Discurso durante a 182ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre a responsabilidade do Estado pela violência a que estão submetidos os cidadãos.

Autor
Íris de Araújo (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/GO)
Nome completo: Íris de Araújo Rezende Machado
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA. ESTADO DEMOCRATICO.:
  • Considerações sobre a responsabilidade do Estado pela violência a que estão submetidos os cidadãos.
Publicação
Publicação no DSF de 19/10/2005 - Página 35334
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA. ESTADO DEMOCRATICO.
Indexação
  • GRAVIDADE, VIOLENCIA, MORTE, TORCEDOR, FUTEBOL, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), ANALISE, RESTRIÇÃO, LIBERDADE, POPULAÇÃO, FALTA, GARANTIA, SEGURANÇA PUBLICA.
  • COMENTARIO, FALSIDADE, LIBERDADE DE IMPRENSA, BRASIL, LOBBY, GRUPO ECONOMICO, ABUSO DE PODER, PUBLICIDADE, CONTROLE, PUBLICAÇÃO, PERDA, DEMOCRACIA.
  • AVALIAÇÃO, CRITICA, SISTEMA, NATUREZA POLITICA, DESEQUILIBRIO, PODERES CONSTITUCIONAIS, MANIPULAÇÃO, ORÇAMENTO.
  • GRAVIDADE, DESIGUALDADE SOCIAL, BRASIL, CONCLAMAÇÃO, LUTA, JUSTIÇA SOCIAL, DEBATE, REFORMULAÇÃO, POLITICA SOCIO ECONOMICA.

A SRª IRIS DE ARAÚJO (PMDB - GO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em seu pronunciamento, o Senador Ramez Tebet recebeu os apartes dos Senadores Romeu Tuma e João Alberto. Cada um deles se manifestou, de maneira muito digna, com muito conhecimento e com muita categoria, em relação à discussão que está ocorrendo no Brasil sobre o desarmamento. Eu gostaria, de certa forma dando seqüência ao que foi dito aqui, de falar sobre a questão da liberdade.

Neste final de semana, Senador Ramez Tebet, confrontos entre torcidas organizadas provocaram três mortes em menos de 24 horas no Estado de São Paulo. A barbárie vitimou jovens com idade entre 23 e 26 anos, pessoas praticamente começando a viver.

Os que gostam de esportes, em especial os que apreciam futebol, a partir de mais este fato naturalmente passarão a pensar duas vezes se vale a pena levar seus filhos a um estádio, tendo consciência de que a qualquer momento pode irromper a tragédia.

O fato, com toda a sua carga de dor, é aqui utilizado para fundamentar um outro tipo de violência, igualmente letal, que vitima a sociedade brasileira: a violência da falta de liberdade que gradativamente nos torna reféns do medo, da impotência, do controle estatal, do poder político, da supremacia econômica, do domínio comportamental e psicológico.

Nós, que em mais de duas décadas saímos às ruas a clamar por democracia, jamais imaginaríamos que, muito tempo depois da monumental conquista, agora, em pleno século XXI, se apresentasse esta constatação: não bastou apenas vencer a ditadura militar porque novos modelos de opressão, igualmente perniciosos, se interpõem na vida brasileira.

A Constituição garante, mas quem, na prática, pode nos afiançar que temos realmente o direito de ir e vir?

Especialmente nos centros urbanos, nossas famílias se tornam prisioneiras em seus próprios lares, temerosas de enfrentar as ruas que lhes reservam numerosos perigos, desde a ação de assaltantes, Senador Capiberibe, até a verdadeira usina de mortes em que se transformou o trânsito nas grandes e médias cidades.

Mesmo no conforto de suas residências, os brasileiros são perseguidos pela síndrome do medo e do pânico, sempre em alerta à espera do invasor, porque as autoridades não conseguiram construir um sistema jurídico e uma política de segurança pública que garantisse tranqüilidade para o nosso povo, como acabou de mencionar em sua fala o Senador Ramez Tebet.

Vamos para outra esfera. Que liberdade de imprensa podemos dizer que existe neste País? Os grandes veículos de comunicação, mesmo contra seus pressupostos e concepções, são muitas vezes obrigados a ceder aos interesses de grupos econômicos e corporações que, como anunciantes, procuram influenciar nos rumos das edições. No que se refere aos veículos regionais, as evidências de controle são escandalosas, são absurdas, porque invariavelmente dependem das verbas publicitárias do Poder Público, que os obrigam a dramáticas concessões que ferem de morte a sua liberdade - e a nossa!

Falo da liberdade num sentido puro, Senador João Capiberibe, quase utópico, mas tenho de falar. Um sentido de liberdade ideal que, mesmo difícil de ser alcançada, não pode nunca fugir das nossas metas, de nossos planos, de nossos sonhos.

Quem abdica de lutar pela verdadeira liberdade, pode-se dizer que igualmente abdica de lutar pela vida no seu sentido mais belo e mais sublime.

O problema central do Brasil é que mesmo a liberdade mais elementar, mais fundamental, está sendo literalmente agredida no nosso cotidiano, no nosso dia-a-dia.

Vejam bem: esse punhal nas costas da liberdade começa na própria formatação do atual sistema político, uma autêntica fábrica de deformações.

Esse sistema político se molda a partir do nefasto clientelismo, fonte inesgotável de controle da atividade parlamentar, um verdadeiro câncer na democracia. A soma incalculável de recursos sob o controle do Presidente da República lhe dá um poder imperial, que destroça a essência do equilíbrio entre os poderes e nos remete, sim, a um contexto de barbárie, porque é inconcebível imaginar a civilização dentro da camisa-de-força da dependência, da mendicância.

Tal sistema produz humilhação. Na verdade, essa estrutura faz de nossos prefeitos, parlamentares e governantes verdadeiros dependentes.

Quando se estabelece a resistência, mediante a derrota do Governo em votações no Congresso Nacional, a Bolsa reage, o mercado se agita, o País mergulha na crise, com conseqüências danosas para o desenvolvimento nacional. De tal forma que está passando da hora de se colocar um ponto final em mecanismos do tipo das emendas parlamentares, que não solucionam os problemas das bases.

Agora, não há ultraje maior à liberdade dos brasileiros do que a terrível estrutura em que se consolidou a economia, um inaceitável sistema de castas que impede a mobilidade social ampla, que faz os ricos cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres, para repetir a sentença sociológica mais apropriada a esse contexto.

Quando a economia se reproduz de maneira injusta, não se pode esperar nada além da opressão, ou seja, da imobilidade representada pela miséria das multidões em contraste com a opulência das elites.

Dessa forma, não pode ser livre uma Nação com mais de trinta milhões de famintos, com a Previdência que sustenta seus aposentados e pensionistas quebrada, com a absoluta falta de oportunidades para os jovens, que chegam ao mercado de trabalho com um salário-mínimo que não cobre 20% das necessidades de um cidadão digno, com a sobrecarga imposta à mulher que, em face da dupla ou tripla jornada de trabalho, hoje trabalha até 62% mais do que o homem, conforme atesta pesquisa da socióloga Neuma Aguiar divulgada ontem.

Por fim, Sr. Presidente, precisaríamos aqui de um dia inteiro para relatar os constantes e graves delitos que são praticados em nosso País contra a liberdade, contra os direitos humanos, contra a vida enfim. Agressões essas que exibem práticas terríveis, como o preconceito em relação aos pobres, aos nossos irmãos afrodescendentes, às prostitutas e aos homossexuais, preconceitos de todas as formas.

Que sejamos, Srªs e Srs. Senadores, capazes de refletir sobre esse Brasil real, que encerra tantas cadeias e prisões.

Parece-me que, depois da eleição do operário Luiz Inácio Lula da Silva, que veio confirmar a maturidade de nosso regime democrático, deveríamos iniciar o debate sobre o conteúdo das verdadeiras transformações a que a Nação precisaria se submeter. Depois de tantos acontecimentos e de tantos descaminhos, acho que este é o momento apropriado para um mergulho profundo na alma nacional, para que possamos descortinar, quem sabe, um novo país, um novo Brasil.

Podemos alcançar conquistas econômicas e políticas, mas estas, certamente, só se manifestarão grandiosas, se estiverem conjugadas com padrões avançados de cidadania e de dignidade.

O sonho de ir e vir sem medo, o sonho da política sem clientelismo, da justiça econômica e social e do respeito aos direitos da pessoa humana precisa renascer com força e com intensidade. Afinal, esse sonho se chama vida plena, esse sonho se chama liberdade!

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.

Obrigada.

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/10/2005 - Página 35334