Discurso durante a 206ª Sessão Especial, no Senado Federal

Comemoração do centenário de nascimento de Afonso Arinos de Melo Franco.

Autor
Arthur Virgílio (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AM)
Nome completo: Arthur Virgílio do Carmo Ribeiro Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Comemoração do centenário de nascimento de Afonso Arinos de Melo Franco.
Publicação
Publicação no DSF de 24/11/2005 - Página 40698
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, ANIVERSARIO DE NASCIMENTO, AFONSO ARINOS, EX SENADOR, PARTICIPANTE, ASSEMBLEIA LEGISLATIVA, ELOGIO, HISTORIA, ATUAÇÃO, VIDA PUBLICA, COMBATE, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, DEFESA, NEGRO, COMPARAÇÃO, JOAQUIM NABUCO (PE), PERSONAGEM ILUSTRE, IMPERIO, BRASIL.
  • REGISTRO, ATUAÇÃO, EX SENADOR, FUNDAÇÃO, PARTIDO POLITICO, UNIÃO DEMOCRATICA NACIONAL (UDN), PARTIDO DA SOCIAL DEMOCRACIA BRASILEIRA (PSDB), PARTICIPAÇÃO, ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS (ABL), EXERCICIO, CARGO PUBLICO, MINISTRO DE ESTADO, ITAMARATI (MRE), APOIO, MANUTENÇÃO, ESTABILIDADE, GOVERNO, PAIS, PERIODO, JANIO QUADROS, JOÃO GOULART, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, REDEMOCRATIZAÇÃO, CONTRIBUIÇÃO, ELABORAÇÃO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, Embaixador Affonso Arinos, senhoras e senhores, as sessões solenes do Congresso Nacional ou do Senado Federal que homenageiam vultos relevantes - relevantíssimos até - da história brasileira nem sempre fazem fisicamente justiça aos feitos dos homenageados.

Desta vez, não me basearia no preenchimento completo das cadeiras ou das galerias para imaginar ou calcular o êxito desta sessão. Vejo nas figuras, nos negros, até pelas vestimentas, que cultivam e cultuam, com muito orgulho, as nossas - de todos nós - origens afro. Vejo nelas, já aí a resposta e também a consagração da Sessão Solene de homenagem a Afonso Arinos. Não precisaria de muito mais gente, não! Basta isso. A lembrança que popularizou o nome de Afonso Arinos, até hoje, faz parte da consciência popular, faz parte do cotidiano popular. Quando se pratica esse gesto absurdo, extremado, inominável e indigno da discriminação racial, imediatamente, até para quem não conhece nada da vida objetiva de Afonso Arinos, vem o nome de Afonso Arinos. Lei Afonso Arinos no racista, Lei Afonso Arinos nele, Lei Afonso Arinos em quem imagina que cor de pele separa o valor pessoal das pessoas ou o direito dos cidadãos perante a lei, perante a Constituição e perante o sentimento de justiça que deve animar a vida de todos nós.

Por isso, aqui homenageio alguém que começou na UDN - e sou de uma família tradicionalmente trabalhista. Meu pai foi Líder do PTB e Líder do Governo Goulart, portanto, venho de uma família tradicionalmente trabalhista. Homenageio aqui o udenista ilustre, alguém que faleceu exercendo mandato de Senador, ao 85 anos de idade, como Senador do PSDB, Partido que tenho a honra de liderar no Senado Federal.

Homenageio o acadêmico, o homem de letras, o notável constitucionalista, ocupante da cadeira nº 32 da Academia Brasileira de Letras.

Homenageio - e vai dizer muito bem sobre isto o Presidente Renan Calheiros - aquele que, como Ministro do Exterior, rompeu com o maniqueísmo do “sim”, que automatizava o alinhamento aos Estados Unidos, e do “não”, que pregava soluções extremas, que nem cabiam, se examinássemos as perspectivas geopolíticas do País. Rompeu com o maniqueísmo e iniciou algo que perdurou por muito tempo, a chamada política externa independente, que atravessou o período Jânio Quadros, atravessou o período João Goulart e não foi desmontada por grande parte dos Presidentes que, durante o período autoritário, dirigiram este País.

Homenageio o homem coerente, que se colocou a favor da posse de João Goulart e que foi um dos principais articuladores da solução parlamentarista, que consagrou Tancredo Neves como elo entre a democracia e a posse de João Goulart, contestada, absurdamente contestada, pelos três Ministros militares.

Homenageio o democrata de sempre, que assinou o Manifesto dos Mineiros*, exigindo, em 1945, a imediata redemocratização do País, substituindo o regime cansado e - não porque cansado -, sobretudo, ditatorial de Getúlio Vargas pela constitucionalização de um País que não podia mais conviver com tortura, com negação de direitos individuais e com poder autoritário, com poder que emanasse de uma pessoa para poucos outros que pudessem cumprir as suas ordens.

Homenageio o Constituinte ilustre, uma figura que foi um dos cernes da Carta, que cometeu erros e acertos. Hoje, quando criticamos pelo econômico a Carta de 1988, às vezes não levamos em conta que ela correspondia a uma fase pré-queda do Muro de Berlim, correspondia a uma ressaca democrática, à vontade de se resolverem todos os problemas do povo de uma vez só, represados que estavam esses problemas e represadas, sobretudo, essas soluções pelos 21 anos de regime autoritário. Mas, quando se critica ou se defende a Carta de 1988, não se pode esquecer o papel essencial, quase que de guru do Embaixador Afonso Arinos; quase que de guru, mas certamente de referência absoluta.

Não fui Constituinte - eu dirigia a minha cidade de Manaus àquela altura -, não tive a honra de ser Constituinte, mas era palpável, o Brasil percebia a importância e a relevância de Afonso Arinos. Eu diria que, neste Parlamento, nos acostumamos a identificar certas pessoas que são relevantes pelo que dizem. Afonso Arinos era relevantíssimo pelo que ele dizia e era extremamente importante até quando não dizia; era importante no que aconselhava, era importante no seu silêncio. Por que Afonso Arinos silenciou? Por que não falou? Por que alguém que sempre se marcou pela capacidade de expressar suas convicções com coragem, em momentos difíceis da vida brasileira, de repente, em determinado momento, não falou? Ou seja, o silêncio de Afonso Arinos era eloqüente, como eloqüente e incomparável era a sua oratória.

Eu gostaria de lembrar que o Senador Antonio Carlos Magalhães, como Presidente do Congresso, editou alguns discursos notáveis de Deputados e Senadores, de Congressistas. E, se considero outro adversário de meu pai, talvez o mais notável orador que já tenha aparecido em toda a história parlamentar brasileira, Carlos Frederico Werneck de Lacerda*, vejo, atrás de Lacerda - não sei se tão atrás - e muito distante de todos os demais Afonso Arinos. E, atrás de Afonso Arinos, vejo uma plêiade de oradores de escol, do nível mais elevado, a fazerem falta ao Parlamento de hoje. Mas eu diria que Afonso Arinos se destacava desse outro pelotão muito digno com absoluta certeza.

O discurso editado pela iniciativa do Senador Antonio Carlos dizia: “Será mentira o pranto da viúva?”; “Será mentira o sangue do Major Rubens Vaz?”; “Será mentira o mar de lama?” Não estou entrando em detalhes. Considero que o Presidente Getúlio Vargas era um homem de bem, um homem correto. Estou dizendo apenas que o grande orador, naquele momento, talvez tenha decido a sorte do Governo Getúlio Vargas, com um discurso que se sucedeu a outros e com uma ação de rua - o Presidente Sarney aqui se referiu ao caminhão da UDN, que percorria o País e nem sempre era bem recebido.

Isso mostra que a luta política é feita não só de tapetes vermelhos. A luta política, para mim, enobrece aqueles que correm riscos. Não consigo entender quem não gosta de correr riscos. Não consigo entender quem creia , o tempo inteiro,que se deve brigar no conforto das posições equivocadas, das posições dúbias. Entendo que política é correr riscos. A minha vida - falo de uma vida pública modesta - é correr riscos; a minha vida é tomar opções; a minha vida é fazer escolhas; a minha vida é estar de um lado ou de outro com clareza. Tenho horror à idéia da ambigüidade, à idéia de que alguém imagine que parece que estou aqui, mas não estou bem aqui, porque posso estar acolá. Quando sinto isso, corrijo imediatamente. Isso se aprende com Afonso Arinos de Melo Franco, alguém que era o mestre da clareza, era eloqüente e claro até quando não falava e era eloqüente e brilhante, brilhantíssimo, quando falava, quando praticava sua oratória absolutamente excepcional.

Neste momento, estamos, até por afinidade, no jogo democrático, fazendo oposição a um Governo democrático, constitucional, eleito pelo povo de forma consagradora, com 53 milhões de votos, como foi o caso do Governo do Presidente Lula. Estamos a fazer oposição, nós do PSDB, do PFL e do PDT, e quero ressaltar o papel do oposicionista. Para mim é muito simples e claro: perdeu a eleição, fiscaliza quem ganhou; ganhou, parta para governar ao lado de quem ganhou. Não consigo ver com bons olhos a figura do meio. Vejo com bons olhos a figura da clareza. Neste momento, a mim me cumpre ajudar a fazer oposição, como, por oito anos, tive a obrigação de ajudar a governar. Os dois lados têm para mim o mesmo status. Faço com o mesmo prazer, com a mesma devoção, com o mesmo amor.

Ressalto o oposicionista Afonso Arinos, implacável, talentoso, generoso, cordial, capaz do diálogo com seus adversários mais duros, capaz das atitudes mais intransigentes quando se tratava da questão ética e da defesa de suas convicções mais íntimas, capaz de mudar de idéia, de evoluir, até porque em permanente contato com as leituras mais profundas. Afonso Arinos não era um intelectual qualquer, não era um intelectual forjado em sorver das fontes originárias; era uma fonte originária ele próprio. Ele não era alguém que, por ter lido fulano, era considerado um homem culto; ele era um homem culto porque, depois de tanto ler e tanto pesquisar, ele se tornou fonte para que intelectuais brasileiros se tornassem cultos lendo Afonso Arinos de Melo Franco. Essa é uma diferença essencial. Falo, portanto, do oposicionista.

Finalizo, dizendo que, se eu pudesse comparar Afonso Arinos a alguém de outro momento, eu voltaria, Senador Paulo Paim, à solidariedade de Afonso Arinos. À solidariedade não, pois somos todos negros, os que têm a pele alva e os que não têm. Num país que, basicamente, é de negros, como o Brasil, fugir disso significa fugir, de maneira envergonhada, canhestra, medíocre, da nossa própria história.

Portanto, não podemos falar em solidariedade a negros no Brasil, temos que falar, sim, em combate claro a toda e qualquer forma de discriminação racial, que se manifesta pela via do econômico, que se manifesta pela via de um preconceito estúpido, de um elitismo que não cabe.

Volto, então, à questão da nossa ligação com a cultura afro. Comecei falando da Lei Afonso Arinos; estamos na época do Estatuto da Igualdade Racial. Digo que, se pudesse comparar Afonso Arinos a alguém, compararia a alguém próximo dele familiarmente, alguém que, em outras épocas, estadista do Império que foi, cumpriu o mesmo papel na hora da libertação dos escravos, sempre avançado em relação ao seu tempo, grande orador, figura de retidão ímpar, figura de cultura inigualável, figura avançada para o seu tempo e figura que, lembrando de Afonso Arinos, eu reverencio, para, com muita força, comparando-o a Afonso Arinos e comparando Afonso Arinos a ele, aproveito para reverenciar os dois: Joaquim Nabuco e, portanto, novamente, Afonso Arinos de Melo Franco.

Era o que eu tinha a dizer.

Muito obrigado. (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/11/2005 - Página 40698