Discurso durante a 10ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Questionamento sobre o significado da democracia no Brasil, sobre as alianças para as próximas eleições, a verticalização e a aprovação do Orçamento.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PODERES CONSTITUCIONAIS. LEGISLAÇÃO ELEITORAL. ESTADO DEMOCRATICO.:
  • Questionamento sobre o significado da democracia no Brasil, sobre as alianças para as próximas eleições, a verticalização e a aprovação do Orçamento.
Aparteantes
Gilvam Borges, Sibá Machado, Tião Viana.
Publicação
Publicação no DSF de 07/03/2006 - Página 6850
Assunto
Outros > PODERES CONSTITUCIONAIS. LEGISLAÇÃO ELEITORAL. ESTADO DEMOCRATICO.
Indexação
  • COMENTARIO, CRISE, INSTITUIÇÃO DEMOCRATICA, BRASIL, REFERENCIA, IMPASSE, SITUAÇÃO, AUSENCIA, DEFINIÇÃO, PROCEDIMENTO, ELEIÇÕES, MOTIVO, RECUSA, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), ACEITAÇÃO, DECISÃO, CONGRESSO NACIONAL, ALTERAÇÃO, PRINCIPIO CONSTITUCIONAL, CRITERIOS, COLIGAÇÃO PARTIDARIA.
  • DEFESA, AUTORIZAÇÃO, REPRESENTAÇÃO PARTIDARIA, FORMAÇÃO, COLIGAÇÃO PARTIDARIA, ATUALIDADE, AMBITO, ESTADOS, MUNICIPIOS, AUSENCIA, VINCULAÇÃO, SITUAÇÃO, AMBITO NACIONAL, MOTIVO, FALTA, DEFINIÇÃO, IDEOLOGIA, PARTIDO POLITICO, BRASIL.
  • QUESTIONAMENTO, CRISE, RELACIONAMENTO, PODERES CONSTITUCIONAIS, CRITICA, CONDUTA, CANDIDATO, ELEIÇÕES, RECUSA, DEBATE, EXCESSO, ACUSAÇÃO, OBSERVAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, SIMILARIDADE, IDEOLOGIA, OPOSIÇÃO, REGISTRO, OMISSÃO, EXECUTIVO, PROBLEMA, EDUCAÇÃO, BRASIL, COMENTARIO, INCOERENCIA, ATUAÇÃO, FORÇAS ARMADAS, CONDENAÇÃO, DEMORA, CONGRESSO NACIONAL, APROVAÇÃO, ORÇAMENTO.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidenta, Srªs e Srs. Senadores, eu vim aqui fazer uma pergunta que possivelmente esteja na cabeça de muitos, mas nem todos a têm explicitado. Eu queria perguntar que democracia é essa a nossa. Que democracia é essa, depois de vinte anos, em que, a menos de seis meses das eleições, ainda não conhecemos as regras eleitorais? Que democracia é essa? Que democracia é essa em que nós, o próprio Congresso, aprovamos uma mudança nas regras eleitorais no mesmo ano da eleição? Essa é a primeira pergunta.

Perguntamos também que democracia é essa sem estabilidade institucional, em que o Poder Judiciário - pelo menos, até agora - recusa conhecida decisão da maioria qualificada de votos do Congresso, capaz de fazer reforma constitucional. O Tribunal Superior Eleitoral impede que vigore a decisão, pelo menos, até este momento, antes da promulgação que esperamos ser quarta-feira.

Que democracia é essa em que não sabemos como será a eleição e que tipo de alianças e de não-alianças haverá? Não tenho a menor dúvida de que, em uma democracia com partidos estáveis, a verticalização é uma boa decisão, Senador Romeu Tuma. Mas, neste caos partidário e ideológico dos partidos, a verticalização é uma camisa-de-força. E ninguém cura loucura com camisa-de-força.

Só depois de passado o período da purificação ideológica dos partidos, depois da cláusula de barreira, com alguns anos, a verticalização nem necessária será nas leis porque será natural. Será uma característica intrínseca dos partidos aliarem-se apenas àqueles com os quais são parecidos.

Que democracia é essa em que precisamos de verticalização, Senador Tião Viana? Ao mesmo tempo, que democracia é essa em que se faz uma reforma constitucional e um grupo de juízes a desfaz? O Congresso teria poderes até para acabar com o TSE. Não é cláusula pétrea. Ou teria poderes para mudar um pouco os arts. 16 e 19 dizendo: só se fazem mudanças no mesmo ano da eleição se for por meio de reforma da Constituição. No entanto, estamos perdidos, a seis meses da eleição, com uma série crise institucional e sem saber ainda como vamos votar.

Pergunto: que democracia é essa, Senador Tião Viana, em que os partidos ficaram tão iguais, por fora, e tão sem nitidez, por dentro? Se fizermos uma análise, hoje, dos militantes de cada partido, veremos uma diversidade tão grande que seria preciso uma lei de verticalização interna, dentro de cada partido. Nossos partidos são tão diversos que não têm nitidez; nenhum tem clareza, uns mais outros menos. Além de estarem sem nitidez interna, estão sem alianças afinadas, porque não há como ter alianças afinadas quando não há nitidez interna. Há pessoas que têm mais proximidade com as pessoas de outros partidos do que com seus próprios companheiros.

Que democracia é essa, Senador Sibá Machado, em que os partidos precisam de camisa-de-força? Ao mesmo tempo, a camisa-de-força é imposta de fora para dentro do Congresso, sem respeito à maioria qualificada dos representantes eleitos pelo povo. Vim até aqui fazer esta pergunta: que democracia é essa?

Ouço o aparte do Senador Tião Viana, antes de continuar o meu discurso.

O Sr. Tião Viana (Bloco/PT - AC) - Senador Cristovam, V. Exª traz ao plenário um tema atualíssimo e expõe o dia seguinte de uma decisão tomada pelo Tribunal Superior Eleitoral que afeta os partidos, os interesses eleitorais, sobretudo dos partidos brasileiros, e que deve ser refletida sim. Vejo em V. Exª um homem da maior lucidez, que procura tratar as questões com a devida profundidade, não com a superficialidade que a política às vezes impõe para o cotidiano da vida partidária e parlamentar, e fico também muito reflexivo quanto a essa matéria. Pessoalmente tenho o entendimento de que a não-verticalização é mais compatível com o princípio de uma República Federativa. Entendo que não temos que seguir as decisões da macropolítica de São Paulo. Somos um País com distintas regiões, com as peculiaridades dos Estados, com a necessária articulação para as influências e os entendimentos de organização e para a influência política regional, e não deveríamos ficar ainda subordinados às decisões do velho “café-com-leite” deste País. É lamentável - prefiro opinar um pouco sobre sua indagação -, mas culpo, por esse processo todo, o Congresso Nacional brasileiro, porque está nas nossas mãos a feitura das leis, bem como a sua clareza e a cobrança da sua aplicação. Ao mesmo tempo, transferimos para instâncias como o Tribunal Superior Eleitoral e o Supremo Tribunal Federal a interpretação dessas leis, porque não somos claros. Deixamos, no nosso cotidiano, de dar a devida profundidade, a devida formatação e conteúdo a uma matéria legislativa e ficamos sujeitos a interpretações de terceiros. Então, não consigo culpar o TSE, em uma hora dessas, porque penso que transferimos àquela Corte essa oportunidade. Se tivéssemos agido para fazer uma legislação clara, absolutamente definitiva sobre essa matéria, o TSE apenas aplicaria a lei ou, pelo menos, cobraria sua aplicação, mas, infelizmente, como não fomos claros, deixamos vaga uma elaboração legislativa e pagamos esse preço. Com isso, deixamos de votar no dia-a-dia, com uma volúpia pelo denuncismo - parece que a política brasileira só se alimenta disso -, e deixamos questões fundamentais de lado, como a que V. Exª aponta neste momento. Conseqüentemente, a personalidade de um partido político fica oculta e o seu interesse eleitoral se sobrepõe, haja vista a impressão de que o partido só aparece definitivamente para ter espaço de poder puro, direto, dentro do seu praticismo ou em período eleitoral. Isso é uma pena para a democracia. Divido, pois, com V. Exª um sentimento de preocupação e lamento por uma enxurrada de problemas que vão surgir, e não apenas em decorrência da verticalização, mas porque transferimos ao TSE e ao Supremo aquilo que era de nossa competência.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Senador, estou de acordo em que as leis que temos elaborado não são claras, mas nesse caso a nossa maior culpa, no meu ponto de vista, não é a falta de clareza, mas o atraso em fazer. De fato, isso deveria ter sido feito no ano passado, e deixou-se para fazê-lo neste ano. Mas fez-se neste ano como uma reforma da Constituição. O Congresso precisa ser respeitado nesse sentido. Então, sem elidir a culpa do Congresso, é preciso pensar em como é a convivência entre os Poderes. Se o Congresso toma, com três quintos dos votos, uma decisão - atrasada, é verdade -, ou seja, com maioria qualificada, a interferência do Poder Judiciário cria um impasse grave, qualquer que seja o resultado: se o Congresso impuser ou se for submetido. Na democracia, o Congresso só é submetido por pessoas fardadas, não por pessoas de toga. Contudo, estamos correndo o risco de sermos subordinados. Não diria isso se a aprovação fosse por maioria simples; teço estas considerações por se tratar de maioria qualificada.

Ouço o aparte do Senador Sibá Machado.

O Sr. Sibá Machado (Bloco/PT - AC) - Senador Cristovam Buarque, também estava ouvindo-o pela TV e resolvi vir ao plenário. Este assunto sempre me empolga bastante. V. Exª tem razão ao dizer que a falta de clareza da regra deixa todos em uma situação de espera. Não se pode fazer muito, porque é preciso aguardar decisões que hoje estão fora desta Casa. Ressalto que no ano passado foi conferida, pelo menos pelo Senado Federal, uma velocidade muito boa, no meu entendimento, para que se pudessem apreciar as mudanças que poderiam ser tratadas durante o pleito eleitoral de 2006. Falava-se da reforma política mais aprofundada e, depois, houve até aquela proposta da minirreforma, relativa ao barateamento do custo de campanha para 2006. Portanto, Sr. Senador, agora a situação está meio sem jeito.

(Interrupção do som.)

O Sr. Sibá Machado (Bloco/PT - AC) - Enquanto, nos Estados Unidos, há não sei quantos partidos políticos registrados, mas apenas dois se revezam no comando do governo, há bastante tempo, aqui no Brasil, que eu saiba, há cerca de trinta partidos políticos registrados no TSE, mas entendo que o País ainda não amadureceu para ter aquilo que alguns falam, que são partidos de ordem mais estrutural e não apenas regional ou local. Assim sendo, ainda estamos em uma fase de aperfeiçoamento. A reclamação que V. Exª faz é justa, mas, no meu entendimento, caberia ao Congresso ser muito rígido na hora de confeccionar a verdadeira lei política brasileira, para que as regras fiquem estabelecidas para um período bastante longo, e não apenas para um processo eleitoral e criando o casuísmo de que, a cada conjuntura, tenhamos que fazer cirurgias profundas nessa legislação. Registro, assim, minha preocupação e minha solidariedade a V. Exª, no que tange às regras, que estão difíceis de se materializar, visto que as convenções estão chegando.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Ouço, com prazer, o aparte do Senador Gilvam Borges.

O Sr. Gilvam Borges (PMDB - AP) - Senador Cristovam, é pertinente a indagação de V. Exª. Não a respondo, mas a Carta Magna, no seu art. 16, tem uma regra explícita: não se podem mudar as regras doze meses antes das eleições. Lamentavelmente, nós que compomos as duas Casas - no caso, o Congresso Nacional - passamos uma situação vexatória. O Congresso, ao sabor dos interesses partidários, políticos e conjunturais, lamentavelmente fica ao sabor da política na sua essência, o que é lamentável. Portanto, solidarizo-me com V. Exª nesse questionamento, mas realmente aqui está explícito - pedi à assessoria para trazer-me o texto do art. 16: “A lei que altera o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação”, quer dizer, um ano antes. Até que sou favorável, na situação conjuntural, mas sou pela lei, e V. Exª está correto quando indaga. É lamentável, realmente, essa situação vexatória pela qual estamos passando neste momento. Parabéns!

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Agradeço, Senador Gilvam Borges.

Quero lembrar que, por uma maioria qualificada, até esse art. 16 poderia ser modificado. Poder-se-ia colocar uma vírgula e dizer “salvo por reforma constitucional”. Poderia até acabar. Mas não se fez isso, reconheço. O senhor tem toda razão. Há uma maneira de se fazer apressada na hora de se fazer e atrasada na hora de levar em conta a responsabilidade. Fomos demorados na responsabilidade e apressados no formalismo, e isso está gerando esta crise.

Mas quero fazer outras perguntas, Sr. Presidente. Que democracia é esta? Nós estamos aqui e ainda não sabemos que regras eleitorais vão vigorar este ano. Faço outra pergunta: que eleição é esta, nesta democracia, em que o debate entre os candidatos não existe? Nós temos acusações entre candidatos, não temos debate. Como é possível termos uma democracia com um pensamento unificado em que a polarização que se dá entre os grandes candidatos é uma polarização entre iguais? Pode ser um detalhe, Senador Tião Viana, mas é muito importante: o Governo é tão parecido com a oposição que aqui quase não vemos nenhum debate conceitual. Os debates são travados em termos de críticas e contracríticas, a tal ponto que um trabalho feito recentemente no Ministério da Educação foi engavetado porque passava uma imagem muito negativa da educação brasileira, como se fosse culpa do atual Governo, o que não é. Aliás, não toca no período do atual Governo. O atual Governo preferiu engavetar, o que fez com que um dos principais autores pedisse demissão. Por quê? Porque sente-se tão parecido o atual Governo com todos os anteriores - alguns podem chamar isso de responsabilidade, mas acho que responsabilidade não é para esconder verdade -, que tranca uma análise da tragédia educacional brasileira. Então, que democracia é esta em que não há debate de idéias, em que não há debates de rumos?

Vou mais longe, Sr. Presidente. Que democracia é esta que só pensa em curto prazo, no imediato, que não tem um projeto de longo prazo para a Nação brasileira? Só tem projetos de curto prazo para a economia brasileira, para as eleições brasileiras, para a assistência social brasileira. Sempre de curto prazo, nada de longo prazo. Não há democracia presa ao presente.

Vou mais longe, Sr. Presidente. Que democracia é esta em que o Exército está nas ruas do próprio País, enfrentando brasileiros? Não importa se são bandidos ou não, o Exército não é para isso. Isso quebra a dignidade do Exército. Temos hoje o Exército em diversas favelas do Rio de Janeiro. Imaginem quando uma bala do Exército matar um civil brasileiro ou quando um civil brasileiro, mesmo que bandido, matar...

(Interrupção do som.)

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - É para isso que temos o Exército, as Forças Armadas e a Polícia. Se um quartel não é capaz de proteger suas armas, o comandante deveria ir à delegacia mais próxima e dar queixa do roubo.

Acho extremamente perigoso para a nossa democracia - e por isso pergunto que democracia é essa - quando vejo que o Exército que tem que subir os morros para recuperar armas que lhes foram roubadas. Isso seria um trabalho para a polícia fazer.

Finalmente, eu perguntaria que democracia é esta em que ainda não temos aprovado o Orçamento no terceiro mês do ano. Que democracia é esta em que não conseguimos fazer uma das mais óbvias das obrigações do Congresso Nacional, que é aprovar o Orçamento? Fico, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, com esta pergunta.

Eu me pergunto o que está pensando o povo, que ouve os nossos debates aqui dentro como se fossem apenas acusações e contra-acusações, críticas e contra-críticas em nível da ética e, de vez em quando, a discussão sobre um ou outro projeto e não traz para cá os verdadeiros projetos do povo brasileiro? Que democracia é esta em que o povo não se sente de fato representado por nós no sentido de ver no dia-a-dia da nossa atividade a solução dos seus problemas?

Além disso, não se vê o devido respeito, porque decidimos uma coisa e a Justiça decide outra. Perdemos o respeito pela falta de poder ou o respeito pela falta de competência? Essa é a discussão que está em jogo hoje: o Congresso foi irresponsável ou o Congresso não tem poder?

Esta é a minha pergunta: que democracia é esta em que a juventude se pergunta se o Congresso é incompetente, atrasado ou se o Congresso não tem poder.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/03/2006 - Página 6850