Discurso durante a 169ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Registro da aprovação, na Comissão de Assuntos Sociais, do Estatuto da Igualdade Racial, projeto de autoria do Senador Paulo Paim, do qual foi o relator.

Autor
Rodolpho Tourinho (PFL - Partido da Frente Liberal/BA)
Nome completo: Rodolpho Tourinho Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL. DISCRIMINAÇÃO RACIAL.:
  • Registro da aprovação, na Comissão de Assuntos Sociais, do Estatuto da Igualdade Racial, projeto de autoria do Senador Paulo Paim, do qual foi o relator.
Aparteantes
Paulo Paim.
Publicação
Publicação no DSF de 30/09/2005 - Página 33475
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL. DISCRIMINAÇÃO RACIAL.
Indexação
  • REGISTRO, APROVAÇÃO, COMISSÃO DE ASSUNTOS SOCIAIS (CAS), SENADO, RELATORIO, PROJETO, CRIAÇÃO, ESTATUTO, IGUALDADE, RAÇA, AUTORIA, PAULO PAIM, SENADOR, OBJETIVO, REDUÇÃO, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, IMPLEMENTAÇÃO, DIREITOS, RECONHECIMENTO, TERRAS, DESCENDENTE, QUILOMBO (SC).
  • REGISTRO, HISTORIA, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, PAIS, AUSENCIA, LEGISLAÇÃO, COMPLEMENTAÇÃO, LEI FEDERAL, EXTINÇÃO, ESCRAVATURA.
  • ELOGIO, AUDIENCIA PUBLICA, CAPITAL DE ESTADO, ESTADO DA BAHIA (BA), PARTICIPAÇÃO, LIDERANÇA, NEGRO, CONTRIBUIÇÃO, SUGESTÃO, MELHORIA, PROPOSTA, ESTATUTO, IGUALDADE, RAÇA.

O SR. RODOLPHO TOURINHO (PFL - BA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Senado Federal - entendo - deu hoje um passo importante para propiciar a melhoria da condição de vida da população negra, diminuir as desigualdades entre negros e brancos, proporcionar a igualdade de oportunidades entre eles, reconhecer o direito dos remanescentes dos quilombos e criar instrumentos para superar a discriminação de que são vítimas os afro-brasileiros.

Aprovamos hoje, na Comissão de Assuntos Socais, por unanimidade, o relatório ao Projeto de lei do Senado nº 213, de 2003, projeto esse de autoria do eminente Senador Paulo Paim, que institui o Estatuto da Igualdade Racial.

Entendo que é uma longa luta que o Senador Paulo Paim trava, por muitos anos, tendo inclusive apresentado, quando Deputado, projeto semelhante na Câmara dos Deputados, cuja tramitação, até hoje, não se encerrou. Mas este do Senado terá sua tramitação concluída. Depois de passar por três Comissões, este importantíssimo projeto vai ainda à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, onde é terminativo. Nessa marcha, poderemos aprovar ainda neste mês, certamente, este projeto. Creio que o objetivo comum é aprová-lo antes de 20 de novembro, Dia de Zumbi, data muito importante para ser utilizada como marco dessa aprovação.

O projeto agrupa disposições que estabelecem os fundamentos do Estatuto, os direitos à saúde, à educação, a cultura, esporte e lazer, os direitos à liberdade de consciência e de crença e ao livre exercício dos cultos religiosos, além de determinações que cuidam do Fundo de Promoção da Igualdade Racial, definem os marcos de reconhecimento das terras ocupadas pelos remanescentes dos quilombos, prevêem mecanismos indutores da igualdade de oportunidades no mercado de trabalho, instituem o sistema de quotas em favor da população afro-brasileira, disciplinam a contribuição dos meios de comunicação para a visibilidade dos afro-brasileiros, Sr. Presidente, no processo de superação da discriminação racial e, por fim, criam as condições de melhor acesso dos negros brasileiros à justiça.

Sabemos todos que o Brasil está longe de ser um País em que todos são iguais, prova desse fato são as inúmeras pesquisas que mostram as desigualdades existentes entre negros e brancos com respeito ao analfabetismo, à repetência, à evasão escolar, às oportunidades de trabalho e aos salários.

Diferentemente de países em que a desigualdade entre negros e brancos foi claramente sancionada em lei, no Brasil a discriminação contra os negros instituiu-se de uma maneira que, veladamente, tem escapado ao mandamento formal de que todos são iguais perante a lei.

Essa forma não legalizada de discriminação possui, contudo, raízes profundas. Apesar de ser expressão da cultura dominante no País, a segregação racial dos negros é dissimulada e não assumida. Se não forem levadas em conta tais características, não se consegue entender a contradição de uma mesma pesquisa de opinião constatar que a maioria dos brasileiros acredita na existência de discriminação contra os negros e que a maioria igualmente declara não discriminá-los.

Nesse contexto, é possível imaginar quão grande foi a luta dos negros para trazer a público o debate sobre o racismo. Um dos maiores feitos do movimento feito negro após à Constituição de 1988 foi, sem dúvida, ter logrado tornar pública a discussão da situação do negro na sociedade brasileira.

Conquanto o racismo seja dissimulado e não assumido, os dados oficiais mostram, com meridiana clareza, que os negros encontram-se em evidente desvantagem em quase todos os indicadores sociais. A esse respeito, recorde-se que a desproporcional participação dos afro-brasileiros nos contingentes de pobre e indigentes do País levou pesquisadores a declararem que no Brasil a pobreza tem cor - o que é lamentável.

A condição de pobre ou indigente negro, ao mesmo tempo, tem contribuído para reforçar o tom dissimulado da discriminação mediante o argumento de que no Brasil não há discriminação contra o negro, mas contra o pobre. As estatísticas oficiais, por si só, demonstram o caráter falacioso desse juízo.

Outra forma de dissimulação é o argumento de que o racismo não existe porque a ciência já demonstrou não existirem raças puras. Esquecem os que se valem desse raciocínio do fato de que o racismo, como prática social, independe do substrato da raça para se impor como discriminação contra os afro-brasileiros.

Nesse contexto, a maior de todas as virtudes da proposição do Senador Paulo Paim é exatamente postular a superação do racismo mediante a criação de mecanismos de dois tipos: os que buscam reverter a condição de desvantagem socioeconômica em que se encontram os negros e aqueles que visam fundar uma nova sociabilidade, baseada na igualdade de todos por meio do reconhecimento da importante contribuição dos afro-brasileiros para a nacionalidade.

Assim, o Estatuto da Igualdade Racial pretende obrigar os serviços de saúde a cuidar das doenças prevalentes na população negra e visa instituir instrumentos que assegurem a igualdade de oportunidades no mercado de trabalho, mas, ao mesmo tempo, cuida da formação de docentes baseada nos princípios da eqüidade, tolerância e respeito às diferenças raciais, bem como do desenvolvimento de campanhas educativas destinadas a tornar a solidariedade social para com os negros um elemento constituinte da cultura brasileira.

            Diz-se comumente que a Lei Áurea, de um só golpe, com um só artigo, pôs fim à escravidão. De fato, a rigor, a Lei nº 3.353, de 13 de maio de 1888, possui apenas um dispositivo, uma vez que seu art. 2º contempla a cláusula de revogação.

Diz a famosa Lei Áurea: “Art. 1º. É declarada extinta a escravidão no Brasil. Art. 2º. Revogam-se as disposições em contrário”.

            Possivelmente, dentro da legislação brasileira, é uma das poucas leis que contém um só artigo, desde que o art. 2º, Senador Paulo Paim, não vale, é apenas de revogação de disposições em contrário. Portanto, estamos, claramente, desde 13 de maio de 1888, à espera de algo que venha completar essa lei, pois nenhuma lei poderia abolir a escravidão com apenas um artigo.

E isso chega neste momento, com o Estatuto da Igualdade Racial, da lavra do Senador Paulo Paim, que, numa luta grande, vem tentando, como disse anteriormente, há muito tempo, fazer com que isso se torne realidade. É preciso que seja dessa forma, a fim de que possamos diminuir as desigualdades raciais no País.

O Sr. Paulo Paim (Bloco/PT - RS) - V. Exª me permite um aparte, Senador Rodolpho Tourinho?

O SR. RODOLPHO TOURIINHO (PFL - BA) - Concedo, com muita satisfação, Senador Paulo Paim, e com muito orgulho de ter sido o Relator do projeto, o aparte a V. Exª.

O Sr. Paulo Paim (Bloco/PT - RS) - Senador Rodolpho Tourinho, é importante para o Brasil o dia de hoje, em que o Senado Federal demarca mais uma vez sua luta contra os preconceitos. E vejo na tribuna V. Exª, que não é negro, mas um homem que entende que a luta contra o preconceito é de todos nós. Confesso que minha ida à Bahia com V. Exª demonstrou, primeiro, o carinho que V. Exª dispensa a negros e brancos, e, segundo, o carinho que recebe do povo da Bahia. Por isso, fiz questão de estar lá, de onde saí convencido de que, no dia de hoje, haveríamos de aprovar o projeto na Comissão de Assuntos Sociais, como de fato ocorreu. Por outro lado, Senador Rodolpho Tourinho, em 2005, século XXI, estamos ainda discutindo formas e leis a fim de combater o racismo e o preconceito. Como disse V. Exª, mais de 90% do povo brasileiro, consultado, reconhece que no Brasil existe racismo. Foi um dado que ouvi há pouco de V. Exª, que é um estudioso do tema. Ora, por que tanta dificuldade, então, para a aprovação do Estatuto da Igualdade Racial, que está em debate, eu diria, há mais de dez anos? Foram sete anos na Câmara dos Deputados e, felizmente, dois anos e meio aqui no Senado Federal. A partir do momento em que V. Exª foi designado Relator, e com as audiências públicas realizadas, a matéria foi agilizada. Pode ser simbólico o que vou contar, mas recebi do Senador Mão Santa um Cristo negro. É pequeno, não sei se as câmeras conseguem filmar, mas demonstra que, somente agora, com o debate que estamos realizando, como eu diria antes, ninguém deve ser analisado, pensado ou mesmo qualificado ou desqualificado pela cor da pele. Poucas figuras de Cristo são negras. E vou além: quem já viu um anjo negro? Poucos anjos são negros. E qual é o problema? Não pode haver anjo negro? Cristo não pode ser negro? Claro, todos sabemos, que não tem nada a ver a cor da pele. Meu amigo Senador Rodolpho Tourinho, é um dia muito importante, pode ter certeza. Eu gostaria de encerrar, dizendo a V. Exª que, em novembro, duas marchas virão a Brasília - não diria sobre Brasília, mas a Brasília. As duas da comunidade negra, e têm como eixo principal a aprovação do Estatuto da Igualdade Racial. Tenho quase certeza, pelo brilhante trabalho realizado por V. Exª, de que o sonho da comunidade negra com a Carta de Alforria, como disse V. Exª, que não veio em 13 de maio de 1888, se realizará em 20 de novembro de 2005. Parabéns a V. Exª.

O SR. RODOLPHO TOURINHO (PFL - BA) - Muito obrigado, Senador Paulo Paim.

Sr. Presidente, peço mais dois minutos para concluir.

Eu gostaria, neste momento, de lembrar o que aconteceu na Bahia, e que foi muito importante. Não poderíamos votar um estatuto sem antes passar pelo Estado que possui a maioria da população negra e pela segunda maior cidade de população negra no mundo, que é Salvador. Houve uma participação muito grande das principais lideranças negras do Estado. Uma participação que não se resumiu ao dia da audiência pública; foram várias reuniões e estudos realizados, e boa parte deles incorporada ao projeto. Cito o exemplo do Professor Jorge Portugal, que coordenou todo esse trabalho. Isso foi importante para que a Bahia pudesse sentir que alguma coisa nova acontece nessa área.

Tenho certeza de que a população de Salvador também lhe será eternamente grata por isso, Senador Paulo Paim.

Como eu dizia, o Estatuto de que V. Exª é autor, jamais poderia ser substituído - recebeu emendas, em acordo com V. Exª. - porque ele contempla a lei de artigo único, a Lei Áurea, que deixou lacunas imensas, omissões enormes do Estado na instituição de um instrumento que colocasse fim à escravidão.

O projeto de V. Exª, Senador Paulo Paim, contempla, de certa forma, a Lei Áurea, ao contribuir de forma notável para superar a discriminação racial que os negros brasileiros têm sofrido, motivo por que se impõe a sua aprovação.

Encerro, Sr. Presidente, mencionando uma frase muito importante citada pelo Senador Paulo Paim em nossa audição em Salvador. Agradeço também ao Senador Antonio Carlos Valadares pela contribuição em relação ao que pôde ser feito na Bahia e também no que se refere à aprovação do projeto. Não podemos aceitar aquilo que foi dito por alguém e que o Senador Paulo Paim citou na Bahia: “Os negros estão condenados no Brasil a um ciclo de reprodução da pobreza não por serem pobres, mas por serem negros”.Isso nós não podemos aceitar.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/09/2005 - Página 33475