Discurso durante a 199ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Conseqüências da greve de professores das universidades públicas.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
MOVIMENTO TRABALHISTA. EDUCAÇÃO.:
  • Conseqüências da greve de professores das universidades públicas.
Publicação
Publicação no DSF de 11/11/2005 - Página 39137
Assunto
Outros > MOVIMENTO TRABALHISTA. EDUCAÇÃO.
Indexação
  • PROTESTO, OMISSÃO, GOVERNO FEDERAL, GREVE, PROFESSOR UNIVERSITARIO, PAIS, PREJUIZO, ESTUDANTE, APREENSÃO, POSSIBILIDADE, MANIFESTAÇÃO COLETIVA, JUVENTUDE, COMPARAÇÃO, SITUAÇÃO, GOVERNO ESTRANGEIRO, PAIS ESTRANGEIRO, FRANÇA, AUSENCIA, ATENDIMENTO, REIVINDICAÇÃO, IMIGRANTE, RESULTADO, MOBILIZAÇÃO, INCENDIO, AUTOMOVEL.
  • CRITICA, POSSIBILIDADE, DESVIO, RECURSOS FINANCEIROS, PROGRAMA DE INVESTIMENTO, ENSINO FUNDAMENTAL, ATENDIMENTO, BUROCRACIA, MINISTERIO DA EDUCAÇÃO (MEC).
  • REGISTRO, DADOS, DEMONSTRAÇÃO, SUPERIORIDADE, PERCENTAGEM, ANALFABETO, ADULTO, BRASIL, ELOGIO, MODELO, PAIS ESTRANGEIRO, VENEZUELA, EXTINÇÃO, ANALFABETISMO.
  • NECESSIDADE, INVESTIMENTO, QUALIDADE, EDUCAÇÃO, CRESCIMENTO, PAIS.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nos últimos dias, apenas dois assuntos praticamente têm tomado conta dos debates: a aftosa - e a omissão do Governo no caso da aftosa - e esse mar de escândalos que toma conta do País.

Venho falar talvez de outro tipo de aftosa e de custo da omissão, Senador César Borges. Venho falar da greve dos professores das universidades. A gente se assusta com a aftosa pelo prejuízo de milhões de dólares nas exportações, e a gente fica absolutamente alheio a um problema, não vou dizer mais sério ou menos sério, mas grave de termos hoje mais de quinhentos mil jovens sem aulas neste País, de termos setenta mil professores em greve neste País. A greve de professor não recupera, depois que ela passa, o prejuízo desses jovens. Por mais aulas que se dê depois que eles voltam, não é a mesma coisa que a continuidade. Alguns desistem de estudar, perdem o ânimo; outros não perdem o ânimo nem desistem, mas jogam fora parte do tempo criativo na total ausência de atividades.

O que eu quero aproveitar para lembrar, Senadora Heloísa Helena, é que o Presidente Lula, que viaja tanto, não tem prestado atenção ao que acontece lá fora. A França está pegando fogo. Isso começou, Senador César Borges, com um pequeno incêndio de dois ou três carros em um subúrbio de uma das cidades, incêndio provocado por jovens descontentes, incomodados e ociosos pelo desemprego. Nós estamos brincando com algo absolutamente imprevisível. Imaginem que um pequeno grupo desses quinhentos mil jovens brasileiros universitários se desespere - eles têm razão para se desesperarem, pois vão sacrificar suas férias depois e alguns não vão fazer concurso porque não vão se formar. Imaginem que, por desespero, um pequeno grupo de quatro, cinco ou seis dos quinhentos mil tome medidas radicais, perca o controle deles próprios e façam aqui o que fizeram aqueles jovens franceses. A partir daí, é perfeitamente previsível o que aconteceria. Se um deles fizer isso em qualquer cidade do Brasil, não tenho dúvidas de que outros farão em outras cidades. E quando outros universitários fizerem, atrás deles virão jovens que não são universitários, virão os outros descontentes, virão os outros desesperançados. E ninguém vai conseguir segurar, a não ser com mortes, com violência, nas mãos do Presidente Lula.

Não entendo não é a insensibilidade de não dar resposta a esse problema; o que eu não entendo é a falta de perceber o risco que estamos vivendo. Porque se isso acontecer, o problema não vai ser só do Governo, o problema vai ser do País inteiro.

Hoje na França os líderes políticos não sabem de que lado ficar nessa guerra. E aqui? Se esses jovens universitários começarem, Senador Leonel Pavan, uma rebelião desse tipo, pelo descontentamento, pela raiva, se eles começarem, de que lado vamos ficar? Como é que vamos recuperar a ordem? Para isso a gente tem que alertar o Governo. Se não é alertar por influir, porque parece que esta Casa não influi em nada, que pelo menos seja alertar dizendo ao Presidente que ele está brincando com fogo.

A omissão do Governo francês diante dos jovens imigrantes, filhos de imigrantes, netos de imigrantes; essa omissão de fechar os olhos, de não perceber que lá dentro uma raiva se desenvolvia, essa omissão lá pode ter sido a primeira, mas aqui não é mais a primeira. Aqui aconteceu na Bolívia, na Argentina, no Peru. Eu mesmo aqui falei sobre o aviso das ruas que vinha de outros países latino-americanos. Agora, vem de outros países europeus, e não é mais só a França. Estamos sendo não apenas insensíveis, mas estamos sendo imprevidentes. E essa imprevidência não vem apenas no que se refere à universidade, não vem apenas no risco de perder o contato com a raiva dessa juventude. Ela vem também com o sistemático desprezo à educação.

A Senadora Heloísa Helena fez, há pouco, um discurso sobre gastos dos recursos sociais. Há algo mais, Senadora. Está aqui em discussão no Congresso uma suplementação de verbas. Tira-se de um lugar para outro. Senadora, estão tirando 22 milhões do ensino fundamental. Para dar o número exato a V. Exª, estão tirando, na verdade, R$40.403.420,00 do ensino fundamental. Não é para outros Ministérios. Está bem, é para o próprio Ministério da Educação, mas tirar do ensino fundamental? Nada justifica isso. Se as universidades estão com dificuldades, precisando de mais dinheiro, que se encontrem recursos para elas fora do ensino fundamental. Até me pergunto como ficam as universidades que recebem dinheiro saindo do ensino fundamental? Estão tirando dois milhões do chamado Programa de Dinheiro Direto na Escola, que faz com que a escola funcione, compre giz, etc. Estão tirando do transporte escolar R$12 milhões, e sabemos que o recurso que está disponível para o transporte escolar é muito menor do que se precisa. Estão tirando R$12 milhões. E R$29.149.089,00 estão tirando de livros didáticos. O que significa, a longo prazo, tirar R$29 milhões de livros didáticos para o ensino fundamental? Estão tirando R$4.100.000,00 do Fundescola, que é aquele que permite recuperar as edificações. Estão tirando R$9.101.000,00 de um programa chamado Educação para Diversidade e Cidadania. De que adiantam as cotas para negros se, no que se refere à educação básica, para promover a diversidade racial se tira dinheiro?

Senador Mão Santa, não sei se V. Exª, com a mão santa de cirurgião, é capaz de explicar isso. Eu, talvez com a obtusidade e a mania educacional, não consigo explicar isso, salvo duas palavras: insensibilidade e burrice.

Foram gestos como esse que levaram a França a pegar fogo, no que se refere à falta de apoio aos filhos dos imigrantes. Aqui é a falta de apoio aos filhos dos pobres que estão na escola pública.

É por coisas como essa que diversos jornais de hoje dizem que, de todos os analfabetos adultos do mundo, 75% estão em 12 países. Dos 200 países, 12 têm 75% dos analfabetos. Um desses 12 é o Brasil.

Falei aqui que estive, dia 28, na Venezuela, assistindo ao Presidente Chávez, com o aval da Unesco, dizer “a Venezuela é território livre do analfabetismo”. Isso, Senador, é tão verdade que recebi uma mensagem de uma das pessoas contra o Presidente Chávez dizendo que não foi Chávez quem fez, que já havia sido feito antes. Ou seja, que é verdade que não tinha analfabetismo então é verdade. Agora, se outros fizeram antes, por que não divulgaram? Se lá conseguiram por que aqui não conseguem? Não pára aí a burrice. O mesmo jornal de hoje diz, está escrito como manchete: “Brasil pode crescer mais 5% só com melhorias na qualidade da educação”.

O Senador Arthur Virgílio hoje falou que o crescimento não avança no Brasil. Não avança porque o crescimento não avança por passe de mágica. Houve um tempo em que você montava uma fábrica, pegava uma porção de nordestinos como eu, que acabavam de chegar e eram levados, como se diz, “pela manga da camisa” para começar a trabalhar. Hoje, não produz, não gera crescimento com uma mão-de-obra que não seja preparada, treinada e formada. E o treinamento começa pelo ensino fundamental.

Sr. Presidente, Srs. Senadores, quis juntar às coisas aqui quatro fatos que estão acontecendo: uma greve nas universidades com 550 mil jovens irritados, descontentes, ociosos, a ponto de uma revolta; a França, com o exemplo que estamos tendo de lá, do que é que acontece quando se brinca com jovens descontentes; dessa vergonha de sermos um dos 12 países que compõem o 75% do exército de analfabetos adultos, e esse estudo que mostra que investir em educação é o melhor caminho para o crescimento. Quis falar dessas quatro coisas que parecem desconexas, mas se unem. Lamentavelmente, não estão se unindo aqui.

A Senadora Heloísa Helena pediu um aparte e pergunto ao Presidente se há tempo para isso.

O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Senador Cristovam Buarque, tirar dinheiro da educação foi uma lástima e ter que tirar V. Exª é muito pior, uma lástima maior. A sessão já foi prorrogada por mais 30 minutos e, regimentalmente, termina às 16 horas e 30 minutos.

            Vou prorrogar por mais 10 minutos para compartilhar o tempo entre o Senador Leonel Pavan e a Senadora Ana Júlia Carepa que, pacientemente, esperaram.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Lamento que V. Exª não tenha colocado o tempo para me guiar e saber quanto tempo tinha porque não quero tomar o tempo do Senador Leonel Pavan.

            O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Ao tempo que falta, um minuto para encerrar esta sessão, convido V. Exª para discursar amanhã.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Um minuto apenas para dizer que ainda é tempo, ainda é tempo tanto de evitar essa revolta que pode arrebentar em algumas das cidades brasileiras, feita pelos jovens universitários, e ainda é tempo de cuidarmos dos nossos jovens.

Não esqueçamos a nossa responsabilidade de avisar ao Governo, de alertar, talvez de fazer um documento sobre a greve dos professores universitários, mas, sobretudo, de este Congresso não aceitar, Senador José Jorge - mesmo que V. Exª tenha chegado neste momento porque sei que V. Exª é um batalhador nisso -, que com a nossa assinatura e o nosso voto sejam retirados 40 milhões de reais do ensino fundamental nesse projeto de lei de suplementação.

Fica o meu alerta ao Governo, fica o meu alerta ao Senado e minhas desculpas pelo tempo que tomei.

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/11/2005 - Página 39137