Discurso durante a 176ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Reflexões sobre o Dia do Professor e o Dia da Criança.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO.:
  • Reflexões sobre o Dia do Professor e o Dia da Criança.
Aparteantes
José Jorge.
Publicação
Publicação no DSF de 11/10/2005 - Página 34722
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO.
Indexação
  • ANUNCIO, COMEMORAÇÃO, DIA NACIONAL, CRIANÇA, PROFESSOR, CRITICA, GOVERNO FEDERAL, ABANDONO, EDUCAÇÃO, BRASIL.
  • ANALISE, EDUCAÇÃO BASICA, RESPONSABILIDADE, MUNICIPIOS, ESTADOS, PREJUIZO, ESTUDANTE, EFEITO, DESIGUALDADE REGIONAL, BRASIL.
  • DEFESA, FEDERALIZAÇÃO, PAGAMENTO, PROFESSOR, EDUCAÇÃO PRE-ESCOLAR, ENSINO FUNDAMENTAL, ENSINO MEDIO, BRASIL, BENEFICIO, UNIFICAÇÃO, PISO SALARIAL, SEMELHANÇA, CAPITAL FEDERAL, APRESENTAÇÃO, DADOS.
  • CRITICA, GOVERNO FEDERAL, DESCUMPRIMENTO, PROMESSA, FEDERALIZAÇÃO, PAGAMENTO, PROFESSOR, BRASIL.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente Mão Santa, vim falar do futuro. Vim falar do futuro nesta que é a semana do futuro. Porque, nesta semana, o Brasil comemora ao mesmo tempo o Dia do Professor e o Dia da Criança. Dois dias ligados entre eles e ligados com o futuro.

Dois dias ligados também pelo abandono do Poder Público Federal ao longo da história de nosso País. Por incrível que pareça, os governos federais brasileiros, Senador Mão Santa, um depois do outro, nada ou pouco têm a ver, de acordo com a lei, com as crianças e com os professores.

Na semana passada, discutimos aqui, Senadora Heloísa Helena, uma tal de MP do Bem. Não aparecia o nome criança, não aparecia professor. Que MP do Bem é essa que não cuida de criança, nem de professor, nem de educação?

Hoje, Sr. Presidente, iniciamos a semana do professor e da criança. A Nação brasileira abandonou as crianças e os professores aos Municípios e aos Estados, que não têm recursos e, além disso, são muito desiguais entre si. O destino de uma criança brasileira depende, por isso, da sorte de onde nasceu e da sorte de quem é o Prefeito no ano em que ela entra na escola.

O Brasil é um País desigual na renda de nossas cidades e também na vontade de cada um de nossos dirigentes municipais. Há cidades com renda per capita de quase R$20 mil por ano e outras em que essa não chega a R$600 por ano. Como deixar que o futuro de uma criança fique entregue ao Município, por mais boa vontade que tenha o Prefeito ou a Prefeita, se a renda per capita - não é a renda do Município ou da Prefeitura - não chega a R$600 reais e em outros lugares é de quase R$20 mil?

Os Municípios são desiguais e não têm os recursos necessários para assegurar uma boa educação a suas crianças. Enquanto a educação fundamental for responsabilidade de cada Prefeito ou Prefeita, será impossível assegurar uma educação equivalente, com a mesma qualidade, em todas as cidades brasileiras e a todas as crianças brasileiras.

Se o Dia das Crianças é federal, por que deixamos que seja municipal a educação que elas recebem? As crianças brasileiras, por isso, precisam de uma educação brasileira, nacional, federal, e não apenas municipal.

A nacionalização da educação básica é uma condição necessária para fazer a revolução educacional de que o Brasil precisa. E essa revolução começa pelo professor.

Apesar de toda a modernidade, a educação é e continuará a ser feita, sobretudo, pelo professor e pela professora. Por mais computadores que tenhamos, é o professor quem cuida da criança e está por trás daquilo que o computador transmite.

Educação é magistério. E professor é cabeça, coração e bolso, uma Santíssima Trindade da educação: cabeça, coração e bolso do professor.

Não é possível uma boa educação se o professor não for bem formado e dedicado. Não há como ter essa dedicação, essa formação, se o professor não for bem remunerado.

Hoje, a remuneração do professor, bem como sua seleção - daquele que vai cuidar da cabeça de nossas crianças e, portanto, do futuro do País -, são de responsabilidade do Município.

Concedo um aparte ao Senador José Jorge.

O Sr. José Jorge (PFL - PE) - Senador Cristovam Buarque, minha solidariedade ao pronunciamento de V. Exª. Sempre discutimos em particular a questão da educação. V. Exª tem uma idéia de nacionalização do Ensino Fundamental, do Ensino Básico por excelência. Concordo com V. Exª. Na realidade, quando trabalhamos aqui o Fundef, a idéia era exatamente esta que agora V. Exª está ampliando: existindo lugares com poucos recursos e outros com mais recursos, pretendíamos, de certa maneira, tornar isso mais uniforme. Foi um passo. Mas V. Exª tem razão, pois só esse passo não resolveu o problema. Resolveu até na quantidade, pois, com a criação do Fundef, houve grande aumento da escolaridade. Agora, temos que dar um passo a mais: não cuidar só da parte financeira, mas também da parte técnica da educação, de forma integrada entre os três níveis de Governo. Então, é uma idéia importante, e, do ponto de vista operacional, precisamos discutir a melhor maneira de fazer, mas, sem dúvida, deixo minha solidariedade com V. Exª no sentido de que precisamos trabalhar e discutir essa idéia no Senado Federal. V. Exª começou no Governo do Presidente Lula com um programa bastante criativo, mas, depois que V. Exª saiu, eles entraram no lugar comum - diria que até pior do que o governo anterior, que implantou algumas idéias. Mas isso vai acabar, e um dia precisaremos de idéias novas, e essa idéia de V. Exª é nova e importante.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Agradeço ao Senador José Jorge, sem dúvida alguma, um dos mais preocupados e que mais conhecem do assunto, até porque foi Secretário de Educação em Pernambuco, meu Estado. Sempre comparti de que o Fundef foi um grande avanço, mas foi apenas um passo. Eu sempre disse que o Ministro Paulo Renato deixou, entre outros, três pontos fundamentais: o aumento do número de estudantes universitários no Brasil, o que é um grande passo - mesmo que a qualidade não seja boa, existir uma faculdade numa cidade já é uma grande coisa; o Fundef; e a cultura da avaliação. Três pontos fundamentais.

No entanto, foi um passo muito pequeno, inclusive porque Ministério da Educação não pode ser banco para passar fundo. Tem de passar fundos, mas também intervir, participar da fiscalização, da seleção dos professores.

Por isso, se quisermos nacionalizar a educação, é preciso nacionalizar o professor.

Em muitos países, sobretudo aqueles que deram certo na educação, o professor, tanto do curso primário como do secundário, é um funcionário remunerado pelo Governo Federal. Ele não é funcionário do Município ou do Estado, mas, sim, do Governo Federal.

Entretanto, aqui, eu não proponho isso. Seria um passo grande demais. Para mim, o professor ser federalizado ou nacionalizado é simplesmente termos um piso salarial - não se trata sequer de um salário unificado para o professor, ainda que isso aconteça nas universidades e nas escolas técnicas. As universidades e as escolas técnicas têm salários unificados para o professor. Não importa o lugar da universidade, o salário do professor é o mesmo. Porém, em relação à educação básica, é como se ela fosse secundária, relegada, como se não fosse a base da própria universidade - os salários são tão diferenciados a ponto de 80% dos professores ganharem menos de R$ 250,00 por mês, menos do que o salário mínimo. Isso deveria ser até ilegal!

Por isso, Sr. Presidente, todos que entendem a necessidade de um salário unificado para as universidades deveriam pensar também um salário unificado para o Ensino Básico, o Ensino Fundamental, o Ensino Médio e mesmo para o Ensino Pré-Escolar.

Para mim, nacionalizar o professor hoje consiste simplesmente em unificar o piso salarial que seria pago pela União a todos os professores do Ensino Básico no Brasil. Com isso, para não esquecer a Santíssima Trindade - cabeça, coração e bolso -, é preciso vincular o salário unificado do piso do professor a uma unificação dos critérios de seleção e de participação, para saber a dedicação do professor.

O professor, nessa proposta, continua como servidor de seu Município, mas depois de uma seleção federal, a partir da qual passaria a receber um salário pago pela União, e o Município poderia e deveria continuar pagando a sua parte.

De certa forma, é assim no Distrito Federal. As pessoas esquecem que, no Distrito Federal, o salário do professor, em média R$1.475,00 por mês, é pago pela União. Além disso, pelo menos no tempo em que fui governador, o Distrito Federal, com recursos próprios, ainda complementava esse salário.

Se funciona no Distrito Federal, por que não pode ser assim nos outros Municípios? Se é assim aqui, com uma renda per capita de R$16 mil, por que não se adota o mesmo procedimento em cidades como Tutóia, cuja renda é de R$617,00; ou em Bacuri, que tem renda de R$581; ou em Axixá, que é de R$526,00? Por que aqui conseguimos federalizar a educação, o salário do professor, e não conseguimos fazer o mesmo nos Municípios mais pobres do Brasil?

Afinal, se a criança deve ser cuidada como patrimônio nacional, o professor do Ensino Básico tem de ser respeitado como um grande recurso nacional.

O petróleo, por exemplo, é federal, a moeda é federal, os aeroportos são federais, mas o professor é tratado como se fosse apenas municipal.

Não é possível, Sr. Presidente, hoje, o Governo Federal pagar a cada professor do Brasil o que paga ao professor do Distrito Federal. Isso é impossível! Mas se o Governo Federal decidisse dobrar - essa é a minha proposta - o salário médio do professor municipal e estadual, atualmente de R$ 530,00, elevando-o para R$1.000,00 ao mês, que ainda não é o salário que merece o professor, seria necessário desembolsar um valor anual de cerca de R$6 bilhões. Isso, se fosse feito para a metade que - sabemos - passaria numa seleção federal.

No entanto, suponhamos que aplicássemos o que eu comecei como ministro: o Programa de Certificação Federal do Professor, inicialmente para professores de 1ª a 4ª série. Isso custaria apenas R$2 bilhões. Se, no primeiro momento, dobrássemos o salário de 80% dos professores que ganham até R$250,00 - dobrando o salário médio deles que é de R$200,00 -, isso custaria R$4 bilhões. Com esse incentivo, em poucos anos, todos seriam aprovados nos concursos. Cabeça, coração e bolso juntos mudariam a realidade.

Neste momento, quando todos fossem beneficiados por isso, teríamos de gastar R$12 bilhões. Parece muito, mas equivale a 1,5% da receita prevista para 2006 no Orçamento da União. Com 1,5%, faríamos uma revolução, atendendo aquilo que é mais sublime em um País: a criança e aquilo que é mais fundamental para formar a criança, que é o professor.

Sr. Presidente, se não fizermos isso, não poderemos comemorar, como devemos, o dia 12 e o dia 15 de outubro, seria hipocrisia fazê-lo.

Na campanha eleitoral, o Presidente Lula prometeu fazer isso, e nós fizemos campanha para ele esperando que isso seria cumprido. No primeiro ano do Governo, o MEC começou a executar o programa de certificação federal dos professores - inicialmente, os professores da primeira à quarta série. Em 2004, o mesmo Governo que começou o programa desativou-o, abandonando o compromisso.

Nesta semana do Dia da Criança e do Dia do Professor, é hora de cobrar os compromissos de campanha de 2002 e pensar também adiante. Se adiarmos mais, para além desta data, só os hipócritas continuarão comemorando o dia 12 e o dia 15 como da criança e do professor.

Hoje, apesar de toda a frustração, da tristeza, do pesadelo ao olhar o futuro, alguns ainda comemoram essa data com esperança. O dia 12 e o dia 15 de outubro ainda não são festas iguais à do dia 13 de maio, porque apesar de a abolição ter ficado incompleta, ela ao menos foi proclamada, mas ainda não proclamamos a libertação das crianças e professores. Os dias 12 e 15 ainda são apenas datas festivas e mentirosas de um País que não cuida de suas crianças nem apóia os seus professores, são datas ilusórias.

O Brasil ainda tem tempo, mas não muito, para evitar ser uma nação secundária, perdida. E o nosso futuro passa pelas crianças e, estas, pela formação dada pelos professores. Por isso, o futuro é construído pelos professores.

Esta semana deveria ser chamada de “semana do futuro”, mas ainda não pode ser chamada assim. Ainda é a semana do abandono do futuro, mas ainda continua sendo uma semana de esperança. É em nome dessa esperança, Senador Mão Santa, Senador Paim, que eu vim aqui falar pelos professores e pelas crianças, fazer um apelo para que, juntos, esta Casa tome a iniciativa e trabalhemos um projeto que permita fazer da criança e do professor uma preocupação natural, nacional, e não apenas municipal. Se nós federalizamos tudo o que é dos ricos, está na hora de federalizar aquilo que é do futuro: a criança e o professor.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/10/2005 - Página 34722