Discurso durante a Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Frustração com o conteúdo da mensagem do Presidente da República ao Congresso Nacional, na sessão de instalação dos trabalhos, na tarde de ontem.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO. EDUCAÇÃO.:
  • Frustração com o conteúdo da mensagem do Presidente da República ao Congresso Nacional, na sessão de instalação dos trabalhos, na tarde de ontem.
Aparteantes
Mão Santa, Pedro Simon.
Publicação
Publicação no DSF de 17/02/2006 - Página 5421
Assunto
Outros > PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO. EDUCAÇÃO.
Indexação
  • COMENTARIO, FRUSTRAÇÃO, ORADOR, MENSAGEM (MSG), PRESIDENTE DA REPUBLICA, ENCAMINHAMENTO, CONGRESSO NACIONAL, ACUSAÇÃO, TRATAMENTO, BRASIL, SEMELHANÇA, EMPRESA PRIVADA.
  • DEFESA, CRIAÇÃO, AGENCIA NACIONAL, PROTEÇÃO, CRIANÇA, BRASIL, COMENTARIO, IMPORTANCIA, AUMENTO, RESPONSABILIDADE, GOVERNO FEDERAL, INFANCIA, PAIS.
  • COMPARAÇÃO, ARRECADAÇÃO, JANEIRO, BRASIL, RECURSOS, BANCO NACIONAL DO DESENVOLVIMENTO ECONOMICO E SOCIAL (BNDES), APLICAÇÃO, INFRAESTRUTURA, FINANCIAMENTO, SETOR, EMPRESA PRIVADA, INFERIORIDADE, REPASSE, DESTINAÇÃO, FUNDO NACIONAL, DESENVOLVIMENTO, EDUCAÇÃO BASICA, APRESENTAÇÃO, DADOS.
  • CRITICA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, SEMELHANÇA, GOVERNO, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, OPOSIÇÃO, CANDIDATURA, REELEIÇÃO.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. CRISTOVAM BUARQUE - (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Senadora Heloísa Helena, que preside a sessão, Srªs e Srs. Senadores, eu não vou precisar falar muito tempo, apesar de que hoje seria um dia muito bom para este Senado utilizar para um debate sério sobre coisas que dizem respeito ao futuro do País e não apenas um momento circunstancial.

Um deles - há pouco, V. Exª me chamava a atenção - foi a mensagem, ontem, do Presidente Lula. Eu estive lá, assisti e confesso que fiquei frustrado. Eu imaginava que, sendo a última mensagem, caso ele não seja reeleito, era hora de ele fazer um balanço extremamente demonstrador da diferença do seu governo para os governos anteriores. Lamentavelmente, além de muito chocho, como dizemos lá no Nordeste, foi um documento em que se tentava mostrar ser mais do que os anteriores e não diferente dos anteriores.

Em 2002, nós votamos no Presidente Lula. Eu fiz campanha para ele, com a clareza de que ele tinha uma proposta alternativa e não, como tenta-se hoje mostrar, mais competência do que Fernando Henrique Cardoso - e eu não estou julgando se tem ou não.

O Presidente Lula assumiu a posição de que ele é pré-Lula . Ele não é o pós, o ciclo que nós tivemos da República até aqui. Ele mostrou que, talvez, sim, seja melhor do que os anteriores - isso não vou negar -, mas melhor no gerenciamento das mesmas coisas para as mesmas pessoas. Nós não queríamos apenas o melhor administrador; queríamos alguém que cuidasse do Brasil, e não apenas administrasse o País, como os outros dizem que faziam, e nem sempre com competência. O Presidente Lula assumiu o discurso da administração e abandonou o sonho do cuidar. O Brasil não está precisando apenas de gerente; está precisando de pessoas líderes que conduzam cuidando.

A Nação, ou é tratada como uma família, ou vira apenas uma empresa, Senadora Heloísa Helena. A Nação é uma família; ela não é uma empresa. Numa família, o chefe ou a chefe administra a casa, mas, da família, eles cuidam. Quando se vê um pai de família dizendo que está administrando a mulher, em geral ele não está fazendo boas coisas. Ele não diz que administra a mulher, que administra os filhos. Ele pode até administrar o prédio onde mora, as finanças do seu salário. Mas, da família, ele cuida. Há uma diferença radical entre o Presidente que administra e o Presidente que cuida. O Presidente que administra não muda o rumo. O Presidente que cuida reorienta o rumo. Aquele que administra faz apenas o gerenciamento. O que cuida lidera.

Lamentavelmente, o documento lido ontem, enviado ao Congresso Nacional pelo Presidente da República, foi um relatório de gerente; não foi o relatório de um líder, de um estadista, de um condutor, e de um condutor que mudasse - o que era mais importante ainda e que nós esperávamos em 2002. Em 2006, vamos ter a chance outra vez, Senador Mão Santa, de ter um dirigente que lidere, que cuide, e não apenas administre. Para administrar, colocamos os gerentes que o Governo tem; colocamos até, em algumas áreas, Ministros que gerenciam, mas, em outras áreas, Ministros não gerenciam apenas. Por exemplo, educação e saúde, não basta gerenciar; é preciso mudar, reorientar, conduzir e “cuidar”. Está na hora de termos estadistas que assumam que vão “cuidar” deste País, e, para isso, temos que completar o que não foi completado ao longo destes anos todos. O Brasil fez muito mais do que muitos Países do mundo, mas fez muito menos do que muitos Países do mundo. Fizemos muito mais do que muitos Países do mundo no que se refere, por exemplo, a transformar um pobre País rural em uma potência econômica; poucos Países deram o salto que demos. Fizemos muito mais nessa infra-estrutura fenomenal que o Brasil conseguiu montar; poucos Países fizeram isso. Agora, fizemos muito menos no cuidar das crianças brasileiras, e aí ameaçamos o futuro do Brasil. Fizemos muito menos em cuidar das crianças recém-nascidas, e, nesta Casa, tentou-se impedir, Senadora Heloísa Helena, que fosse aprovado o seu projeto da creche como uma garantia da Constituição, que é um gesto de cuidar, não de administrar. Depois, para cuidar, tem-se até que também administrar.

Mas nós não demos os passos, Senador, naquilo que mudaria o Brasil no social. Fizemos muito mais do que muitos Países na economia, na infra-estrutura, mas muito menos do que outros Países no social. E não venham dizer que é por falta de dinheiro. O Fundeb, esse Fundo que está sendo apresentado como a salvação da educação brasileira, vai aportar uma ninharia de recursos diante do que já se gasta hoje e uma ninharia ainda menor diante do que é necessário. Sem falar que não basta dinheiro. Educação é um exemplo. É preciso cuidar, não apenas colocar mais dinheiro. Já fico assustado quando vejo o MEC transformado num banco, Fundo. O MEC tem que ser transformado naquela entidade que cuidará das crianças.

Por isso, tenho apresentado propostas aqui. Uma delas é a criação de uma agência de proteção para criança junto à Presidência da República. Por quê?

Existe agência para cuidar da água; agência para cuidar da energia; agência para cuidar das comunicações. Mas não há nenhuma agência para cuidar das crianças junto ao Presidente.

Pouco tempo atrás, morreram umas crianças de fome no Mato Grosso do Sul. E isso chamou a atenção do Governo Federal.

Sabem por quê?

Porque eram indígenas. Indígenas. A Funai é uma entidade federal. Fossem crianças não indígenas, o Governo Federal nem ao menos teria a preocupação. Porque o único compromisso que o Governo Federal tem com as crianças brasileiras - que não são brasileiras, são municipais - é com a merenda na escola, o livro didático e as gotinhas da poliomielite. Mais nada! O resto está nas costas dos pobres Prefeitos - “prefeitinhos”, como diz o Senador Mão Santa.

Não há como dar um salto na educação enquanto ela não for cuidada. Eu não disse administrada. É mais do que administrada. É cuidada pelo Governo Federal, pela Nação brasileira, pela União. E, isso, nós não vimos na mensagem de ontem do Presidente Lula. E, quando vemos os números das finanças brasileiras, vemos que não seria difícil.

Anteontem, o ex-Ministro do Planejamento, hoje Presidente do BNDES, disse que o BNDES tem hoje R$70 bilhões para aplicar este ano na infra-estrutura e no financiamento do setor empresarial. Setenta! E o Presidente, no Fundeb, coloca R$1,9 bilhões. Como é que se explica que há R$70 bilhões para o setor produtivo - dinheiro do Estado? E não vou dizer que seja para uma aplicação equivocada; não vou entrar nessa discussão. Setenta! E nós precisávamos apenas de R$7 bilhões para dar o salto na educação. Em vez de R$7 bilhões, veio R$1,9 bilhão.

O mesmo jornal que dava a matéria com o Presidente do BNDES dizia que, este mês, a arrecadação chegou a R$100 bilhões - no mês de janeiro. Cem bilhões! Como é que pode um País que tem R$100 bilhões de arrecadação em um mês não ter R$7 bilhões, em um ano, para a educação básica brasileira? Sabe por que não tem? Porque estamos prisioneiros do verbo “administrar”, e não do verbo “cuidar”. Se cuidássemos do Brasil, tenho certeza de que, desses R$70 bilhões, um pouquinho iria para as crianças. Dos R$100 bilhões, um pouquinho iria para a educação e para as crianças. Mas não vai, porque, do ponto de vista da administração pura e simples, não há sentimento.

Esta é a diferença entre o administrador e aquele que cuida: o administrador é frio. Ele não pode gastar mais do que o salário dele mantém. Mas, numa casa, faz-se diferença entre o que vai para o filho e para a doença e o que vai para o telhado da casa. Definem-se prioridades com base no sentimento. O administrador define prioridades com base naquele instante, friamente. E é isto que caracteriza, lamentavelmente, o Governo atual do Brasil: a falta do sentimento na condução da família brasileira. Em vez de conduzir a família brasileira como um pai de família, faz como gerente administrando uma empresa. Não dá certo desse jeito. Um bom pai de família tem de gerenciar seus recursos, mas ele cuida; ele não administra. O Chefe de Estado, com sentimento de estadista, também cuida e gerencia para que amanhã não falte dinheiro. Mas ele cuida, para que haja o crescimento dos seus filhos. E o que o pai de família diz em geral? Diz: se eu der educação para os meus filhos, o resto ele adquire.

Precisamos de um Presidente que diga ao povo brasileiro: se eu der educação ao meu povo, o resto, o meu povo fará. Isso, podíamos ter escutado ontem do Presidente Lula, dizendo: Eu cuidei do meu povo nesses três anos e, ao cuidar desse meu povo, eu conduzi-o a um futuro melhor, a um futuro diferente; eu não apenas gerenciei. Por isso, ele não teria de se comparar com os Presidentes anteriores, mas diferenciar-se. Aqui, mais uma vez, a língua portuguesa é rica. O verbo “comparar” não é o mesmo que o verbo “diferenciar”. O Lula está se comparando, Senador Pedro Simon, com Fernando Henrique. Ele não está mais se diferenciando do Presidente Fernando Henrique Cardoso. E isso representa não só uma frustração, mas também uma negação da campanha de 2002.

Eu passo a palavra ao Senador Pedro Simon.

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - Nobre Senador Cristovam, eu quero dizer do encanto que significa para todos nós assistir às suas manifestações, especialmente hoje, quando o assunto é de mais profundidade e V. Exª tem um relativo tempo para expô-lo com mais calma. V. Exª fala com tanta clareza e elucida de tal forma os fatos que às vezes ficamos a pensar se cada um de nós não deveria ter, uma vez por semana, não digo uma sessão de psicoterapia, mas uma conversa amigável com V. Exª. O que V. Exª está dizendo do Presidente Lula é muito claro, muito preciso. A exposição que V. Exª faz do que deveria ser um governo com o qual sonhou, no qual votou e que preparou ao longo do tempo é bem diferente do que está aí. Mas é uma pena, Senador! Eu acho que nem o Congresso - me desculpe -, muito menos o Governo estão em condições sequer de interpretar o pensamento de V. Exª. Nessa corrida de bota aqui, tira ali, tapa buraco, vê aqui como é que foi a pesquisa, paga lá não sei o que, o discurso de V. Exª soa num romantismo, numa espiritualidade, numa falta de pé no chão para essa gente que deve ser muito difícil imaginar. Mas esse discurso de V. Exª é como uma tentativa de tomada de posição da sociedade brasileira no sentido de buscar uma realidade nova para o nosso País, porque temos de ver para onde vamos. Hoje, terminou o prazo para os tribunais demitirem os contraparentes, e 75% não cumpriram a determinação. E observamos que ocorre nesta Casa aquilo que existe por todos os cantos do Brasil. Quando é que eu ia imaginar, há 15 ou 20 anos, que o Judiciário se colocaria numa situação como essa? No entanto, as coisas estão indo e estão indo. Há o descumprimento de um compromisso mais ético, a irresponsabilidade no sentido do que fazer. Nesse sentido - perdoe-me -, o Governo do nosso amigo não só não fez o que se esperava, mas foi o que deu uma força imensa aos que não respeitam a ética, nem a dignidade, nem a seriedade, porque ele caminhou no outro lado. Ele foi para o lado em que as comparações podem ser feitas. Não ele, mas nós podemos fazê-las. Comparando com Fernando Henrique e com outros tantos, o governo dele não tem um grau mais alto naquilo para o qual eu sempre imaginei que daria grau dez para o PT e para o Governo do Lula, que seria a dignidade, a seriedade, a correção. Então, V. Exª está fazendo um discurso emocionante. Eu ouvi o seu pronunciamento pelo rádio e vim correndo para fazer o que não faço em seus pronunciamentos, porque é um erro tirar o tempo de V. Exª com um aparte tão fora de propósito. Mas o sentido é este: V. Exª é o homem que está certo e que diz o que deve ser dito, mas, no regime em que estamos, de novela da Globo, V. Exª parece uma pessoa esquisita, que está fora da realidade. Meus cumprimentos a V. Exª.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Muito obrigado, Senador. Seus apartes sempre são engrandecedoras para quem está falando aqui.

Quanto a parecer estar fora da realidade, quem olha do lado da novela pensa que quem está na realidade é que está numa novela.

O que aconteceu ontem de diferente, Senadora Heloísa Helena? Até aqui, quando eu via esses desvios do Governo Lula, eu vinha aqui falar, tentando trazê-lo. Hoje, eu já não venho mais tentando trazê-lo. Ontem, a sensação...

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - Eu também.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - V. Exª também. Lembro-me dos seus discursos, apelando, chamando, conclamando, sugerindo. Depois de ontem, já não há mais o que sugerir, o que conclamar, o que pedir que mude de rumo. É como se agora estivesse acabando de fato toda a possibilidade do sonho. Isso me deixou não apenas com uma frustração - que eu tinha, sem dúvida alguma, nunca neguei -, mas com a tristeza de dizer: “Caramba, não dá mais para tentar recuperar!”

Eu digo com toda a franqueza que a reeleição do Presidente Lula - que poderá ocorrer, sem dúvida alguma, nesse rumo das coisas - vai servir para quebrar de vez o mito Lula, porque o segundo mandato, para qualquer um, já é muito mais difícil, já é muito mais esgotante. Neste caso, o provável enfraquecimento das forças que dariam suporte ao Presidente Lula para conduzir o Brasil em outra direção vai fazê-lo absolutamente prisioneiro das forças conservadoras no Brasil.

Ouço o Senador Mão Santa.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Cristovam, V. Exª tem um título extraordinário: Professor, Mestre, Senador.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Muito obrigado.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - A Senadora Heloísa Helena, que lê a Bíblia a cada instante aqui ao lado, sabe que Deus escreve certo por linhas tortas. V. Exª está no partido certo. V. Exª está no partido de Brizola, que construiu os Cieps. V. Exª está no partido de Darcy Ribeiro. E V. Exª tem esse compromisso com a educação, que é o que há de mais importante. Mas queria me contrapor: acho que a democracia é de todos nós; pouco o PT contribuiu para a democracia. Ulysses Guimarães disse que “a corrupção é o cupim da democracia”. E está aí: ele está estragando a democracia. Mas essa democracia tem alternância do poder, e o Partido de V. Exª é ainda aquela esperança que não pode faltar, pois a esperança é a última que morre. E V. Exª é professor. Não conheço, na época contemporânea, nenhum presidente melhor do que o professor e ex-Presidente do Chile, Ricardo Lagos, que foi Ministro da Educação, como V. Exª. Então, V. Exª faz parte de toda essa riqueza. Os programas de V. Exª são ricos porque têm como base a educação. V. Exª tem essa experiência da democracia, em que há uma esperança de alternância do poder. Penso que V. Exª deve entrar com essa perspectiva de vencer. Se chegar à Presidência, a vitória é da educação. O seu companheiro Lagos foi professor e ex-Ministro da Educação. Hoje, todos nós somos orgulhosos da civilização chilena. Primeiro, eram oito anos obrigatórios de educação; ele fez uma lei, e agora são doze anos. Todo chileno tem de aprender uma segunda língua. Então, V. Exª representa essa esperança de que a educação leva à riqueza, e à felicidade, e à prosperidade que o País merece.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Obrigado, Senador Mão Santa. A lembrança de V. Exª em mencionar o Chile, neste momento, é extremamente útil, porque esse País, com alguns investimentos e prioridade na educação, está mudando. Há dez anos, o Brasil não estava atrás do Chile em educação; hoje está, e muito. Veja o caso de que lá se ensina uma segunda língua para todos na escola pública. Não é filho de rico que estuda outra língua, seja português, inglês ou francês. No Brasil, não fossem as emissoras de rádio e televisão, creio que não estaríamos mantendo o mesmo português em todo o País, porque crianças que aprendem a ler aos sete anos - e que começam a ler, de fato, a partir dessa idade - e crianças que não aprendem a ler até os dez ou doze anos não falam o mesmo português. São até parecidos, mas um vira dialeto, o outro fica com riqueza da língua, porque, para falar-se uma língua, é preciso vocabulário, semântica, gramática.

Estamos perdendo isso para milhões de crianças brasileiras: 52% das crianças brasileiras chegam à 4ª série, aos dez anos, sem saber ler. E o mais grave é que esse índice não é espalhado igualmente pelo Brasil. De São Paulo para baixo, 70% chegam à 4ª série lendo, mas, da Bahia para cima, passa de 70% a porcentagem dos que chegam à 4ª série sem saber ler.

Hoje teríamos dois idiomas de português diferentes não fosse a rádio e a televisão, que forçam a unidade, pelo menos do ponto de vista oral, ainda que, na hora da leitura, não sejamos mais leitores de um mesmo idioma; há uma parte educada e uma parte que não está aprendendo o português como deveria.

Encerro, Srª Presidente Heloísa Helena, agradecendo sua generosidade na concessão do tempo, devido à disponibilidade que tivemos nesta tarde, e dizendo que, apesar de passada a frustração para um sentimento de tristeza, ainda não cheguei ao sentimento da desesperança, porque esta vai além dos mandatos dos Presidentes.

Em 2006, a democracia permitirá um grande debate. Espero que, pelo menos, distingamos bem que haverá uma linha separando os “pré-Lula” - incluindo o próprio, porque faz parte do mesmo bloco de antes - dos “pós-Lula”, ou seja, aqueles que não estão satisfeitos com o que está aí, mas que não querem voltar ao passado.

Há muitos dizendo que, como o que está aí não está bom, devemos voltar ao passado. Penso que, se o que está aí não está bom, saltemos para o futuro! E o futuro vai diferenciar-se pelo cuidar em vez do administrar; pelo diferenciar-se em vez do comparar-se; pelo novo em vez do velho regime, que, desde a proclamação da República, domina este País.

Era o que tinha a dizer, com os meus agradecimentos à Srª Presidente.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/02/2006 - Página 5421