Discurso durante a 224ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Manifesta descrédito na eficácia das medidas propostas pela Reforma Política visando eliminar a corrupção da administração pública brasileira.

Autor
Íris de Araújo (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/GO)
Nome completo: Íris de Araújo Rezende Machado
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.:
  • Manifesta descrédito na eficácia das medidas propostas pela Reforma Política visando eliminar a corrupção da administração pública brasileira.
Aparteantes
Augusto Botelho, Heloísa Helena.
Publicação
Publicação no DSF de 15/12/2005 - Página 44666
Assunto
Outros > ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.
Indexação
  • COMENTARIO, PESQUISA, INSTITUIÇÃO DE PESQUISA, ANALISE, CONFIANÇA, POPULAÇÃO, IMPRENSA, EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELEGRAFOS (ECT), PARTIDO POLITICO.
  • COMENTARIO, REDUÇÃO, CONFIANÇA, POPULAÇÃO, PARTIDO POLITICO, EFEITO, CRISE, NATUREZA POLITICA, BRASIL.
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, DEMOCRACIA, COMBATE, CORRUPÇÃO, ASSISTENCIA, POPULAÇÃO, BAIXA RENDA, MUNDO.
  • CRITICA, EXCESSO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), SUPERIORIDADE, JUROS, BRASIL.

A SRª IRIS DE ARAÚJO (PMDB - GO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Obrigada, Sr. Presidente.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a pesquisa do Instituto Vox Populi divulgada esta semana surpreende em cada uma de suas constatações.

Em primeiro lugar, revela que no auge da crise desencadeada pelas denúncias do mensalão, nunca o País esteve tão ligado aos fatos políticos.

Neste cenário, a credibilidade da imprensa obteve um salto extraordinário, de tal forma que 72% das pessoas que acompanhavam os meios de comunicação responderam que confiavam no noticiário. Em outra consulta, com entrevistas feitas ao longo do ano, 46,2% da população disse confiar no trabalho da imprensa, resultado melhor do que no ano passado, quando o índice ficou em 42,4%.

Na análise do resultado do levantamento se constatou que as denúncias se tornaram fatos e isso fez com que crescesse a confiança na imprensa.

Outra surpresa foi a constatação de que a imagem dos Correios não sofreu qualquer abalo com as denúncias de corrupção. Ao contrário, segundo o instituto, o percentual da população que confia nos serviços da estatal cresceu de 89,7%, em 2004, para 90,2% este ano, entre as opções apresentadas aos entrevistados, apenas a família tem melhor avaliação, com 94,2% de opiniões positivas.

Entretanto, Sr. Presidente, há um dado assustador dentre as instituições com pior avaliação, Senador Augusto Botelho. Infelizmente, trata-se da forma como a população avalia os segmentos políticos, ou seja, nós. Os partidos são os campeões absolutos da desconfiança. Em 2004, só 7% confiavam neles. Agora, em 2005, este percentual caiu para 6,7%.

A aceitação dos agentes políticos, que já era baixa, caminha para níveis ainda mais desabonadores em função da carga de denúncias que explode no centro do poder. Esses índices preocupam não apenas pela aversão quase geral aos partidos, que deveriam ser os sustentáculos do processo democrático. A realidade se torna ainda mais dramática na medida em que analisamos a dimensão do descrédito enquanto potencial que ameaça a própria sobrevivência das instituições brasileiras.

Vejam bem, Srªs e Srs. Senadores, que não se pretende repetir aqui a cantilena das lamentações a respeito da queda de confiança nos políticos. Na verdade, essa avaliação negativa por parte da sociedade vem se repetindo no decorrer das décadas sem que seja possível imaginar uma reação capaz de mudar esse cenário depreciativo. Infelizmente, no Brasil, a ganância, a desonestidade, a falta de patriotismo e de caráter de uns poucos acabam por manchar a imagem dos partidos como um todo, mas não se pode jamais perder a esperança em modificar radicalmente as condutas, de tal forma que possam falar mais alto os padrões da ética essencial e imprescindível.

A verdade é que os escândalos nunca deixaram de existir no cenário nacional e não importa se eles foram mais ou menos intensos nos Governos militares ou nas administrações de Fernando Collor de Mello ou de Fernando Henrique Cardoso. A questão central é que a matriz originária destas gritantes irregularidades parece eternizada na máquina estatal, sempre a postos para viciar mais e mais agentes públicos, seja no Executivo, seja no Legislativo, seja no Judiciário.

Pode até ser que uma reforma política a ser exaustivamente debatida nos próximos anos consiga encontrar os melhores mecanismos de correção de práticas incorretas. Mas, na prática, o voto distrital misto, financiamento público de campanhas, limitação do marketing político ou punição rigorosa para o caixa dois tendem a ser paliativos quando novamente resolverem agir os que foram vocacionados na escola da corrupção: eles sempre buscarão encontrar um jeito de burlar as regras estabelecidas para continuar a subtrair do Erário somas magníficas de dinheiro que irão engordar suas polpudas contas nos paraísos fiscais.

Mas o que pessoalmente me deixa angustiada é saber que os bons, os puros e os honestos estão ficando cada vez mais escondidos, ou não obtêm o reconhecimento da opinião pública em face do poder do dinheiro nas eleições. A angústia aumenta quando percebo que a crescente revelação de fatos desabonadores no ambiente político contribui ainda mais para que os justos se afastem da atividade pública para procurar abrigo nas suas próprias individualidades, desiludidos e entregues à desesperança.

Como se não bastasse, afinal, quem pode explicar este incrível silêncio das ruas mesmo diante de tão ruidosos e terríveis acontecimentos?! Será que o movimento popular se cansou de lutar ou será que também se entregou a uma vertente ideológica que o sufoca e o impede de buscar a justiça a qualquer preço, mesmo constatando que os amigos estão no poder - ou que alguns deles estão sendo acusados de atos impróprios?

Não era assim, Srªs e Srs. Senadores!

Quando batizamos as ruas nas maratonas pelas Diretas Já! - e eu, graças a Deus, estava lá -, os ideais e propósitos eram comuns, a bandeira era a mesma, o sentimento era compartilhado, a sede de liberdade nos animava a todos, não importava o partido ou cor ideológica.

Havia naqueles idos uma atmosfera toda feita de ideal. Ninguém estava na política apenas para se projetar, mesmo porque era uma atividade de risco, Senador Paulo Paim, que poderia custar a própria vida.

De tal forma que a vitória da democracia brasileira se traduziu num amplo movimento coletivo e de massas, espontâneo, puro, majestoso em sua nobreza, esplêndido na substância de seus objetivos, todo construído de grandeza de alma, de coração e de espírito.

Quando então, finalmente, depois de duas longas décadas de trevas, de escuridão, de mortes, de perdas e de sangue... Quando então se conquista a democracia pelo poder da luta e pela bravura de um povo, começam a surgir os homens menores, Senador Augusto Botelho.

O Sr. Augusto Botelho (PDT - RR) - Permite V. Exª um aparte?

            A SRª IRIS DE ARAÚJO (PMDB-GO) - Concedo, com maior prazer, um aparte neste momento.

O Sr. Augusto Botelho (PDT - RR) - Senadora Iris de Araújo, gostaria de parabenizá-la porque V. Exª está trazendo aqui o sentimento que ocorre na população brasileira e também um constrangimento que sofremos aqui dentro e nos nossos Estados também, porque não temos o poder da mídia, de televisão. Sempre fomos um médico que vive com os nossos esforços, e estamos vivendo aqui também do salário de Senador, então não estamos tendo capacidade de fazer o auê. Mas V. Exª pode ter certeza que, embora as pessoas estejam caladas, nas próximas eleições haverá uma renovação tremenda, porque o povo não vai mais votar em pessoa corrupta. E a liberdade de imprensa está permitindo que se saiba quem são as pessoas desonestas que estão dentro deste Parlamento e nas câmaras estaduais e municipais. Não perca sua esperança - sei que V. Exª é uma das que lutam pelos direitos dos pequenos e dos pobres -, porque o povo está sabendo quem são eles, apesar de mentirem muitas vezes, apresentarem-se como verdadeiros cordeiros, quando, na realidade, são leões que vão comer os poucos recursos destinados aos pequenos no País. Fico muito feliz de V. Exª estar falando isso, porque eu também tenho sentido isso na pele. Às vezes, recebemos até críticas porque não participamos, não entramos no esquema das coisas, mas tenho um sentimento dentro de mim: quando vim para cá, eu disse que iria me manter fiel aos meus princípios cristãos. A minha moral é feita dentro dos princípios do cristianismo e pretendo continuar assim. Tenho certeza de que Deus fará as coisas como têm de ser feitas, para o bem, principalmente, dos humildes. Muito obrigado, Senadora.

A SRª IRIS DE ARAÚJO (PMDB - GO) - Senador Augusto Botelho, agradeço a V. Exª pelo aparte que brinda meu pronunciamento e integra o espírito que estou querendo demonstrar em meu último discurso, pelo menos neste período. De uma certa forma, minhas palavras não se traduzem em uma despedida, mas em um desabafo da alma, do coração, diante do que assistimos, o trabalho que se faz aqui dentro por alguns políticos realmente compromissados com a causa popular, que, logicamente, muitas vezes têm de enfrentar as dificuldades a que V. Exª acabou de se referir.

Mas, continuando, gostaria de falar sobre esses homens menores, que compram lideranças comunitárias, montam partidos sem representação social, mobilizam para apoiá-los um ou outro veículo de comunicação, popularizam seus nomes por meio das falsidades vendidas pelo marketing político e começam, pouco a pouco, a dominar o cenário político.

Essa tendência cristalizou o casamento dos interesses econômicos com a ação política, de tal forma que não faltaram aqueles que buscaram o respaldo das urnas apenas para proteger negócios ameaçados ou, simplesmente, para expandi-los.

Assim, Sr. Presidente, infelizmente, no Brasil, a política foi se transformando num imenso mercado para uma geração individualista, dissociada dos interesses prementes do povo brasileiro, distante de nossas raízes. E estão aí os indicadores sociais a demonstrar o pouco que avançamos, mesmo exibindo para o mundo uma democracia considerada pulsante e legítima.

Numa sociedade on-line, cada vez mais virtual e tecnológica, com o poder de fogo do sofisticado marketing que a tudo engole ou transforma, qual o papel dos sonhadores?

A sedução do dinheiro parece irresistível e talvez o descrédito maior em relação aos partidos, registrado hoje pelas pesquisas, deva-se justamente ao fato de que alguns dos sonhadores também tenham sido vitimados pela oferta generosa e farta das propinas que os livram das dívidas de campanha, mas também os contaminam e os colocam no mesmo plano dos corruptores: o dinheiro que deveria alimentar as crianças famintas sendo desviado para propósitos insanos; os abrigos de idosos destituídos do agasalho e do pão nosso de cada dia; a navalha na carne que vitima o jovem entregue ao álcool e às drogas, porque lhe falta o esporte, a cultura, a educação.

Seria, sem dúvida, uma revolução imaginar governos que pudessem usar cada tostão arrecadado em obras em amplos empreendimentos ou incentivos a quem quisesse produzir, em vez de atiçar ainda mais um sistema financeiro internacional que se alimenta justamente dos surrados recursos das nações pobres, para manter altos privilégios, Senadora Heloisa Helena, e subsídios igualmente escandalosos a megacorporações, que tentam vender para o mundo a imagem de singelos produtores rurais.

Bastariam os 10% ou 20% dos recursos desviados pela sangria da máquina estatal para saciar a fome dos 45 milhões de brasileiros ainda sitiados na linha da pobreza próxima da absoluta.

Ou, se tivéssemos líderes solidários e que também governassem com o coração, Senador Paulo Paim, capazes de comandar um grande movimento mundial pautado unicamente pela solidariedade, com apenas o equivalente a US$10 de cada família dos países ricos e/ou em desenvolvimento, poderíamos erradicar a fome das nações pobres, a fome da África, onde famílias morrem de inanição à espera de um simples gesto de potências industriais frias e avarentas, com seus milhões acumulados para financiar a guerra.

O Brasil poderia estar desempenhando um papel de relevo na batalha pelas verdadeiras transformações, mas outra vez se atrofia no egoísmo, na falta de propósitos, na ganância e na superficialidade dos que não souberam propiciar as respostas requeridas pela história.

Mas sou apenas uma suplente de senador...

A minha angústia, creio, não será compartilhada pelas multidões, porque não sou conhecida nacionalmente, e a mídia se guia apenas pela ação de seus ícones.

Senadora Heloisa Helena, com o maior prazer, concedo um aparte para que V. Exª possa se manifestar.

A Srª Heloisa Helena (P-SOL - AL) - Senadora Iris, o Senador Augusto Botelho estava me confidenciando que V. Exª disse que estava se despedindo. Não pode!

A SRª IRIS DE ARAÚJO (PMDB - GO) - É verdade, Senadora.

A Srª Heloisa Helena (P-SOL - AL) - Espero que não seja realmente uma despedida, mas, independentemente de qualquer coisa, eu não poderia deixar de, ao fazer-lhe um aparte, prestar uma homenagem, um tributo a V. Exª não apenas pela sua competência, capacidade de trabalho, disciplina em cumprir com as obrigações estabelecidas constitucionalmente para todos nós aqui, mas também pela sua sensibilidade social e profunda delicadeza. Não há hipocrisia. Sabe V. Exª como eu tenho arrepio em relação à hipocrisia, ao falso moralismo e às relações de fachada e de mentira. É exatamente por isso que estou fazendo um aparte a V. Exª. O Senador Augusto Botelho, o Senador Paulo Paim, V. Exª, todos nós, cumprimos as nossas obrigações constitucionais. Sabemos que o Congresso Nacional é o melhor dos mundos para quem não gosta de trabalhar, para quem adora a vigarice política, a delinqüência de luxo, mas, para quem gosta de trabalhar, que o faz não como um ato heróico pessoal, mas porque se sente cumprindo a obrigação constitucional, esta Casa significa tarefas árduas que exigem muito estudo, disciplina, conseqüência no trabalho. Eu não poderia deixar de fazer esta homenagem a V. Exª, porque tivemos oportunidade de trabalharmos nas Comissões Parlamentares de Inquérito, nas Comissões da Casa, estudando matérias importantes que estão tramitando no Congresso Nacional. Eu não poderia deixar de fazer essa homenagem a V. Exª, nossa querida Senadora Iris.

A SRª IRIS DE ARAÚJO (PMDB - GO) - Agradeço a V. Exª, Senadora Heloísa Helena, pelo aparte que me engrandece muito. Engrandece pelo trabalho que V. Exª tem prestado, principalmente pela causa da mulher, que conquista um espaço, avança em setores que consideraríamos apenas masculinos, até há bem pouco tempo.

Eu não estou apenas retribuindo as palavras generosas de V. Exª, mas aqui também está um gesto de uma grande admiradora para dizer a V. Exª que, durante esse período de convivência, aprendi demais com V. Exª e aprendi a admirá-la cada vez mais.

E, lá da planície, certamente continuarei a aplaudi-la, como a todos os nossos companheiros - Senador Paulo Paim, Senador Augusto Botelho, Senador Garibaldi Alves Filho, que também está presente - nessa causa e nessa luta. Eu também não me prestaria ao papel de reproduzir o bate-boca das acusações e das denúncias fáceis para ter as opiniões estampadas nas páginas dos jornais da grande imprensa. Pode ser que amanhã já não esteja neste plenário,mas gostaria imensamente de plantar a semente da flor da esperança no que deve ser o coração da democracia brasileira.

O Parlamento, infelizmente, se transformou num jogo amargo, e o interesse mesquinho pelas próximas eleições a tudo atropela. Esse confronto sem tréguas entre poderosas forças igualmente a tudo prejudica, a começar pelas investigações de tão sérias denúncias. Não se deveria mais permitir a continuidade de artifícios como a farra das medidas provisórias. E mecanismos urgentes deveriam ser implantados para impedir que o sofrido povo brasileiro continue a ser vilipendiado pelo império de taxas de juros absurdas e imorais.

As filas da morte nos hospitais públicos; o salário aviltante do professor, que se sustenta como herói, dadas as precárias condições do ensino brasileiro; a falta de investimentos em saneamento básico, o que permite a proliferação de doenças; a vergonhosa situação das rodovias brasileiras entregues ao domínio dos buracos que empobrecem o produtor; a escalada da violência que não pode ser vencida por policiais com armas obsoletas e seus soldos indignos; a eterna falta de iniciativa para construir moradias populares para a imensidão dos sem-teto; a reforma agrária que não consegue se tornar realidade como única saída para solucionar os conflitos no campo; o constante desrespeito aos direitos fundamentais da pessoa humana, conforme atestam relatórios dos mais importantes organismos internacionais.

Ficaríamos aqui, Sr. Presidente, horas e horas para relatar situações desumanas, realidades indignas, cenários de injustiça. Queira Deus possam, um dia, temas tão fundamentais ser merecedores de uma guinada nacional, ou, se for o caso, que pelo menos motivasse uma, duas ou três CPIs que trouxessem ao grande debate a lamentável condição de vida de milhares de brasileiros deserdados pelas autoridades e esquecidos pela mídia.

Que possamos investigar, Srªs e Srs. Senadores, a dura existência dos nossos irmãos espalhados por este País! Que possamos um dia declarar a eclosão da política nova, a política digna, a política pura, a política pelo Brasil a política pelo nosso povo!.

Era o que eu tinha a dizer.

Muito obrigada e desculpe pela emoção.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/12/2005 - Página 44666