico, temos a crença e a esperança no livro de Deus, que diz: “depois da tempestade vem a bonança”. Depois desses tsunamis de corrupção e de falta de vergonha no Brasil, sem dúvida alguma, acreditando no povo, o povo que foi às ruas no passado, o povo cuja voz rouca Ulysses dizia para ouvirmos, haveremos de construir neste País uma sociedade mais justa, igualitária e fraterna.

Muito obrigado, grande Líder do PT do Acre, Senador Tião Viana.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/09/2005 - Página 33013