Discurso durante a 184ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Manifestação favorável ao voto "Sim", no referendo sobre o desarmamento, no próximo domingo.

Autor
Ana Júlia Carepa (PT - Partido dos Trabalhadores/PA)
Nome completo: Ana Júlia de Vasconcelos Carepa
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA.:
  • Manifestação favorável ao voto "Sim", no referendo sobre o desarmamento, no próximo domingo.
Aparteantes
Arthur Virgílio.
Publicação
Publicação no DSF de 21/10/2005 - Página 35699
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • ELOGIO, DEMOCRACIA, BRASIL, REALIZAÇÃO, REFERENDO, PROIBIÇÃO, COMERCIALIZAÇÃO, ARMA DE FOGO.
  • DECLARAÇÃO DE VOTO, APOIO, DESARMAMENTO, REGISTRO, DADOS, VIOLENCIA, ESTATISTICA, HOMICIDIO, ACIDENTES, CRITICA, CAMPANHA, MANIPULAÇÃO, OPINIÃO PUBLICA, ALEGAÇÕES, DIREITO DE DEFESA.

A SRª ANA JÚLIA CAREPA (Bloco/PT - PA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Muito obrigada, Sr. Presidente.

Eu gostaria de me dirigir a todas as Srªs e Srs. Senadores, mas também a todos aqui presentes, à Imprensa e, principalmente, a toda a população brasileira, que no próximo domingo, 23 de outubro, deverá ir às urnas para se manifestar, em um referendo popular, instituto criado pela nossa Constituição de 1988, a favor ou contra a proibição da comercialização de armas de fogo no País. Os cidadãos responderão à seguinte pergunta: “O comércio de armas de fogo e munição deve ser proibido no Brasil?” Caso o “Sim” seja a resposta da maioria da população, a venda de armas de fogo será proibida, tornando-se crime passível de prisão.

A consulta popular está prevista no Estatuto do Desarmamento e foi aprovada pelo Congresso Nacional no dia 6 de julho deste ano. A lei já proíbe a comercialização de armas e munições no País. No entanto, para que essa decisão passe a valer, a população precisa referendá-la, dizendo se concorda ou não com ela. É a primeira vez que se faz um referendo sobre esse tema no mundo. O voto é obrigatório para cidadãos e cidadãs brasileiras maiores de 18 anos e menores de 70 anos.

É preciso, primeiro, desmistificar a questão de que isso não seria necessário fazer. Fico impressionada! Talvez alguns, com saudade da época da ditadura, acreditam que o povo se manifestar por meio de referendo seja algo negativo. Parabenizo o País por estarmos consultando a sociedade sobre um tema como esse, que é fundamental.

O Sr. Arthur Virgílio (PSDB - AM) - V. Exª me permite um aparte, Senadora Ana Júlia Carepa?

A SRª ANA JÚLIA CAREPA (Bloco/PT - PA) - Já concedo o aparte a V. Exª, Senador Arthur Virgílio, com muito prazer.

É preciso que entendamos a importância deste momento em que estamos sendo chamados para uma votação a respeito de um tema considerado um dos mais relevantes pela população: a segurança pública. A violência no Brasil está aumentando a cada dia e atingindo níveis inaceitáveis. As mortes acontecem cada vez mais indiscriminadamente. Em 2004, segundo o SUS - Sistema Único de Saúde, 70% dos homicídios foram cometidos com armas de fogo. Por ano, cerca de 50 mil pessoas são vítimas fatais dessas armas e mais de 100 mil são gravemente feridas. A maior parte desses mortos, lamentavelmente, são jovens na faixa etária entre 17 e 24 anos. É a nossa juventude, principalmente, que está sendo morta com as armas de fogo. Cerca de 60% dos conflitos é resultado de brigas entre pessoas que se conhecem, em relação de vizinhança ou mesmo em família.

Estamos em um momento decisivo para o referendo: a indústria de armas e os setores pró-armamento fazem uma forte pressão a favor do “Não”, apelando para a sensação de insegurança dos cidadãos e para um “direito de defesa” que fere o direito de todos viverem em um mundo pacífico, civilizado, em que os indivíduos não se arrogam o direito de ter na arma um objeto da violência.

Fico impressionada com o fato de que as pessoas tentam passar a idéia de que este é um direito individual, como o direito da escolha da religião, como o direito pela opção sexual, como se estivesse no mesmo nível o direito de possuir uma arma. Nós sabemos: armas não causam vidas; armas causam mortes e acidentes, e muitos deles causam seqüelas eternas para as pessoas. Mas os defensores do “Não”, infelizmente, fazem esse tipo de manipulação.

São eloqüentes, entretanto, os dados pró-desarmamento. Estudo realizado pelo Núcleo de Estudos da Violência da USP - Universidade de São Paulo, em parceria com a Organização Mundial da Saúde, revela, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que o homicídio ocupa o primeiro lugar entre as causas de morte precoce no Brasil. Dados fornecidos novamente pelo Sistema Único de Saúde mostram que as mortes por homicídio passaram de cerca de 14 mil, em 1980, para mais de 50 mil, em 2003. O mesmo estudo destaca a contribuição das armas de fogo para o aumento dos índices de violência.

Diversos outros estudos e estatísticas reforçam o argumento da Campanha do Desarmamento de que a posse de armas por civis é perigosa. O estudo “Brasil: as Armas e as Vítimas”, feito pelo Instituto de Estudos da Religião, com o apoio de uma entidade que o Brasil todo conhece, a Viva Rio, que tem promovido vários atos em favor da paz, afirma que a arma “não é a causa da violência, mas é o seu vetor mais perigoso”. Somos favoráveis a que se proíba a comercialização de armas. E não serei aqui mais uma manipuladora de informações, como tem sido a campanha do “Não”, e dizer que vai acabar com a violência. Nem é essa a proposta. Não vai acabar com a violência, mas diminuirá, com certeza, ainda mais, a oferta de armas e, conseqüentemente, o número de mortes violentas.

No Brasil, as mortes provocadas pelas armas de fogo estão em terceiro lugar entre as causas de óbito em geral, depois das doenças do coração e das doenças cérebro-vasculares. Infelizmente, entre os jovens - repito -, as armas de fogo são a primeira causa de mortalidade. As armas estão matando principalmente a nossa juventude.

Outra triste e trágica conclusão das estatísticas é a de que as armas de fogo matam mais em nosso País do que as guerras matam pelo mundo. Na última década, Senador Flávio Arns, as mortes por armas de fogo registradas no Brasil superaram o número de vítimas de 23 conflitos armados no mundo, perdendo apenas para as guerras civis de Angola e da Guatemala. Nesse período, morreram no Brasil 325.551 pessoas, uma média de 32.555 mortes por ano. Esses dados são relativos a um período até 2003.

Levantamento feito pela Unesco, órgão da Organização das Nações Unidas, e publicado no livro Mortes Matadas por Armas de Fogo no Brasil de 1979 a 2003, demonstra que o número de vítimas de armas de fogo cresceu 461,8% em 24 anos - quase 500% em 24 anos. Esse crescimento foi puxado pelos homicídios, que aumentaram 542,7%. Com o lançamento do livro, a Unesco - um órgão da Organização das Nações Unidas - e o Senado Federal pretendem fortalecer o movimento, que foi iniciado com a Campanha do Desarmamento, de forma a contribuir com a promoção de uma cultura de paz no Brasil.

Os números mostram que é importante reduzir o número de armas em circulação no País, assim como a venda de armamentos, para que a violência também seja reduzida. Pesquisa...

O SR. PRESIDENTE (Flávio Arns. Bloco/PT - PR) - Senadora Ana Júlia, quero interrompê-la um minuto, antes de os jovens saírem, para saudar todos os jovens alunos da Escola-Classe nº 12, de Sobradinho, Distrito Federal.

Sejam todos bem-vindos e participem sempre da política também. Sejam bem-vindos.

Obrigado. Desculpe-me a interrupção.

A SRª ANA JÚLIA CAREPA (Bloco/PT - PA) - Obrigada, Senador.

Este meu pronunciamento é uma saudação às crianças, porque elas também são grandes vítimas das armas em nosso País.

Essa pesquisa, realizada em São Paulo, pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, conclui que as pessoas que portam arma de fogo têm 56% mais chances de ser assassinadas em uma situação de roubo se comparadas às vítimas sem armas. Nesses casos, a posse de uma arma aumenta o risco, em vez de diminuí-lo.

Acredita-se também que tirar armas de circulação pode ajudar a desarmar os bandidos. Estudos apontam que um terço das armas do crime foi comprado legalmente e acabou caindo nas mãos erradas. Por isso, como cidadã, voto “sim”.

E agora vou abordar um ponto fundamental, Senador. Segundo o Cfêmea, que é o Centro Feminino de Estudo de Mulheres, as mulheres são as grandes vítimas das armas de fogo.

Mundialmente, 40% a 70% dos homicídios de mulheres são cometidos pelos seus parceiros íntimos; em homicídios e tentativas de homicídios com armas, 53% das vítimas conheciam o seu agressor; 37% tinham uma relação amorosa com o seu agressor. As mulheres são vítimas de seus parceiros. No Brasil, 44,4% das mulheres vítimas de homicídios, em 2002, foram mortas com armas de fogo. Esses são dados do Sistema Único de Saúde. Por isso, como mulher e como mãe, voto “sim”.

Concedo um aparte a V. Exª neste momento, Senador Arthur Virgílio. E peço até ao Presidente, já que não temos tantas pessoas na Casa, num momento tão importante como este, que possa dar-me mais alguns minutos.

Senador Arthur Virgílio, é com muito prazer que ouço o seu aparte.

O SR. PRESIDENTE (Flávio Arns. Bloco/PT - PR) - De qualquer forma, vou conceder o aparte ao Senador Arthur Virgílio, mas dizendo que o tempo já foi prorrogado além do previsto pelas regras internas, pedindo, então, a brevidade necessária.

O Sr. Arthur Virgílio (PSDB - AM) - Agradeço, Sr. Presidente. Serei bastante breve. Em primeiro lugar, Senadora Ana Júlia, não vejo isso sob um ângulo maniqueísta. Vejo que pessoas de bem, decentes, defendem os dois pontos de vista, com a mesma legitimidade. Vejo argumentos sólidos e fortes dos dois lados. O meu lado é o “sim”. Eu sou a favor que se invista, por duas razões, na cultura da paz. Primeiro, já agora, a curto prazo, diria que os cidadãos de bem do País estão se desarmando, e o Estado brasileiro, mais do que nunca, passa a ficar obrigado mesmo a tomar conta deles. Segundo, a cultura da paz. Eu lhe dou um exemplo familiar. O meu pai andava armado, usava arma. Quando ele visitava, na Manaus do tempo dele, uma família amiga e queria mostrar que ele era mesmo amigo daquela família, ele entregava para a esposa do seu amigo a sua arma. Ela guardava em algum lugar e, quando ele saía, ela lhe devolvia a arma. O meu pai era uma pessoa pacífica, mas os tempos eram outros e se fazia política de outro jeito enfim. E ele demonstrava dessa forma a sua lealdade, a sua vontade de ser amigo e a sua amizade de verdade. Eu queria que, para meus filhos, meus futuros netos, meus futuros bisnetos, não passasse perto deles a figura da violência. É uma utopia? Pode ser, mas espero que seja uma utopia realizável e, amanhã, realizada. A utopia de se ter um país onde as discussões, as demandas, as brigas comerciais, todas elas sejam resolvidas pela via da justiça, pela via do diálogo e não pelo recurso à violência. Não queria uma sociedade onde todos se armassem para uns se defenderem dos outros; os bandidos com calibre superior, com a vantagem da surpresa. Eu prefiro dizer ao Estado brasileiro que estamos propondo o desarmamento dos homens de bem, das mulheres de bem. Agora, você, Estado brasileiro, cuide de nós, passe a cuidar. Deixe de gastar nisso, naquilo e naquilo outro e invista pesadamente em salário de policial, em armamento de policial, em fiscalização sobre corrupção policial. Tome conta de nós, porque, do jeito que está, - eu, que sou de uma geração que saiu da luta contra a ditadura, que foi terrível - vejo hoje essa guerra, essa guerrilha urbana nas grandes cidades brasileiras. Tudo isso me remete ao sonho de legar para os meus futuros, para os meus pósteros um mundo de paz, um Brasil de paz. Obrigado.

A SR.ª ANA JÚLIA CAREPA (Bloco/PT - PA) - Obrigada, Senador pela sua posição também favorável ao “sim”. Não acho, obviamente, que toda a campanha pelo voto “não”, mas algumas ponderações feitas, muitas vezes levam a dados manipuladores.

Apelo a V. Exª, Sr. Presidente, e lhe garanto de que, em dois minutos, concluo, porque vou falar das crianças, que também são vítimas das armas de fogo. A cada dia, três crianças de até catorze anos são internadas com lesões por armas de fogo. Duas por motivo acidental e uma devido a agressão. Então, como mãe, eu voto “sim”.

Segundo o Ministério da Saúde, no meu Estado, o Pará, 29% das mortes violentas se dão por acidente de trânsito; a média no País é 27%. Vinte e dois por cento por armas de fogo; a média no Brasil é 27%. No Pará, é menos. Quarenta e oito por cento são por outras causas, mais ou menos como a média brasileira.

Poder-se-ia dizer que, no Pará, as armas de fogo não causam muita violência? Infelizmente, não. Porque o narcotráfico existente em outros Estados brasileiros, sabemos, o Senador Magno Malta sabe muito bem, é responsável por aumentar, em escala desproporcional, essa violência. São Paulo, Rio e a maioria das capitais estão aí para provar essa associação.

No Pará, esse problema não tem a mesma magnitude, graças a Deus. Lá, a violência deriva não do narcotráfico, mas de outras causas e pode ser proporcionalmente ainda maior do que a média nacional, por conta de que é alto o índice considerando esse dado. Então, como Senadora do Estado do Pará, o meu voto é “sim”.

Além disso, a violência no campo também não deixa dúvidas. Alimenta-se o direito de armar. Quem é que está defendendo se armar? São exatamente os latifundiários, a UDR.

Quem é que está defendendo o desarmamento? São sindicatos de trabalhadores rurais, os pequenos agricultores, que estão votando “sim”.

Portanto, contra a violência no campo no Pará e no Brasil, voto “sim”.

Eu gostaria de dar como lido todo o restante do meu pronunciamento.

Como mulher e mãe, voto “sim”. E sabemos que o combate à violência vai muito além do recolhimento de armas e da proibição do comércio de armas, previsto no Estatuto do Desarmamento. Mas a sociedade civil quer mostrar que está buscando os meios práticos de combater a violência, por meio do diálogo, da consciência, da paz, como inclusive já citou o Senador Arthur Virgílio, que, como eu, é também defensor do “sim”.

            Temos que exigir de quem é obrigado a manter a segurança que mantenha a segurança. Não vamos achar que são as famílias, porque é um grande engano dizer que o pai ou a mãe de família que tem uma arma em casa vai defender sua família, porque os números mostram que é o contrário, que isso tem levado a mais mortes.

Portanto, em nome da família, pelo direito à vida, pelo direito à vida das mulheres e das crianças, peço o voto “sim”.

 

*********************************************************************************

SEGUE, NA ÍNTEGRA, DISCURSO DA SENADORA ANA JÚLIA CAREPA.

**********************************************************************************


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/10/2005 - Página 35699