Discurso durante a 11ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Preocupação com a cadeia de omissões que o Brasil vem enfrentando, com destaque para a ocupação das favelas do Rio de Janeiro, pelo Exército Brasileiro.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
FORÇAS ARMADAS. SEGURANÇA PUBLICA.:
  • Preocupação com a cadeia de omissões que o Brasil vem enfrentando, com destaque para a ocupação das favelas do Rio de Janeiro, pelo Exército Brasileiro.
Publicação
Publicação no DSF de 08/03/2006 - Página 7141
Assunto
Outros > FORÇAS ARMADAS. SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • ANALISE, HISTORIA, BRASIL, OMISSÃO, GOVERNO, REFORMA AGRARIA, INCLUSÃO, CIDADANIA, EFEITO, IMIGRAÇÃO, REGIÃO SUDESTE, PROCESSO, INDUSTRIALIZAÇÃO, CRIAÇÃO, FAVELA, FALTA, INVESTIMENTO, DESENVOLVIMENTO SOCIAL.
  • OMISSÃO, GOVERNO, ABANDONO, FORÇAS ARMADAS, POLICIA, FALTA, INVESTIMENTO, SALARIO, FORMAÇÃO, QUADRO DE PESSOAL, COMENTARIO, ASSALTO, QUARTEL, EXERCITO, ROUBO, ARMAMENTO.
  • APREENSÃO, DESIGNAÇÃO, EXERCITO, COMBATE, CRIME ORGANIZADO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), SEMELHANÇA, GUERRA CIVIL, ANALISE, DIFICULDADE, SITUAÇÃO, DEFESA, REFORÇO, FORÇAS ARMADAS.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, vim falar de um assunto que raramente entra no discurso dos demais congressistas: a omissão. Vim falar de uma cadeia de omissões que o Brasil vem realizando, se é que podemos falar em realizar uma omissão.

A primeira omissão dessa cadeia de sucessivas omissões ocorreu quase 100 anos atrás, Sr. Presidente. Há quase 100 anos, o Exército brasileiro conseguiu acabar com a rebelião de Canudos. Daquela rebelião, um grupo de combatentes foi para o Rio de Janeiro e lá criou a primeira favela. A palavra favela, inclusive, origina-se de Canudos, daquele movimento. Essa favela se chama Morro da Previdência. Cem anos depois, o Exército está outra vez no Morro da Previdência, no Rio de Janeiro, junto aos descendentes - mas claro que muitos não são descendentes - de Canudos.

Qual foi a primeira omissão, Sr. Presidente? A primeira omissão foi que, depois de conseguir acabar com a rebelião de Canudos, não se fez uma reforma agrária na Bahia, não se conseguiu fazer com que as pessoas ficassem nos seus Estados e não emigrassem em direção ao Rio de Janeiro. Foi uma omissão que gerou tudo isso, mas não foi a única que cometemos e que terminou criando a situação que vemos hoje no Rio de Janeiro.

A segunda omissão dessa cadeia foi que, trinta anos depois, começamos a fazer a nossa industrialização, e ainda sem fazer a reforma agrária. Então, fizemos uma industrialização que, além de concentrada em São Paulo, Senador Tuma, não tinha lá na ponta do Nordeste, do Norte, nem mesmo do extremo Sul condições de segurar a população. Criamos um atrativo, que era a industrialização, Senador Arthur Virgílio, em São Paulo, no Rio de Janeiro, no Centro-Oeste, no Sudeste, e não criamos atrativos nas outras regiões. Era inevitável, por aquela omissão, que as pessoas emigrassem e formassem as grandes cidades, o que é hoje a maior tragédia e o mais difícil problema a ser resolvido. Fizemos uma industrialização concentrada e não distribuída, e não fizemos a reforma agrária nos lugares não-industrializados nem colocamos ali os serviços sociais necessários.

Outra omissão foi termos gastado todo o dinheiro, inclusive da dívida que contraímos, para viabilizar a industrialização, deixando de lado a agricultura naquela hora, deixando de lado a educação, a saúde, a água, o esgoto, a regulamentação do solo nas cidades. Nós - e falo nós brasileiros, mas especialmente os dirigentes deste País - fomos omissos e estamos pagando por essa terrível omissão.

Fomos omissos também quando abandonamos as Forças Armadas nos últimos anos. Temos de reconhecer que mesmo o regime militar nunca investiu o bastante nas Forças Armadas, como vimos em outros países. Os salários dos militares nunca foram privilegiados, nem no tempo do regime militar, o que, de certa forma, é um elogio ao regime militar, mas é também essa omissão de não ter profissionalizado corretamente as Forças Armadas, de não ter investido nos seus salários e de não ter atraído para elas os melhores quadros nacionais.

            Essa omissão fez com que, agora, um quartel fosse assaltado. Aquilo que parece uma grande humilhação - não para as Forças Armadas, mas para o Brasil inteiro, com um quartel sendo assaltado por bandidos que conseguem roubar armas - é fruto da omissão. Essa omissão não é do Exército, mas dos dirigentes brasileiros ao longo do tempo.

            Omissão também foi deixarmos de lado as Polícias, não apenas do ponto de vista de equipamentos e da formação, mas também do ponto de vista da promoção cívica da nossa Polícia. Se tivéssemos investido corretamente na Polícia, quando houvesse um assalto a um quartel, não seria preciso que as tropas fossem, pois a Polícia iria - aliás, a Polícia nem deixaria que isso acontecesse, mas, se acontecesse, ela resolveria. O Comandante do Exército daria um telefonema para a delegacia ou para o Secretário de Segurança...

(Interrupção do som.)

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - ...e, em muito pouco tempo, essas armas estariam de volta.

Vejam a cadeia de omissões!

E temo mais uma omissão agora: a de que, assustados com a criminalidade, preocupados com a perda de controle, como tem ocorrido, açodadamente coloquemos as Forças Armadas em uma posição difícil, pela omissão de não resolvermos o problema de outra forma. O que vai acontecer no Brasil se as Forças Armadas atirarem em civis? Quando vamos distinguir qual foi o bandido e qual não foi o bandido morto? Quando brasileiros atirarem nos nossos soldados, o que vai acontecer? Qual será a reação do Brasil quando as Forças Armadas enfrentarem, de fato, a situação - como está acontecendo - e houver conflitos armados nas ruas?

Quando vi hoje a primeira página de O Globo, que mostra os soldados subindo os morros com o uniforme do Exército, confesso que me assustei. À primeira vista, pensei que fosse uma foto do Haiti, uma foto de um país em guerra civil, uma foto de um país ocupado.

Além disso, há uma omissão muito grave: a de não saber que, ao colocar o Exército nas ruas, depois ficará difícil levá-lo de volta ao quartel, porque ele não pode sair desmoralizado e talvez não consiga adquirir dignidade rapidamente, pela dificuldade de controlar aqueles meandros das ruas das favelas do Rio de Janeiro.

Assomei à tribuna para falar dessa cadeia de omissões. Não vamos resolver esses problemas apenas com o Exército nas ruas e não tomando as medidas necessárias. O Exército foi feito, treinado e preparado patrioticamente para defender o Brasil de estrangeiros, e nós não nos estamos preparando com as Forças Armadas para, quando houver necessidade, defender-nos. Atualmente existe uma base militar norte-americana a cerca de cinco a dez minutos de Itaipu, e nós não temos força nem para dizer apenas que, se vierem, terão que pagar algum preço. De cinco a dez minutos, com alguns helicópteros, eles tomam Itaipu.

O que aconteceria no Brasil se Itaipu fosse desligada?

Vim aqui, portanto, Sr. Presidente, dizer dessa preocupação, como Senador da República, com todas as omissões do passado e com essa omissão que talvez nós, a nossa geração de Senadores, estejamos cometendo. Com isso, estamos deixando na história uma marca que talvez, daqui a 50 anos, alguém venha a incluir como mais uma omissão nessa cadeia repetitiva e trágica de omissões dos dirigentes brasileiros.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores.

Agradeço a generosidade de V. Exª, Sr. Presidente, com o tempo adicional. Talvez tenha sido uma omissão sua não ter cortado o meu tempo, mas creio que foi no sentido de deixar que alguém fale aqui sobre esse tema, que foge daquilo que discutimos todos os dias, mas pelo menos tenta quebrar essa cadeia da omissão.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/03/2006 - Página 7141