Discurso durante a 185ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Defesa do voto "sim" no referendo do próximo domingo.

Autor
Sibá Machado (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Sebastião Machado Oliveira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA.:
  • Defesa do voto "sim" no referendo do próximo domingo.
Publicação
Publicação no DSF de 22/10/2005 - Página 35899
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • DECLARAÇÃO DE VOTO, REFERENDO, APOIO, DESARMAMENTO, POPULAÇÃO, REGISTRO, DADOS, ESTATISTICA, GRAVIDADE, VIOLENCIA, MORTE, ARMA DE FOGO, BRASIL, RISCOS, ACIDENTES, ROUBO, TRANSFERENCIA, POSSE, DEBATE, SEGURANÇA PUBLICA, CONCLAMAÇÃO, PAZ.

O SR. SIBÁ MACHADO (Bloco/PT - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidente Iris de Araújo, Srªs e Srs. Senadores, vim uma única vez à tribuna da Casa para tratar do referendo que ocorrerá no próximo domingo, quando todos os brasileiros terão a oportunidade de se manifestar a respeito da proibição ou não da venda de armas de fogo no Brasil.

Fiz uma fala mais na linha da comparação entre direitos dos cidadãos, o cidadão rico e o cidadão pobre. Hoje vou me ater um pouco mais a alguns números, algumas estatísticas a respeito das armas.

Em primeiro lugar, quero ressaltar que o meu voto será “sim”. Defendo o voto “sim” no referendo e vou apresentar mais algumas razões nessa direção:

1) O Brasil é o País do mundo com o maior número de pessoas mortas por arma de fogo. Em 2003, foram 108 mortes por dia, quase 40 mil mortes por ano. Arma de fogo é a primeira causa de morte de homens jovens no Brasil! Mata mais que acidente de trânsito, Aids ou qualquer outra doença ou causa externa.

2) Existem armas demais neste País. Estima-se que o número total de armas em circulação no Brasil seja de 17,5 milhões. Apenas 10% dessas armas pertencem ao Estado (Forças Armadas e polícias). O resto, ou seja, 90% estão em mãos de civis. Penso que está na hora de o Brasil se desarmar!

3) As armas foram feitas para matar. Quando se olha para um pão, sabe-se que ele serve para alimentar; uma roupa serve para vestir; um calçado serve para calçar; e existem instrumentos que, embora sejam utensílio de trabalho, podem ser utilizados também para matar. Cito o exemplo do campo: um machado, uma foice, um terçado ou outro instrumento de trabalho no campo pode ser utilizado como arma; mas, quando se trata de arma de fogo, não há dúvida, ela é para matar.

No Brasil, 63,9% dos homicídios são cometidos por arma de fogo, enquanto 19,8% são causados por arma branca, no caso um utensílio doméstico, como uma faca de cozinha. Por quê? Porque armas de fogo matam com eficácia e sem o menor ou nenhum risco para o agressor. Diante de uma faca, a pessoa pode correr, gritar, pedir socorro e até mesmo revidar, pegar uma pedra, um tijolo, um pedaço de madeira e, quem sabe, se livrar da agressão de faca. Mas, com uma arma de fogo, é muito mais complicado. As reações são danosas. Quando se reage a um assalto, geralmente acaba-se consumando uma agressão mais definitiva.

Vejam os dados. A chance de morrer em uma agressão com arma de fogo é muito maior: de cada quatro feridos, nos casos de agressão com arma de fogo, três morrem. As tentativas de suicídio com arma de fogo também são mais eficazes: 85% dos casos acabam em morte.

4) Ter armas em casa aumenta o risco, não a proteção. Usar armas em legítima defesa só dá certo nos filmes, no cinema. Segundo o FBI, instituição policial dos Estados Unidos, “para cada sucesso no uso defensivo de arma de fogo em homicídio justificável, houve 185 mortes com arma de fogo em homicídios, suicídios ou acidentes”. É um dado absurdo: um para 185.

Os pais guardam armas para defender suas famílias, mas os próprios filhos acabam por encontrá-las, provocando-se, assim, trágicos acidentes. No Brasil, duas crianças entre 0 e 14 anos são feridas por tiros acidentais todos os dias.

5) A presença de uma arma pode transformar qualquer cidadão em criminoso. Armas de fogo transformam desavenças banais em tragédias irreversíveis. Em São Paulo, segundo a Divisão de Homicídios da Polícia Civil, o primeiro motivo para homicídios é vingança entre pessoas que se conhecem e que não possuem nenhum vínculo com o tráfico de drogas ou com outras atividades criminosas. Para se ter uma idéia, em São Paulo, as vítimas de latrocínio - matar para roubar - correspondem a menos de 5% das vítimas de homicídio.

6) Quando existe uma arma dentro de casa, a mulher corre muito mais risco de levar um tiro do que o ladrão. Nas capitais brasileiras, 44% dos homicídios de mulheres são cometidos com armas de fogo. Dois terços dos casos de violência contra a mulher têm como autor o próprio marido ou companheiro. De acordo com os dados do FBI, relativos a 1998, para cada vez que uma mulher usou uma arma em legítima defesa, 101 vezes essa arma foi usada contra ela.

7) Em caso de assalto à mão armada, quem reage com arma de fogo corre mais risco de morrer. É um mito considerar que, com uma arma, o cidadão está mais protegido. Na maioria dos assaltos, mesmo pessoas treinadas não têm tempo de reagir e sacar a sua arma. Quando o cidadão reage, corre mais riscos de se ferir ou ser morto. Uma pesquisa realizada no Estado do Rio de Janeiro mostra que: “a chance de se morrer numa reação armada a roubo é 180 vezes maior do que morrer quando não há reação.”. A chance de ficar ferido é 57 vezes maior do que quando não há reação.

8) Controlar as armas legais ajuda na luta contra o crime. O mercado legal abastece o ilegal. Para se ter uma idéia, 80% das armas apreendidas pela Polícia do Estado do Rio de Janeiro (de 1993 a 2003) são armas curtas e 76% são armas fabricadas no Brasil; 30% delas tinham registro legal. As armas que mais matam no Brasil são armas fabricadas em nosso próprio País, principalmente os revólveres calibre 38.

9) As armas compradas legalmente correm o risco de cair em mãos erradas, seja por roubo, perda ou mesmo revenda. Só no Estado de São Paulo, segundo a Secretaria de Segurança Pública, entre 1993 e 2000, foram roubadas, furtadas ou perdidas 100.146 armas (14.306 por ano). Ou seja, bandidos não compram armas em lojas, mas são as armas compradas em lojas que vão parar nas mãos dos criminosos.

10) O Estatuto do Desarmamento é uma lei que desarma o bandido.”

A maioria dos artigos do Estatuto do Desarmamento (Lei nº 10.826, de 22/12/2003) dá meios à polícia para aprimorar o combate ao tráfico ilícito de armas e para desarmar os bandidos. Ele estabelece a integração entre a base de dados da Polícia Federal, sobre armas apreendidas, e a do Exército, sobre produção e exportação de armas. Agora, as armas encontradas nas mãos de bandidos podem ser rastreadas e as rotas do tráfico desmontadas. Pela nova lei, todas as novas armas serão marcadas na fábrica, o que ajudará a elucidar crimes e investigar as fontes de contrabando. Para evitar e reprimir desvios dos arsenais das forças de segurança pública, todas as munições vendidas para elas também vão ser marcadas. A implementação do Estatuto em sua totalidade é um dos principais instrumentos de que dispõe, hoje, a sociedade brasileira para desarmar os bandidos.

11) Controlar as armas salva vidas. As leis de controle de armas ajudam a diminuir os riscos para todos. Na Austrália, cinco anos depois de uma lei que praticamente proibiu a venda de armas de fogo, a taxa de homicídios por arma de fogo caiu 50%. Entre as mulheres, a diminuição foi de 57%. Um estudo da Unesco, publicado em 2005, mostra que Austrália, Inglaterra e Japão, onde as armas são proibidas, estão entre os países do mundo onde menos - frise-se - se mata com arma de fogo, enquanto os Estados Unidos, um dos países mais liberais com as armas, aparecem em 8º lugar, entre os mais violentos do mundo. No Brasil, comparando-se os sete primeiros meses de 2004 com os sete primeiros meses de vigência da Campanha do Desarmamento - agosto de 2004 a fevereiro de 2005 -, um estudo do Ministério da Saúde mostrou que o índice de redução de internações por lesões com arma de fogo no Rio de Janeiro foi de 10,5% e, em São Paulo, de 7%.

12) Desarmamento é o primeiro passo. A proibição do comércio de armas de fogo e munição, isoladamente, não é capaz de solucionar o problema da criminalidade, mas é um passo fundamental em direção a uma sociedade mais segura. Devemos continuar trabalhando por pactos internacionais pelo desarmamento, por melhorias no sistema de justiça e nas polícias, e, claro, pela redução da desigualdade social em nosso País. Para isso, é preciso dar o primeiro passo: no dia 23 de outubro, vai acontecer o primeiro referendo da história do Brasil. É a nossa oportunidade de mostrar em que tipo de sociedade queremos viver. A vitória do “Sim” pode ser o início de uma nova história, o começo da “virada de página” na questão (in)segurança no Brasil!

Srª Presidente, em comentários passados, lembrei que Israel, Palestina, Iraque, Irã, Afeganistão e Paquistão são países que vivem instabilidades devido à disputa por território. Nesses casos em que há estado de guerra, pode-se pensar que o armamento da população compensa. Por isso, é comum ver-se, na televisão, crianças portando fuzis e armas de alta potência. No Brasil, porém, não há problema de fronteira, não existe guerra civil ou estado que se possa dizer que seja problema de segurança pública.

A lei é para todos. Assim, todos poderão, em condições que a lei permitir, adquirir uma arma de fogo - vamos pensar dessa forma. Agora, vamos para o poder aquisitivo: quem pode comprar uma 765 ou um 38 numa loja? Quem pode comprar uma caixa de bala, se há pessoas querendo comprar pão e lei para levar para casa? Então, haverá segurança para quem pode tê-la e insegurança para os que não podem. Nesse caso, digo, sem temer, que votar “não” é discriminar, mais uma vez, ricos e pobres no Brasil. Não posso aceitar isso, absolutamente! Isso é inaceitável.

Portanto, por tudo o que já foi dito, se arma resolvesse o problema, vamos distribuí-la para todos - todos -, no Brasil. Pessoas com 16 anos de idade terão o direito de possuir uma arma de fogo. Vamos armar todos - 170 milhões de pessoas. O Estado brasileiro comprará as armas e as porá nas mãos das pessoas.

Eu disse e vou repetir: além de o Estado brasileiro dar uma arma para cada pessoa acima de 16, deverá dar, também, escola para que se aprenda a atirar, porque alguém que tem arma e não sabe usá-la pode acabar atirando em si próprio. Serão colocadas escolas de tiro ao alvo em cada esquina, de cada cidade, e também serão criadas escolas de defesa pessoal ou coisa parecida.

Portanto, Srª Presidente, esse debate é muito complicado. Muito complicado. Infelizmente, acredito que não precisaríamos fazer um referendo dessa natureza. Isso é um absurdo, porque, se é para se reclamar da questão da segurança no Brasil, do poder das polícias, do comportamento dos policiais e das autoridades, da promiscuidade na relação com o crime ou coisa parecida, bastaria pegarmos os cabeças disso tudo e trancafiá-los em cadeias, isolados e sem comunicação. Dessa forma, seriam quebrados os seus elos e logo teríamos resultados importantes.

Algumas pessoas pensam que votando no “sim” estarão colaborando com o “não”. Esse é um negócio complicado e a explicação não ficou à altura do discernimento das pessoas que não estão acompanhando as propagandas.

Não me lembro do enunciado da pergunta que deveremos responder, Srª Presidente - se V. Exª puder me ajudar, ficarei muito feliz -, mas as pessoas que votarem “não” estarão sendo favoráveis às armas e as que optarem pelo “sim” estarão votando contra o uso de armas de fogo no Brasil.

Em nome da paz do nosso País, eu faço um apelo a todas as pessoas: vamos votar “sim”, que é o nº 2, no próximo domingo.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/10/2005 - Página 35899