Discurso durante a 16ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Indignação com a exploração sexual de crianças e adolescentes no país, abordada em uma série de reportagens do Jornal da Globo.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • Indignação com a exploração sexual de crianças e adolescentes no país, abordada em uma série de reportagens do Jornal da Globo.
Aparteantes
Flávio Arns.
Publicação
Publicação no DSF de 15/03/2006 - Página 7823
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • COMENTARIO, TELEJORNAL, DENUNCIA, PROSTITUIÇÃO, EXPLORAÇÃO SEXUAL, INFANCIA, PROTESTO, FALTA, MANIFESTAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, PRESIDENTE DA REPUBLICA, NEGLIGENCIA, GRAVIDADE, PROBLEMA, COORDENAÇÃO, MINISTERIO, APRESENTAÇÃO, SUGESTÃO, PROVIDENCIA, ESPECIFICAÇÃO, BOLSA DE ESTUDO, ACOMPANHAMENTO, CRIANÇA, AUMENTO, FISCALIZAÇÃO, TURISMO.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, Srª Senadora Heloísa Helena, Sr. Senador Sibá Machado, nos últimos dias, um dos telejornais da noite da TV Globo apresentou uma série a respeito de algo que nos deveria envergonhar profundamente: a prostituição infantil.

Lamento não ter escutado aqui nenhuma repercussão sobre aquelas reportagens da Rede Globo. Mas - muito mais grave - lamento profundamente que, depois daquela série de reportagens sobre prostituição infantil nas cidades do Nordeste, não tenhamos escutado um único pronunciamento, uma fala, um gesto do Presidente Lula e de seu Governo.

Durante o Governo Fernando Henrique Cardoso, eu costumava dizer que o Presidente que dirige um país com uma potência econômica como a do Brasil, cada vez que ouvir falar em prostituição infantil, deve chorar à noite pelo que está deixando de fazer para resolver o problema.

Lamento muito que, três anos depois, no Governo do Partido dos Trabalhadores, que ajudei a eleger, de que participei e em que tentei influir no sentido de que esse problema fosse enfrentado, não apenas o problema continue - e talvez, ninguém sabe, esteja mais grave -, mas que eu não veja - o que ainda mais me incomoda - gesto algum de indignação com aquele quadro que vemos nas praias do meu Nordeste.

Em uma das primeiras reuniões no Governo - em fevereiro ou março - sobre o assunto da prostituição infantil, quando o Governo, Senadora Heloísa Helena, ainda tinha indignação com o que havia de errado no Brasil, no gabinete do Ministro da Justiça, tentei fazer com que esse assunto merecesse a importância que se estava dando ao Fome Zero. Briguei por isso e insisti que se escolhesse um Ministério ou que se colocasse uma pessoa ao lado do Presidente com prazo para resolver esse problema.

Naquela reunião, percebia-se que quatro Ministérios se chocavam na tentativa de enfrentar o problema, que nenhum o enfrentava, sendo que os quatro têm que enfrentá-lo. Era um problema legal do Ministério da Justiça; era um problema do Ministério do Trabalho; era um problema do Ministério da Assistência Social.

Eu, como Ministro da Educação, cheguei a me intrometer para tentar trazer o problema também para a Educação, embora, no Brasil, o Ministério da Educação seja apenas responsável pelas crianças que estão na escola e, sobretudo, na universidade; não tem relação com as crianças que estão fora da escola, e com as que estão dentro é só dar um pouquinho de dinheiro para que os pobres prefeitos cuidem.

Naquela época, propus que houvesse um coordenador do assunto, como havia um coordenador do Fome Zero, que não era necessário chamar de Ministro. Seria uma agência de proteção da criança. Pelo que tenho acompanhado de fora, nada foi feito de concreto. Continuam a fazer as mesmas coisas de sempre. Mas as mesmas coisas de sempre nós fazemos desde 1500. Durante quatrocentos anos, nós fizemos as mesmas coisas de sempre em relação à escravidão, até um dia darem o grito de abolição.

Será que este País não está maduro para dar o grito de abolição da prostituição infantil? Será que não está na hora de o Presidente, ao ver essa matéria, chamar os Ministros para conversar sobre o assunto? Será que só justifica o Presidente conversar com um Ministro na hora de transpor o rio São Francisco, de aumentar ou diminuir as exportações no que se refere à taxa de câmbio? Será que uma porcentagem de nossas meninas e de nossos meninos dedicados ao tráfico do próprio corpo não merece a atenção do Presidente da República nem de seus Ministros? Mas é o que nós vemos.

Um gesto não houve da parte do Governo depois desse noticiário. Durante uma semana, vimos meninas falando de costas para a câmara, com os olhos tapados, como criminosas. Garanto que muitas pessoas desligaram a televisão, por tristeza, por impotência ou, como acontece com grande parte da minoria aristocrática brasileira, por não querer saber do problema. Mas essa população que assistiu ao programa tem o direito de desligar a televisão. O Presidente, contudo, não tem direito de se desligar desse assunto. O pior é que não seria difícil resolver o problema. Não vou apenas criticar; quero citar alguns gestos simples que levariam à sua solução. Primeiro, o Presidente deve dizer que está preocupado com o assunto, mas não apenas do ponto de vista de marketing. Sua Excelência deve dizer e ficar preocupado com o assunto. Segundo, convocar os ministros de diversas áreas e encarregar um deles como xerife, czar, coordenador, enfim, como chefe e dar a ele um prazo. Senador Sibá Machado, em fevereiro de 2003, eu defendia que o prazo fosse de dois anos. Terceiro, é ter a lista com os nomes dessas crianças. Não vamos identificar 100%, mas conseguiríamos identificar 80%, 90% desses nomes. Depois disso, se houver um encarregado, não é difícil acompanhá-las, por meio de alguns passos. Primeiro, localizada uma pessoa dessa, uma criança, é preciso assegurar a ela uma bolsa de estudos, para que, em vez da prostituição, possa freqüentar um curso; segundo passo, matriculá-la numa escola com acompanhamento personalizado - não pode ser um curso normal porque essas crianças não se integrarão plenamente, Sr. Presidente. Tem que ser uma escola com acompanhamento em horário integral, que cuide das famílias e as chame à responsabilidade e que se dê a elas condições de viver sem a remuneração da criança.

As escolas precisam ter um mínimo de qualidade. Assim, em pouco tempo - um ano, dois -, deslocar essas pessoas para uma escola normal, desde que a escola normal acrescente uma melhoria; desde que haja uma federalização da educação básica; desde que, no Brasil, a educação se transforme em prioridade nacional do Presidente da República, com uma agência de proteção da criança, com um ministério da educação básica, com os recursos necessários, com o controle do trabalho dos professores, com a formação deles.

Ninguém tem o número exato de meninas e meninos que estão na prostituição infantil no Brasil. Todavia, não é um número elevado. A vergonha é imensa, porque, se uma só estiver, já devemos estar envergonhados. Mas o número não é grande. O número se mede em poucos milhares, não como se falou em 500 mil há algum tempo. Não existe isso. São poucos milhares, localizados em pontos que se conhecem basicamente. Há algumas crianças dessas espalhadas pelo centro do País, mas são exceções que não vamos conseguir enfrentar. Aqueles casos concentrados nas zonas turísticas do Brasil, esses temos recursos para enfrentar - financeiros, humanos -, só falta uma grande, uma imensa indignação do Presidente da República com o problema. Mas é pena não vermos essa indignação.

Alguns gestos resolveriam. Um deles seria pegar um desses aviões que chegam com os turistas voltados para a prostituição, para a exploração sexual, e devolver esse avião meia hora depois de ele descer e ser reabastecido - porque não devemos deixar que ele caia no meio do oceano só por causa do crime deles. Mas nunca fizemos isso. Nunca devolvemos um avião desses como exemplo para os países que defendem, que toleram a prostituição. Eu diria até que os países de onde vêm esses turistas gostariam de ver um gesto desses da parte do Brasil. Mas, em vez disso, não estamos tomando as medidas corretas. Sabem por qual razão? É que o Presidente, tão preocupado como está com aquilo que justifica tomar seu tempo, que é a economia, fecha os olhos à prostituição infantil porque traz dólares para o Brasil; porque parte da balança comercial é melhorada graças aos dólares explorando essa vergonha brasileira, tão vergonhosa como foi a escravidão durante 400 anos diante dos olhos fechados dos dirigentes brasileiros.

O Sr. Flávio Arns (Bloco/PT - PR) - V. Exª me permite um aparte?

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Hoje, não podemos jogar a culpa nas gerações passadas. Hoje somos nós os dirigentes deste País e aparentemente estamos - e passo a palavra ao Senador se o Presidente permitir - fechando os olhos. Vim aqui pelo menos para ressaltar que fiquei indignado, continuo indignado e não podia deixar de manifestar essa minha preocupação, essa minha indignação e essa minha certeza de que não é difícil resolver esse problema em um prazo curto.

Passo a palavra ao Senador Flávio Arns, lembrando-o do pouco tempo que temos.

O Sr. Flávio Arns (Bloco/PT - PR) - Se V. Exª me permitir, observo que há preocupação do Governo Federal em relação à situação da criança e do adolescente de maneira geral. Em minha ótica, o Governo Federal não vem fechando os olhos e muito menos vem pensando em coibir quaisquer atividades porque a presença desses criminosos traria dólares para o Brasil. Considero criminosas essas pessoas, e elas têm que merecer assim todo o rigor da lei nacional e internacional. Basta dizer que todo programa de erradicação do trabalho infantil, como o Bolsa-Família, mudamos a lei, há pouco, para que se abata do Imposto de Renda contribuição para o Fundo da Criança e do Adolescente até o momento da declaração de ajuste anual, os próprios posicionamentos da Secretaria Nacional de Direitos Humanos. Então, essa preocupação é do Governo e da sociedade. Temos de apurar todos esses fatos e consolidar ainda mais as nossas preocupações em relação à proteção da criança brasileira.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Senador Flávio, não estou dizendo que não haja preocupação com as crianças e os adolescentes. Mas esse não é um caso das crianças e adolescentes em geral; é um caso mais específico, urgente, imediato, de solução fácil. Quanto ao Presidente Lula e ao Governo do PT, esperávamos não apenas a continuidade do que já se faz há muito tempo. O que incomoda não é apenas não estarmos fazendo, mas achar que temos de fazer como já vinha sendo feito antes. Não há a urgência, a dramaticidade, o compromisso e a especificidade em cima desse problema especial. Senador Flávio, lamentavelmente isso não está havendo.

Mas há a preocupação com as crianças, como o Bolsa-Família, que já existia na época do Presidente Fernando Henrique Cardoso. Não vou negar que se está fazendo, não digo que piorou, mas não bastava não piorar, seria preciso trazer a solução para o problema.

Presidente, não sei se tenho o poder de passar a palavra ainda para a Senadora...

O SR. PRESIDENTE (João Alberto Souza. PMDB - MA) - Está esgotado o tempo de V. Exª.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Eu agradeço a V. Exª e deixo aqui a minha manifestação, o meu descontentamento, a minha indignação.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/03/2006 - Página 7823