Discurso durante a 178ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comentários sobre matéria publicada na imprensa, intitulada "Lei do gás vai tirar poder da Petrobrás". (como Líder)

Autor
Rodolpho Tourinho (PFL - Partido da Frente Liberal/BA)
Nome completo: Rodolpho Tourinho Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ENERGETICA.:
  • Comentários sobre matéria publicada na imprensa, intitulada "Lei do gás vai tirar poder da Petrobrás". (como Líder)
Publicação
Publicação no DSF de 12/10/2005 - Página 34919
Assunto
Outros > POLITICA ENERGETICA.
Indexação
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, VALOR ECONOMICO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), INEXATIDÃO, DADOS, PREVISÃO, INICIATIVA, PROJETO, GOVERNO, LEGISLAÇÃO, GAS NATURAL, REGISTRO, EXAME, CONGRESSO NACIONAL, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, DETALHAMENTO, QUEBRA, MONOPOLIO, PETROLEO BRASILEIRO S/A (PETROBRAS), REGULAMENTAÇÃO, TRANSPORTE, COMERCIALIZAÇÃO, ATUAÇÃO, AGENCIA NACIONAL DO PETROLEO (ANP), APREENSÃO, ATRASO, SIMULTANEIDADE, TRAMITAÇÃO, DEFESA, UTILIZAÇÃO, EMENDA, UNIFICAÇÃO, DEBATE.
  • ANALISE, INCOERENCIA, PROJETO, GOVERNO, LEGISLAÇÃO, GAS NATURAL, APREENSÃO, AUSENCIA, ATRAÇÃO, PRODUTOR.

O SR. RODOLPHO TOURINHO (PFL - BA. Pela Liderança da Minoria. Sem revisão do orador.) - Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, trago de volta a discussão do problema do gás, que interessa ao meu Estado, interessa ao Estado do Senador Valdir Raupp, ao Estado do Senador Antonio Carlos Valadares, enfim, a todos, ao Brasil.

Na quinta-feira passada, o jornal Valor Econômico publicou matéria intitulada “Lei do gás vai tirar poder da Petrobras”. Era sobre um projeto do Governo que, possivelmente, será encaminhado em regime de urgência, e a expectativa é que seja aprovado até dezembro - o envio por meio de medida provisória também não está descartado.

Nessa matéria foram colocados alguns pontos, sendo que alguns deles não são verdadeiros. Haveria, nesse projeto do Governo, nesse pretenso projeto do Governo:

- a quebra do monopólio da Petrobras;

- o fortalecimento da Agência Nacional de Petróleo;

- a previsão de autorização e concessão no transporte, o que é verdade;

- a criação de um órgão regulador;

- a previsão de livre acesso às UPGNs, que são as Unidades de Processamento de Gás Natural;

- a criação da figura do consumidor livre;

- a criação de um mercado secundário compulsório de gás natural.

Quero chamar a atenção para aquilo que fazia parte do próprio título da matéria, “Lei do Gás vai tirar poder da Petrobras”. Não vai, não. O que vai tirar o poder da Petrobras é o meu projeto de lei, o PLS nº 226.

Haveria, então, a necessidade de mais um projeto de lei, além daquele que já tramita aqui, que é o meu projeto de lei? Creio que não.

A regulamentação do segmento de exploração, desenvolvimento e produção já está consolidada, é bem conhecida pelos agentes e foi aprovada pela Lei nº 9.478/98. Não há necessidade de alterações conforme afirmado no texto da matéria.

Em segundo lugar, o foco da nova regulação deve ser no transporte e na comercialização de gás, tema principal do meu projeto.

O terceiro ponto é que o novo projeto vai prolongar desnecessariamente a discussão e vai adiar as decisões num setor tão importante como o do gás.

O que poderia acontecer é o Governo, se tivesse a humildade necessária, apresentar emendas ao PLS nº 226, o meu projeto, e discutir essas emendas, porque, de fato, como o próprio Ministro reconhece, os projetos podem até ser complementares - não tenho dúvida disso - e pode-se chegar a um meio-termo.

Dentro do projeto, há o Regime Jurídico do Transportador. Esse é um tema importante no meu projeto de lei. Proponho transformar o atual regime de autorização para concessão. O projeto do Ministério das Minas e Energia propõe um regime jurídico misto, de autorização e concessão, para a atividade de transporte.

Convivendo os dois regimes legais, teríamos mais problemas do que soluções:

- arrisca-se ter gasodutos de transporte similares com regulação distinta;

- dá-se enorme discricionariedade ao Governo para selecionar o regime preferido para cada empreendimento;

- abrem-se novas possibilidades de tratamento discriminatório;

- criam-se incertezas quanto ao tratamento e à manutenção do status quo que beneficiam a Petrobras, que provavelmente terá forte influência na escolha dos modelos jurídicos conforme o momento, conforme a hora, conforme a sua vontade;

- contraria-se, portanto, aquela informação de que o projeto do Governo quebra o monopólio e retira o poder da Petrobras - repito: isso não é verdade.

Outro ponto que é importante considerar no projeto do Ministério de Minas e Energia é a criação de um mercado secundário compulsório. Não somos contra a criação do mercado secundário, achamos que ele virá naturalmente, mas ele não pode vir de uma forma compulsória, feita por lei.

A criação desse mercado para revenda de gás contratado para as térmicas traz enormes distorções:

1) O mercado secundário traz riscos para os produtores, trazendo enorme incerteza na colocação da produção.

2) O modelo dá também sinais distorcidos. Se, por um lado, reduz os custos da geração térmica a gás e incentiva o seu uso, por outro lado, reduz os incentivos para a produção.

Quem tomaria, então, o risco do preço? Como seriam financiados esses projetos?

3) A comercialização de contratos não-firmes vai alternar o montante de encargos fixos e variáveis cobrados pelas distribuidoras dos clientes firmes que migrarem seus contratos. Isso altera o equilíbrio econômico-financeiro das distribuidoras, cujo monopólio é dos Estados - elas são estaduais. Essa incerteza da receita das distribuidoras pela variação do volume do mercado secundário trará, certamente, um desequilíbrio econômico-financeiro aos contratos.

4) Esses aspectos trazem problemas legais, pois afetam competência estadual para a regulamentação das condições comerciais em que operam as distribuidoras.

O projeto do Governo prevê também, ao contrário do meu, a criação de consumidores livres e de autoprodutores. O projeto do Governo propõe a criação dessas duas figuras, o que poderá suscitar questionamentos jurídicos e imobilizar o avanço do projeto no Congresso Nacional. Ele fere a Constituição Federal, que, no seu art. 25, dá monopólio aos Estados na distribuição do gás canalizado.

Baseados nas estruturas e competências do setor elétrico, a introdução dessas categorias esbarra na competência estadual - repito - para legislar sobre distribuição de gás canalizado. Resultará, assim, um debate jurídico sobre até que ponto a União pode e não pode avançar, que poderá engessar o avanço de qualquer projeto de lei.

Os Estados estão frontalmente contrários a essa questão, já manifestaram essa posição e virão aqui na próxima semana tornar oficial essa posição contrária a esse tipo de mudança.

A criação dos consumidores livres e autoprodutores sinaliza para a possibilidade de que a verdadeira intenção do Governo seja a não-aprovação da lei, porque inserir esse tipo de coisa num projeto de lei representa barrar a sua tramitação normal aqui no Senado, pois trata-se de uma barreira intransponível a criação desses consumidores livres e dos autoprodutores.

Quanto ao livre acesso aos dutos de transporte, defendo, no meu projeto de lei, o livre acesso regulado e defendo também que a Agência Nacional de Petróleo se transforme em agente tarifário, como é o caso da Aneel.

A proposta de lei do Governo, divulgada na mídia, indica que o acesso de terceiros aos gasodutos de transporte continuará negociado entre as partes, intervindo a Agência Nacional de Petróleo somente em casos de conflito. Experiência do acesso aos gasodutos mostra baixa probabilidade de acordo entre interessados - isso baseado na nossa experiência do passado.

Há ainda o risco de conflitos recorrentes e necessidade crescente de interferência da Agência Nacional de Petróleo, que corre risco de não mais existir a partir de janeiro, assim como a Aneel, por falta de dirigentes, ainda que isso seja outro problema, mas que deve ser considerado, neste momento, talvez como uma intenção do Governo de desestimular, de criar cada vez mais obstáculo à existência das agências reguladoras.

Volto ao assunto do livre acesso, porque a preservação do acesso negociado, como existe hoje, impede o desenvolvimento da competição na comercialização e reduz incentivos para entrada de novos investidores na produção. Essa situação consolida o poder de mercado da Petrobras, diferentemente do que tem sido divulgado pelo Governo.

Há um outro ponto, a separação das atividades de transporte e comercialização.

O meu projeto, o PLS nº 226, propõe a separação entre o transporte e a comercialização. A proposta de lei do Governo, a divulgada minuta, não se refere a esse tema.

A falta de regras bem definidas para separação das atividades de transporte e comercialização é um dos pontos fracos da Lei nº 9.478/98. a chamada Lei do Petróleo. Hoje, a Transpetro, subsidiária da Petrobras, criada de acordo com as leis da Lei do Petróleo, não detém a propriedade dos dutos como deveria.

Não há contratos de transporte entre a Petrobras e a Transpetro, como previsto na lei.

Não há como verificar se a Transpetro trata todos os possíveis usuários dos gasodutos de forma não discriminatória, como deveria ser possível verificar.

Essa ausência de tratamento reforça o poder da Petrobras no setor, ao contrário do que diz o Governo.

Um outro ponto é a questão do livre acesso às instalações do gás natural liquefeito, do gás natural comprimido e das unidades processadoras de gás natural. Aí o Governo endoidou de vez, parece ter retornado aos tempos da Rússia comunista, para fazer esse tipo de proposta, que não faz o menor sentido.

O projeto divulgado, por meio de uma minuta vazada para um determinado jornal, que aliás tem acompanhado com muita competência toda essa área do projeto de gás, o Valor Econômico, introduz o acesso negociado de terceiros nas unidades processadoras de gás natural, instalações de GNC e GNL, o que não é consistente do ponto de vista técnico, sobrecarregará a Agência Nacional de Petróleo e desvirtuará o seu foco. Não se dá livre acesso em lugar algum do mundo às unidades industriais. Dá-se livre acesso onde há monopólio.

Essas unidades industriais são plantas industriais que, a priori , não se enquadram nas características de um monopólio natural.

Devido à baixa probabilidade de acordo entre interessados, há risco de conflitos recorrentes e necessidade crescente de interferência da Agência Nacional de Petróleo, o que pode desvirtuar o foco da agência, a sua função principal.

O projeto é incoerente, nesse aspecto, no tratamento do acesso de terceiros nas diferentes instalações. Propõe uma regulação fraca (acesso negociado) para o transportador (esse sim com características de um monopólio natural) e intervém em segmentos potencialmente competitivos onde a regulação é menos necessária.

Para concluir, ainda dentro desse mesmo tema, fazendo as considerações finais, a introdução de dois projetos de lei para o gás natural atrasa as discussões e a aprovação de um texto final. O Governo cooperaria mais com a indústria se aportasse suas emendas ao PLS nº 226, já em andamento no Senado.

A proposta de projeto divulgada não reduz incertezas quanto ao acesso de terceiros aos gasodutos de transporte e a separação da atividade de transportador e comercializador da Petrobras. Ao contrário, o projeto de lei, proposto pelo Governo reforça o monopólio da Petrobras na cadeia produtiva, ainda que o Governo venha dizendo em contrário.

A criação do mercado secundário e a introdução de consumidores livres e autoprodutores resultam em questões jurídicas sobre a delimitação das competências estaduais e federais que podem imobilizar o processo de aprovação legal contra o qual a totalidade dos Estados já se mostrou contrária, porque isso fere o art. 25 da Constituição Federal.

Os dois regimes legais para o transportador, previstos no projeto do Governo, criam mais problemas, pois teremos gasodutos de transportes similares com regulação distinta.

E, por último, a proposta de acesso negociado às unidades industriais, possivelmente, conduzirá à recorrente interferência da Agência Nacional de Petróleo e de perda de foco.

O que nos parece, neste momento em que nós vamos ter a sétima rodada da Agência Nacional de Petróleo de leilão de áreas produtoras de petróleo é que, no fundo, acabam sendo colocadas dúvidas para que não tenhamos novos produtores no mercado, e o Brasil precisa desses produtores. Está previsto que, a partir de 2010, não teremos gás natural - esse é o problema - e não teremos, então, como gerar energia elétrica, uma vez que até lá só poderão ser construídas termelétricas.

Enfim, são esses os pontos colocados, Sr. Presidente, que me preocupam, sobretudo porque teríamos um caminho conjunto a seguir: o caminho do diálogo, da coerência, de se buscar com bom senso as soluções para o País.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/10/2005 - Página 34919