Discurso durante a 42ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre a proposta de reforma constitucional que visa criar o Fundeb - Fundo para o Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização do Magistério no Brasil.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO.:
  • Considerações sobre a proposta de reforma constitucional que visa criar o Fundeb - Fundo para o Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização do Magistério no Brasil.
Publicação
Publicação no DSF de 15/02/2006 - Página 4715
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO.
Indexação
  • CRITICA, LOBBY, URGENCIA, APROVAÇÃO, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, CRIAÇÃO, FUNDO DE DESENVOLVIMENTO, EDUCAÇÃO BASICA, PARALISAÇÃO, MATERIA, EXECUTIVO, PREJUIZO, DEBATE, SENADO, DEFESA, APRESENTAÇÃO, EMENDA.
  • ANALISE, INSUFICIENCIA, PROPOSTA, MELHORIA, EDUCAÇÃO, INFERIORIDADE, RECURSOS, NECESSIDADE, REFORMULAÇÃO, MODELO, GARANTIA, FORMAÇÃO, PROFESSOR, VALORIZAÇÃO, SALARIO, CONDIÇÕES DE TRABALHO, ESCOLA PUBLICA, CURRICULO, PRIORIDADE, QUALIDADE, ENSINO, EXIGENCIA, RESPONSABILIDADE, PREFEITO.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, na sexta-feira passada, deu entrada nesta Casa, vindo da Câmara dos Deputados, o projeto de reforma constitucional que visa criar o Fundeb - Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização do Magistério no Brasil.

A partir de sexta-feira começou uma pressão para que este projeto fosse aprovado no máximo hoje, último dia da convocação extraordinária. Ou seja, este projeto esteve nas gavetas do Palácio do Planalto desde dezembro de 2003, passou seis meses na Câmara dos Deputados e, agora, teria que ser aprovado no Senado Federal num período máximo de 30 horas.

Não é possível que atropelemos a educação brasileira dessa maneira. Não é possível que, num prazo de 30 horas, Sr. Presidente, que aprovemos nesta Casa um projeto sem uma análise mais cuidadosa, sem uma reflexão, sem apresentação de emendas. Se fosse a Lei da Abolição, tudo bem.

A Lei da Abolição foi aprovada no Senado do Brasil no mesmo dia em que chegou; chegou de manhã e foi aprovada à tarde. Mas o triste é que o Fundeb não representa um projeto de abolição da deseducação brasileira; no máximo, é um projeto que proíbe o tráfico dos escravos.

Em 1851, quando o projeto de proibição do tráfico de escravos foi aprovado no Senado, em uma sessão secreta - vale a pena dizer -, muitos abolicionistas queriam votar contra, Sr. Presidente, porque eles achavam que era legitimar a escravidão. E, de fato, durante mais 40 anos este País continuou com o sistema escravocrata.

O Fundeb é um passo, como foi um passo a abolição, a proibição do tráfico. Mas é um passo muito pequeno. E é um passo muito pequeno que o Senado não tem o direito de aprovar fechando os olhos à necessidade de um avanço, por duas razões: a primeira é o fato de os recursos previstos no Fundeb, da parte do Governo Federal, serem recursos insignificantes diante da dimensão do problema brasileiro. Hoje já se gasta um pouco mais de R$ 50 bilhões por ano em educação.

O projeto que veio do Governo Federal previa um pouco mais de R$ 1 bilhão. Na Câmara, aumentou para R$ 1,9 bilhão. Mesmo assim, R$ 1,95 bilhão, diante de R$ 50 bilhões, não é uma quantidade de recursos que permita levar a idéia de que estamos na lei da abolição da deseducação. O mais grave, porém, não é o pequeno aumento dos recursos. Para mim, o grave é que se está vendendo a idéia de que o problema da educação brasileira seria resolvido apenas com recursos, que o Ministério da Educação é um banco, transferindo dinheiro - e dinheiro insignificante, como vimos, na ordem de grandeza que falei aqui, aumentando de R$ 50 bilhões para R$ 51 bilhões.

Mas, independentemente desse aumento, não é o dinheiro que vai mudar a educação brasileira. Por isso, meu primeiro apelo a esta Casa é para que não aprovemos levianamente. Rapidamente sim, Senador Demóstenes, mas não levianamente. Que aprovemos depois que o Senador José Jorge tiver o tempo suficiente para elaborar o seu parecer, levar em conta as emendas que muitos de nós quer apresentar. E isso nós teremos que fazer ao longo dos dias.

O argumento inicial dos que me procuraram pedindo que não apresentasse emendas para aprová-lo rapidamente é de que, se não fosse aprovado durante a convocação extraordinária, hoje, a lei e a reforma não entrariam em vigor este ano. Está superado. Todos já chegaram à conclusão de que não existe essa restrição. Hoje a restrição é outra: se fosse aprovado depois da aprovação do Orçamento, não haveria dinheiro para implantá-lo - o que também não é verdade. Se assim fosse, que adiássemos um pouco mais a aprovação do Orçamento e não precipitássemos a aprovação da lei que representaria um passo na abolição da deseducação brasileira.

Além disso, é tão pouco dinheiro diante do Orçamento da União que nada impediria um remanejamento de recursos do Governo Federal depois da aprovação do Fundeb. Nada impediria que o Governo Federal enviasse a esta Casa uma emenda ao Orçamento, que aprovaríamos rapidamente, destinando o dinheiro necessário para o Fundeb. Ou até mais: colocaríamos esse dinheiro numa rubrica de emergência, para que o Governo Federal pudesse usá-lo quando quisesse, já dizendo com clareza que, afinal de contas, a educação vive uma situação emergencial.

Então, não é fato que a aprovação do Fundeb deva ocorrer antes da do Orçamento. Devemos procurar fazer com que seja o mais rápido possível, tendo o cuidado de aprovar o projeto com os aperfeiçoamentos que, no Senado, podemos fazer.

Diz-se também que a demora entre o projeto que foi entregue na Casa Civil, em 2003, e a vinda do projeto deve-se ao fato de que foi preciso negociar com os Estados e os Municípios, o que é verdade. Mas, ora, esta é a Casa que representa os Estados também. Se essa reforma toca tão diretamente os interesses dos Estados a ponto de se necessitar de um ano e meio de negociações entre o Poder Executivo Federal e os Poderes Executivos Estaduais e Municipais, que discutamos aqui, nós os representantes dos Estados, para saber como aperfeiçoar o projeto.

Creio que precisamos de tempo, o mais rápido possível, mas sem atropelamento. Não se pode atropelar a educação, nem produzir outro atropelamento pior: alguns querem aprovar o projeto hoje, pensando que, assim, estaríamos justificando a convocação extraordinária. O povo é inteligente. O povo vai perceber que, além de a convocação não ter sido necessária, fomos levianos na aprovação de um projeto apenas para dizer que trabalhamos durante a convocação extraordinária.

Tudo isso leva a um apelo a esta Casa: devemos analisar com cuidado o projeto do Fundeb. Devemos analisar esse projeto com a intenção de aprová-lo, e não de rechaçá-lo, da mesma maneira que os abolicionistas aprovaram a lei que proibia o tráfico de escravos - ou seja, sabendo que ela representava um avanço, mas um avanço limitado.

Mais do que isso, Sr. Presidente - não quero tomar muito tempo da Casa, mas já adianto um ponto: quando for aprovado o projeto do Fundeb, será o momento ideal para lançarmos uma campanha a favor da abolição da deseducação no Brasil.

Após a proibição do tráfico de escravos - ainda usando a minha comparação -, precisamos dar o salto necessário para revolucionar a educação. Todos sabemos disso. O Presidente da República tem isso anotado há muito tempo. Ele precisa ter claros alguns pontos, além do dinheiro: primeiro, é preciso criar um Ministério da Educação Básica no Brasil. Se for o caso, o ensino superior pode ficar junto das áreas de ciência e tecnologia ou pode-se acabar com um desses trinta e tantos ministérios, criando-se também o Ministério do Ensino Superior.

Enquanto não tivermos um ministro preocupado, com obsessão pela educação básica - podendo, como hoje está, apresentar resultados no ensino superior, mesmo que a educação básica esteja abandonada -, o Governo Federal não vai assumir a sua responsabilidade na educação básica.

Além disso, ao lado do Ministério da Educação Básica, é preciso haver uma agência de proteção da criança junto à Presidência da República. Já criamos a agência da água, agência para cada um dos setores da economia, mas não há uma agência de proteção das crianças brasileiras junto ao Presidente.

Depois disso, Senador Marco Antonio - Marco Antonio na visão pernambucana e da mesma geração, como V. Exª era conhecido quando éramos jovens -, Senador Marco Maciel, é preciso que se definam para o Brasil inteiro padrões mínimos que sejam cumpridos: padrão mínimo de salário do professor, vinculado à formação e à dedicação do professor, coisa que está faltando no Fundeb também, porque no projeto só há mais recursos, mas não se exige nada. Não há salto na educação apenas com mais dinheiro. É preciso mais dinheiro, mais formação e mais dedicação do professor. Segundo, há que se ter um padrão mínimo de equipamentos e edificações. Não haverá uma boa educação com 30 mil escolas sem banheiro ou luz elétrica, como existem no Brasil. Terceiro, é necessário um padrão mínimo de conteúdo. Não é possível deixarmos que, no Sul, a partir do Paraná para baixo, 80% das crianças estejam alfabetizadas aos oito anos e que, da Bahia para cima, haja 55% analfabetas depois da quarta série primária.

Além desses três padrões mínimos, está na hora de termos uma Lei de Responsabilidade Educacional para o Poder Executivo no Brasil. Fizemos uma Lei Federal de Responsabilidade Fiscal, que, tenho o prazer de dizer, apoiei na época em que o Presidente Fernando Henrique Cardoso a lançou. Está na hora de compatibilizar a Lei de Responsabilidade Fiscal com uma Lei de Responsabilidade Educacional que defina metas a serem cumpridas pelos Prefeitos - metas sérias, não metas utópicas -, que meça o resultado pelo que o Prefeito conseguir fazer.

Hoje, há Prefeitos que se vangloriam de gastar muito em educação, mesmo fazendo pouco, ou Prefeitos que colocam uma escola ao lado de um estádio de futebol para justificar, com o dinheiro da educação, a construção do estádio de futebol.

Uma Lei de Responsabilidade Educacional que medisse não quanto se gastou, mas o que se fez começaria a dar resultados.

Depois disso, são necessários mais recursos federais. Esse R$1,950 bilhão não vai resolver. A idéia de que chegará a R$4 bilhões em quatro anos não justifica. Os jornais de ontem diziam que o BNDES tem R$70 bilhões para aplicar no setor industrial e de infra-estrutura brasileira! Por que temos R$70 bilhões no Banco do Estado para aplicar na economia e não temos R$7 bilhões, que é o que se precisa para aplicar na educação?

Este mês de janeiro, a arrecadação foi de R$100 bilhões! Como é possível ter R$100 bilhões no mês e não ter R$7 bilhões, no ano inteiro, para a educação?

Tudo isso é possível. Acredito apenas, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que precisamos mesmo é de dar um salto adiante. Não é ficar contra o Fundeb; é tentar aperfeiçoá-lo em poucos dias e, no dia da aprovação, lançarmos aqui nesta Casa uma espécie de Movimento “Educacionista” Brasileiro, como o Movimento Abolicionista Brasileiro, para, com ousadia, ir além de apenas dinheiro.

Devemos fazer a verdadeira federalização da educação básica no Brasil - criança, antes de ser do Município, é brasileira -, senão vamos perpetuar a desigualdade: a criança que nasce no Município pobre continuará com a educação insuficiente, ou aquela que nasce num Município rico em que o Prefeito não goste de educação continuará sem uma educação de qualidade.

É preciso igualar a educação no Brasil. É preciso que a criança tenha uma educação equivalente, não importa a cidade, não importa a família, não importa a raça a qual ela pertença. Isso só virá quando o problema da educação básica, como já é o problema das universidades federais, for também federal no Brasil.

Espero que, quando chegar a hora, Presidente, da aprovação do Fundeb, primeiro que ele venha melhorado, o que tenho quase certeza de que o Relator, o Senador José Jorge, vai conseguir fazer; segundo, que aproveitemos o momento para dizer: “Não basta; é preciso ir adiante”; terceiro, que assumamos, talvez nós próprios, a liderança desse Movimento Educacionista Brasileiro.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/02/2006 - Página 4715